quarta-feira, 11 de abril de 2018

Revitalização da AMECON: uma batalha hercúlea para recuperar a honra da profissão

Revitalização da AMECON: uma batalha hercúlea para recuperar a honra da profissão
Roberto Tibana
5-Abril-2018
É muito bem-vinda a iniciativa de um grupo de economistas da nova geração que estão engajados no esforço de revitalização da AMECON. Ontem através de um dos candidatos (lista A) fiquei a saber que ainda permaneço membro da AMECON. No meu cartão (quando ainda o guardava), tinha o número 48. Isto permite-me dizer que sou um dos membros fundadores desta associação. Na realidade participei em vários eventos antes que depois culminaram na fundação formal da mesma.
Meses antes desta iniciativa de revitalização, um jovem economista me haviam ligado informar que um grupo deles me sugeria que criasse uma lista e me candidatasse a dirigir associação. Declinei, não porque não julgasse necessária a revitalização da nossa associação profissional. Mas era necessário (como o disse na altura), que uma outra geração de economistas tomasse essa tarefa como sua para dignificarem a sua profissão, pois nós outros havíamos dado a nossa parte e estávamos dispostos a apoiar a iniciativa. Hoje estou aquí para cumprir a minha palavra: apoiar, e faço-o muito entusiasticamente.
Mas só o facto de termos de empregar a palavra REVITALIZAÇÃO devia encher-nos de vergonha. Hoje fala-se de transformar a AMECON de Associação para Ordem (isso consta dos manifestos de ambas as listas). Eu nunca pertenci a uma ordem e não entendo bem os seus objetivos. Espero ser educado. Mas devo dizer antes uma coisa: antes da existência de qualquer uma das ordens que possa pretender dar experiência e apoiar a transformação da AMECON em ordem, a AMECON como associação existiu e desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento do pensamento económico em Moçambique. E na minha opinião é nessa experiência que os nossos colegas que agora pretendem revitalizar a nossa AMECON se devem inspirar e repor. De outro modo, poderão cair no erro de criar um corpo que pode ainda vir a ser muito mais inútil do que a moribunda AMECON que pretendem revitalizar. E para que os erros do passado não se repitam, devemos lembrar-nos como é que ela chegou a ficar tão moribunda a ponto de hoje necessitar de uma revitalização.
Como é que uma das associações profissionais mais vibrantes na sociedade moçambicana pós-independência chegou a ficar moribunda? É necessário fazer esta pergunta e dar-lhe uma resposta, para que se tirem as lições devidas. E aquí fica o meu testemunho (outros poderão ter outros pontos de vista).
O principal facto que tornou a AMECON moribunda foi a tentativa de arregimentar os seus membros e de transformar a associação num instrumento de interesses políticos de natureza partidária. Ao nascer a AMECON foi a primeira organização profissional moçambicana a inscrever nos seus estatutos o seu distanciamento de quaisquer ligações político-partidárias, explicitamente. Todas (ou quase todas) organizacoes sociais até então existentes traziam o cunho de “Organizações Democráticas de Massas” do Partido no poder (tipo OJM, OMM, ONP, OTM, etc.). E com esse cunho não-politico e não-partidário a AMECON galvanizou interesses e tornou-se uma plataforma de debate sobre a realidade e perspetivas socioeconómicas do país aglutinando todos os segmentos da sociedade.
Organizamos palestras e debates sobre a economia em que as cores partidárias não contavam. Os oradores até nem eram somente economistas. Todos que associação julgasse que têm contributo para o desenvolvimento do pensamento económico e a formulação de alternativas de políticas podiam palestrar e debater sem restrições nem conotações de natureza política. Discutíamos economia e todas as correntes de pensamento económico eram consideradas e respeitadas. Os palestrantes eram economistas e não economistas engajados na academia, na consultoria, na governação, e na gestão de negócios. Nunca estávamos sempre de acordo nas premissas e conclusões teóricas e até nas suas implicações para a política económica. Mas nem era esse o objetivo.
O objetivo era desenvolver a classe profissional, e fornecer alternativas e perspetivas diversas a quem tomando outros fatores em conta tenha que tomar decisões sobre políticas e a gestão da economia. Cada um de nós tinha e tem as suas simpatias políticas e até alguns tinham e têm as suas filiações partidárias. Mas na AMECON nos encontrávamos e convivíamos como uma classe profissional comprometida com os ideais da profissão e o desenvolvimento do pensamento económico e da economia, e no melhoramento da condição social dos moçambicanos.
Tudo se estragou quando em tempo de eleições nos quiseram arregimentar para apoiar este ou aquele partido, quando fomos arrebanhados para a Presidência da República para sermos doutrinados sobre o que devíamos fazer em termos de posicionamento político. Eu fui um dos poucos que se opuseram a isso. Fomos muito mal compreendidos. Até que um colega disse “vai para ver e ouvir por si próprio em lugar de esperar que te contem”. Fui e saí de lá desolado. Mais tarde ainda tentamos salvar a associação desse sequestro. Mas o assalto estava já planeado e em marcha. A decisão havia sido tomada para não se tolerar que uma organização que teve a coragem de inscrever nos seus estatutos o seu carácter apartidário se mantivesse como tal.
Houve também um outro momento negro, que foi quando selvaticamente mataram o nosso colega de profissão António Siba-Siba Macuácua. Eu nem sei se ele era membro da AMECON, mas a associação dos economistas tinha aí uma responsabilidade natural da qual se furtou vergonhosamente. Quando toda a sociedade e todo o mundo se indignava e clamava pela justiça perante a letargia das autoridades competentes e a recusa na prática de seguirem uma investigação vigorosa que levasse à justiça os perpetradores diretos e os mandantes do crime, a direção da AMECON advogava uma “pressão silenciosa” que na realidade não existia nem ela tinha capacidade de a exercer. Era uma fuga vergonhosa a responsabilidade e ao dever da associação num caso que afetava um membro da sua classe. Alguns de nós tivemos que tomar essa batalha nas nossas mãos fora da organização. Felizmente, com o apoio de toda a sociedade e da comunidade internacional triunfamos. O nosso colega de profissão António Siba-Siba foi proclamado pela Transparência Internacional um Herói da Integridade a título póstumo, o segundo caso em Moçambique, o primeiro tendo sido o Carlos Cardoso.
Ironicamente, o Carlos Cardoso havia sido um daqueles que muito entusiasticamente apoiou a criação da AMECON, como muitos dos fundadores se irão recordar. E numa das palestras connosco (a qual eu assisti) ele vaticinou a morte deu um economista moçambicano nas circunstancias em que acabou morrendo o Siba-Siba. E com a proclamação destes dois (Cardoso e Siba-Siba) a Heróis da Integridade a título póstumo, Moçambique tornou-se o segundo país no mundo onde a comunidade internacional congregada na Transparência Internacional proclamou dois heróis de integridade a titulo póstumo no mesmo país (o outro sendo a Rússia). Até hoje não sei se terá existido algum outro país nesta categoria de reputacao resultante de ignomínia para além destes dois.
Foi depois disto tudo que cortei aos retalhos o meu cartão de membro Nr. 48 da AMECON e deitei na caixa de lixo. E sei que alguns outros podem não ter feito o mesmo em termos físicos, mas espiritualmente se dissociaram da AMECON. E o resto da história desta nossa associação profissional é aquilo que conhecemos. Os apoios secaram também porque entidades que apoiavam o desenvolvimento da profissão e das causas justas e dos seus membros não mais viam na AMECON uma das suas parceiras. A AMECON ficou moribunda culpa de ter perdido o norte, culpa de as suas lideranças terem sucumbido a pressões e instrumentalização política e com isso terem abandonado o espírito fundador, o espírito da AMECON como casa de todos os economistas, independentemente dos seus credos políticos e ideológicos, o espírito da AMECON como a plataforma de pensamento económico de toda a sociedade, o da AMECON como a inspiradora e exemplo de um espírito de isenção, objetividade profissional, e promoção da integridade.
Conto isto para que tanto os da lista A como os da lista B saibam a responsabilidade social que lhes cabe ao tomar o manto da revitalização da AMECON. Não é uma organização profissional como qualquer outra. Tem uma historia de grande peso na sociedade moçambicana contemporânea que deve ser honrada e dignificada.
Por isso, ao vir aqui apoiar entusiasticamente a revitalização da AMECON faço-o na esperança de que tanto a lista A como a lista B tomem a liderança da AMECON com o espírito dos fundadores e dos seus estatutos e ideais. Porque os fundadores não só tiveram a ideia, como até a inscreveram nos estatutos. Eu até diria mais: criem a Ordem se quiserem, mas deixem a AMECON existir como tal. Se tiver que existir a Ordem e a Asssociação, que existam e coexistam. Mas a história e a herança da AMECON não devem ser apagadas e diluídas na criação de uma ordem. A AMECON é de todos os economistas que a ela se quiserem associar. Duvido que uma Ordem vá cumprir esse papel aglutinador.
Neste momento não sei em qual das listas votaria (se ainda tiver ou puder recuperar o direito a voto), pois ainda não vi o manifesto da Lista B. Mas agradeço a lista A por me ter vindo lembrar que ainda sou membro desta associação (já é um bom ponto de partida no caminho da inclusão). Espero poder um dia vir a ajudar a recuperar o prestígio da AMECOON que já foi dos mais elevados neste país. E termino convidando aos fundadores (incluindo aqueles que como eu se haviam “zangado” com a associação) a retornarem à casa e apoiarem a revitalização da nossa associação profissional.--RJT
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5 comentários
Comentários
Paulo Soares Muito Bom testemunho.
Há realmente grande diferença entre associação e ordem.
Como entre associados e ordenados.

Vê-se que o poder tenta ordenar!
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Roberto Julio Tibana Visitei o site, Mas so vi fotografias, nao os Bios das pessoas. Uma lacuna. Queremos conhecer as pessoas, os seus feitos e suas ocupacoes como economistas.
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6 dia(s)Editado
Eduardo S. Sigaúque Roberto Julio Tibana, eu também visitei o site da Lista B, vi figuras, busquei nomes que compõem a lista e suas qualificações acadêmicas e profissionais, não achei NADA. Uma coisa que apareceu logo a prior, é o fato de não mencionarem nada sobre o papel da AMECON na definição de políticas de desenvolvimento econômico para o país.Gás, etc... isso não é politica.... Querem também criar parceiras com setor privado internacional ( Bloomberg Education e CFA Education); sem fortalecerem-se com as Universidades e Institutos de Pesquisa Nacionais. Enfim, resumindo Roberto Julio Tibana temos que nos MODERNIZAR com a tradição e história.
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Roberto Julio Tibana Sim Eduardo S. Sigaúque, muito preocupante esse apego da lista B a alianças externas... multinationals... grandes bancos... Parece faltar um pensar e um apego ao Moçambique da maioria tipo agricultura, industrislização ptimária, cadeias de valores De Mia economies inclusiva educação e promoção dá melodies dá inventive, infrastructure de base... não sei se são gestores ou aspirantes a gestores de empresas multinacionais do gás ou se são mesmo economistas! Se aquilo vai ser a tal NOVAAMECON ela vai ser mesmo nova, sem memórias nenhuma do que foi a AMECON que criamos...
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Celeste Elsa Banze Eu particularmente, gosto da ideia de uma nova AMECON e acima de tudo rejuvenescida. Acho que é tempo de abrir alas para novas ideias e ir limando os erros aos poucos, naturalmente que os membros da lista B não sabem tudo e o facto de terem se atrevido já deve merecer o nosso agradecimento como economistas que no fundo queremos mesmo é ter uma associação que nos dê liberdade de expressar as nossas ideias e acima de tudo contribuir como um grupo no debate público. Quanto aos erros, vamos ajudar a lima-los. Só quem nada faz, não os comete.
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Roberto Julio Tibana !!!!!?????.....
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Gabriel Dava Sou membro fundador e da primeira Direcção da AMECON e disso me orgulho. A saida do pais por motivos profissionais nao me permite dizer muito sobre o rumo que a nossa Associacao tomou e para onde vai. Estou certo, sim, de que quero uma Associacao ou Ordem que seja activa e interveniente no debate sobre as opcoes de politicas e estrategias de desenvolvimento do pais.
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