Analistas moçambicanos disseram à agência Lusa que o anúncio de hoje da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a investigação às dívidas ocultas de Moçambique "não traz nada de novo".
"Não é um avanço concreto, é uma estratégia para ganhar tempo", referiu o economista Roberto Tibana, considerando tratar-se de "uma tentativa extremamente incompetente de mostrar serviço, que não existe".
A PGR anunciou hoje que submeteu ao Tribunal Administrativo (TA), na Sexta-feira, uma denúncia com vista à responsabilização financeira dos gestores públicos e respectivas empresas que contraíram dívidas com garantias estatais emitidas à revelia da lei em 2013 e 2014.
Tibana disse à Lusa que não faz sentido falar de denúncia, porque o TA já se tem pronunciado sobre o tema - por exemplo, a propósito das contas gerais do Estado -, sem propor sanções.
"Estão a tentar empurrar a bola e isto já está a entrar num ‘pingue-pongue' entre a PGR e o TA", referiu o comentador.
"A mesma informação que dizem que o TA tem para agir, eles [PGR] também têm para actuar do lado criminal, pelo menos para fechar a instrução preparatória e avançar com o processo", sublinhou.
Fernando Lima, comentador político e presidente do grupo de comunicação social Mediacoop, classificou o anúncio como algo "para entreter a opinião pública", porque no que toca aos ilícitos criminais, "talvez a parte mais importante, não aconteceu nada".
Lima considerou que a procuradoria emitiu um comunicado porque se sente "pressionada pela opinião pública", mas sem avanços reais, porque esses "têm de ser determinados por decisão política ao mais alto nível" do governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e "essa decisão não existe ainda".
Roberto Tibana disse que o processo das dívidas ocultas é "um assunto de regime" que a Frelimo, no poder desde a independência, em 1975, não deverá resolver antes das eleições gerais de 2019, devido aos riscos que poderia implicar para a campanha.
O analista recordou que o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, era ministro da Defesa na altura em que foram contraídas as dívidas, durante o mandato de Armando Guebuza, ex-PR e líder da Frelimo.
Ir a eleições sem o assunto esclarecido "é um mal menor", considerou Tibana.
O economista disse ainda que o comunicado de hoje da PGR pode estar ligado ao resultado de Quarta-feira das eleições intercalares de Nampula, norte do país, em que a Frelimo venceu, mas com pouca margem para o principal partido da oposição - a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) - e sem recolher mais de 50% dos votos, o que deverá levar a uma segunda volta.
Por outro lado, Filipe Nyusi participa numa cimeira da União Africana em que o assunto principal é o combate à corrupção.
Haverá ainda "pressão de pares para que Moçambique arrume a casa", ou seja, de países africanos que emitiram dívida e cujos títulos estão a ser desgastados pelo ‘default' moçambicano.
Fernando Lima pensa que a posição de hoje da PGR pode ser "mais um complemento para a enorme frustração da comunidade internacional", uma vez que fundos e programas estão congelados.
As dívidas de dois mil milhões de dólares foram contraídas por três empresas públicas detidas pelo Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE): a Ematum, supostamente dedicada a uma frota de pesca, a Proindicus, de segurança e vigilância marítima, e a MAM, ligada à manutenção naval.
Uma auditoria da consultora internacional Kroll pedida pela PGR e divulgada em Junho descreve as firmas como uma fachada, sem planos de gestão credíveis e implica vários detentores de cargos públicos em todo o processo, sem os nomear.
A Kroll queixa-se ainda de lhe ter sido negado acesso a informação relevante para perceber para onde foi o dinheiro, sob justificação de ser material sensível relativa à segurança do Estado.
LUSA – 29.01.2018
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