quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Caso Manuel Vicente: Angola propôs compromisso a Portugal


LAURENT GILLIERON

O Expresso teve acesso à resposta de Luanda à carta rogatória do MP português. Lourenço transmitiu na terça-feira a Costa os três pontos que, segundo as autoridades judiciais angolanas, poderiam desbloquear as relações bilaterais

O desbloqueamento das relações políticas entre Portugal e Angola pode estar mais próximo, se a justiça portuguesa aceitar os termos de um compromisso que Angola propôs.
A questão foi discutida pessoalmente pelo primeiro-ministro António Costa e o Presidente angolano, que ontem se reuniram à noite, em Davos, à margem do Forum Económico Mundial. Aparentemente, terão ambos concordado que esse compromisso poderia salvar a face a ambas as partes.
O princípio do acordo pode estar na leitura e interpretação da resposta à carta rogatória que Angola enviou a Portugal, no âmbito do processo que envolve o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente, acusado de corrupção ativa e branqueamento de capitais. Angola pediu a transferência do processo a fim de o julgar no país, ao abrigo do convénio assinado no âmbito da CPLP.
Ao que apurou o Expresso, a referida resposta coloca três pontos, que podem abrir a porta ao desbloqueamento do processo: ao confirmar que o ex-vice-presidente goza de facto de imunidade, destaca que ela dura apena cinco anos; por outro lado, sublinha que só em concreto se pode saber se a lei da amnistia se aplica ou não; e, finalmente, que de acordo com a interpretação que a justiça angolana faz da lei portuguesa, Portugal pode efetivamente recuperar o direito a julgar.

A PROPOSTA ANGOLANA

De acordo com o texto da resposta a que o Expresso teve acesso, Angola reconhece que, de acordo com a lei angolana, o vice-presidente "responde pelos crimes estranhos ao exercício das suas funções cinco anos depois do fim do seu mandato" e fá-lo-á perante o Tribunal Supremo.
Todavia, ressalva o referido texto: apesar da Lei da Amnistia publicada em 2016 em Angola, que isentaria em princípio Manuel Vicente dos crimes por que é acusado, "apenas perante um caso concreto e no âmbito da sua completa e adequada tramitação se poderá saber qual o seu desfecho, sendo certo que a conclusão, sem mais, pela aplicabilidade concreta da lei da Amnistia é precipitada".
E prossegue: "A referida lei apenas abrange teórica e abstratamente crimes comuns, e não crimes específicos, para além de que também há que considerar todos os outros elementos do quadro legal aplicável, seja o previsto no Código Penal, seja o previsto em 'legislação penal extravagante', como a que respeita aos titulares dos cargos políticos, entre outras".
Finalmente, a resposta à carta rogatória faz a sua interpretação da lei portuguesa, fazendo notar que "se bem interpretamos a legislação portuguesa, a transmissão do processo para as autoridades angolanas não impede que as autoridades portuguesas possam porventura, e verificados os pressupostos legais, vir a recuperar o direito de proceder penalmente".
"Tal significa - conclui o texto - que as autoridades portuguesas têm ainda essa garantia legalmente prevista".
A resposta considera que estas especificações possam esclarecer a justiça portuguesa dos motivos pelos quais não foi cumprida a carta rogatória enviada para Angola, com o fim de citar o ex-vice-presidente.

A VEZ DE PORTUGAL

Cabe agora à justiça portuguesa pronunciar-se, sendo certo que se encontra pendente na Relação o recurso interposto por Manuel Vicente da decisão da primeira instância do tribunal de não autorizar a transferência do processo, alegadamente por temer que este não venha a ser julgado.
Para todos os efeitos, o acordo pressuporia que a Justiça portuguesa transferisse o processo para Angola, esta recebê-lo-ia, suspendendo-o durante cinco anos, período findo o qual procederia à notificação da acusação e decidiria se aplicava ou não a amnistia. Portugal conservaria de qualquer modo a garantia de recuperar o processo.

PRIMEIRO-MINISTRO: “CONVERSA MUITO BOA”

"Foi uma conversa muito boa, desmentindo qualquer hipótese de retaliação e explicando que a reestruturação consular é global e nada tem a ver com este caso", afirmou o primeiro-ministro ao Expresso, já depois do encontro e referindo expressamente à possibilidade de encerramento dos consulados angolanos em Faro e Lisboa.
António Costa já tinha definido "este caso" como o "único irritante" que existia nas relações bilaterais, mas agora classificou-o como "uma questão, uma só" que tolda o bom relacionamento entre ambos os países e que "não pode ser ignorada".
De acordo com António Costa, resultou uma mensagem muito clara do encontro: "tudo vai correr normalmente a todos os níveis, só havendo como consequência deste problema a ausência de visitas de Presidentes ou Primeiros-ministros, ou seja, o congelamento das visitas mútuas de alto nível. "Mas continuaremos a falar em todos os pontos do mundo", realçou, como aliás o Expresso tinha avançado.
Na terça-feira, o PM já havia sublinhado que apesar de as relações políticas e económicas luso-angolanas serem "fraternas" e de "excelência", a "questão" que se mantém não depende dos poderes políticos de Portugal e de Angola e decorre exclusivamente da responsabilidade das autoridades judiciárias.

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