Impressão 3D. Uma revolução tão grande como foi a Internet
O investimento em impressão 3D está a crescer ao triplo da velocidade da produção tradicional na indústria. A "revolução" está a chegar, garantem especialistas citados num relatório do banco ING.
Daqui a menos de 20 anos, um em cada dois produtos industriais será impresso em 3D. Isto diz-lhe pouco? Pois: “quando a Internet foi inventada, poucas pessoas imaginaram o impacto enorme que ela teria na forma como vivemos e trabalhamos. A impressão 3D pode ser uma repetição da História“. A frase é de um economista do banco holandês ING que elaborou um relatório aprofundado sobre a impressão 3D e sobre as últimas inovações nesta área, capazes de levar esta tecnologia da “infância” atual para uma revolução comparável à Internet. Uma preocupação fundamental do relatório é a seguinte: quando tudo for impresso em 3D, localmente, o que é que vai ser do comércio entre os países ou, por outras palavras, com que é que se vai encher os navios-contentores?
Em entrevista por telefone com o Observador, Raoul Leering, economista do ING especializado em comércio internacional e autor do relatório, afirma que com a impressão 3D podem evaporar-se até 40% das trocas comerciais entre os países — não só as que viajam em navios-contentores mas por qualquer outra via. Se a impressão 3D evoluir tão rapidamente quanto se prevê no estudo, quase metade dos produtos irá deixar de ser fabricada num país e, depois, viajar até mais perto do consumidor final. Vão passar a ser impressos muito mais perto do local onde vão ser consumidos — desde peças de automóveis até comida, passando por roupa e calçado, próteses de ossos ou, mesmo, órgãos internos.
Imagine o seguinte cenário, muito simples: o leitor comprou um smartphone novo e precisou de uma capa protetora. Foi a um centro comercial, a uma retalhista ligada à tecnologia e escolheu uma capa que lhe pareceu ser robusta e com um design de que gostou, embora não tenha sido concebida a pensar em si. Alguém que nunca irá conhecer na vida desenhou aquela capa com o objetivo de atrair o maior número de pessoas, investiu-se na criação de um molde, o produto foi fabricado aos milhares, no modelo tradicional, num qualquer país longínquo, e aquele modelo viajou até à sua mão (e, também, até à mão do cliente seguinte, que também gostou daquela capa).
Num modelo clássico de economia linear, vai andar com a capa protetora até ela se estragar ou até se fartar dela, e aí o processo volta ao início. Num futuro em que a impressão 3D é dominante, as coisas vão mudar.
Com a impressão 3D, em vez de ir à loja (física ou online) e escolher uma capa entre aquelas de que há stock, a única coisa de que precisa é de um ficheiro que pode encontrar nas dezenas de sites que já existem de modelos para impressão 3D, como o Thingiverse.com, e fazer o mesmo que faz quando quer imprimir um conjunto de fotografias: vai ao mesmo centro comercial mas em vez de escolher uma capa entre o stock disponível, dirige-se a uma loja onde a sua capa favorita pode ser impressa em poucas horas. Melhor: com o crescimento deste mercado e das apps associadas, não será preciso um curso de engenharia para saber criar uma capa ao seu gosto ou, pelo menos, fazer adaptações personalizadas que vão torná-la verdadeiramente única.
E até poderá nem precisar de sair de casa para receber aquela capa. Nos últimos anos, impressoras 3D que não custam mais do que algumas centenas de euros passaram a poder ser compradas lá para casa, já com alguma capacidade para criar produtos com qualidade razoável. Contudo, não será tanto por aí, para já, segundo o diretor-geral da HP Portugal, uma das empresas mais conhecidas na área das impressoras não só industriais mas, também, domésticas. Para José Correia, o modelo dos service providers, os prestadores de serviço como a impressão de fotografias, é o que faz mais sentido no curto prazo e no paradigma de consumo que hoje existe, diferente de há algumas décadas, em que mais se contrata serviços do que se compra produtos.
Apesar de a tecnologia já existir há várias décadas, nos últimos anos têm-se registado várias inovações técnicas e uma multiplicação do investimento neste segmento, um indicador de que a tecnologia está finalmente a dar “o salto”. “A impressão 3D ainda está na infância, pelo que ainda tem um impacto pequeno no comércio internacional, mas isto vai mudar quando a impressão 3D de alta velocidade fizer com que passe a ser viável a produção em grande escala com impressoras 3D“, afirma Raoul Leering, acrescentando que esse momento está iminente: “os primeiros passos técnicos já foram dados”.
Numa apresentação a um grupo de jornalistas, em Oeiras, na semana passada, o diretor-geral da HP Portugal afirmou que “dificilmente conseguimos imaginar, nos dias de hoje, uma tecnologia que vá ter uma repercussão tão grande na economia e na indústria de produção como a impressão 3D”. “Vai ser um dos grandes impulsionadores da quarta revolução industrial”, afirmou José Correia, no dia em que celebrou uma parceria com uma empresa da Marinha Grande — a 3D Ever — para ser o primeiro revendedor autorizado da gama de impressoras 3D industriais da HP, a tecnologia MultiJet Fusion.
“A HP está atenta ao mercado da impressão 3D há muito tempo”, assinalou José Correia. Mas, reconhece o diretor-geral da HP Portugal, “demorámos algum tempo porque acreditámos que a tecnologia que existia naquele momento não era a tecnologia que nós víamos para desenvolver esta área”. Isso está agora a mudar, e a HP Portugal tem vindo a apresentar vários modelos de impressoras 3D que vão ajudar a trilhar o caminho até a uma maior massificação deste modo de produção revolucionário. Isso passa não só pelas máquinas mas, também, pelos materiais cada vez mais polivalentes e acessíveis.
Até onde pode ir a impressão 3D (no horizonte próximo)
Raoul Leering, economista do ING, diz que “é difícil calcular, com exatidão, o potencial da impressão 3D, mas alguns especialistas acreditam que, nas próximas duas décadas, até 50% dos produtos vão ser produzidos através desse método”. Todo o processo de montagem, em vários setores, pode tornar-se obsoleto — o exemplo dado pelo autor é de um rato de computador, que hoje tem de ser montado peça a peça (produzida em série). Na impressão 3D o mesmo rato de computador pode ser criado como um todo, camada por camada, mesmo tendo peças móveis. Além disso, é fácil e rápido alterar ou afinar o design, o que contrasta com o que custa reconfigurar uma máquina tradicional ou criar novos moldes.
Metade dos produtos impressos em 3D daqui a 20 anos?
A opinião do ING é que a rapidez com que a impressão 3D se irá afirmar na indústria global depende, naturalmente, do grau de investimento que for aplicado neste setor. Num cenário em que a taxa de crescimento do investimento se mantém, 50% dos bens produzidos industrialmente serão impressos em 3D em 2060. Caso a taxa de crescimento duplique a cada cinco anos, o mesmo patamar de 50% será atingido em 2040. Tal como aconteceu com os computadores, por exemplo, a tecnologia vai tornar-se cada vez mais barata.
Nesta fase, os setores em que a impressão 3D já é mais usada são a maquinaria industrial, a engenharia aeroespacial (pequenas peças leves e complexas), o automóvel (prototipagem, sobretudo), o setor da saúde (próteses de ossos e dentes) e produtos de eletrónica de consumo. É nestes setores que se concentra 80% do investimento em impressão 3D nos últimos anos, segundo os cálculos do ING, mas “neste momento, porém, a impressão 3D diz respeito, essencialmente, à produção de protótipos ou de algumas unidades, e não produção em massa”. Contudo, segundo uma sondagem feita pela PwC em 2016, citada pelo ING, praticamente todos os novos dispositivos de ajuda à audição são feitos com impressão 3D, porque já compensa em termos de custos e qualidade.
Os dispositivos auditivos podem ser um primeiro exemplo do caminho que cada vez mais setores vão trilhar, com maior enfoque no 3D, diz o banco holandês. Porém, a produção tradicional vai sempre existir. “Ainda que não seja difícil imaginar que um grande número de pessoas vá querer que as suas roupas sejam impressas em 3D, ou mesmo as mobílias ou comida, é pouco provável que as pessoas também venham a querer exemplares personalizados de fichas elétricas ou sacos do lixo”. Mas até aí a impressão 3D pode ter um papel importante, a nível industrial, “quando conseguirem competir com as economias de escala dos métodos tradicionais de produção em massa”, diz o ING.
"O papel da impressão 3D na economia ainda é residual -- perto de 0,7% da produção industrial total no mundo -- mas vai acelerar rapidamente. A taxa anual de crescimento do investimento foi de 29% nos últimos cinco anos, o que compara com 9% no crescimento global do investimento em máquinas tradicionais".
No final da apresentação no Experience Center da HP, em Oeiras, o Observador falou com Carina Ramos, manager da 3D Ever, empresa que vai comercializar os sistemas de impressão 3D da HP, assim como prestar suporte técnico. “O que é revolucionário na impressão 3D é o facto de ser livre. As pessoas podem fazer o que elas querem”, afirma Carina Ramos, que nota que “o setor industrial cada vez mais está a posicionar-se no fabrico de pequenas séries. Os métodos tradicionais vão continuar a existir, mas vão ter de se adaptar, setorizando-se mais”.
No horizonte próximo, porém, nos setores de pequena escala “a impressão 3D será cada vez mais presente, por causa da rapidez, da flexibilidade com que se consegue produzir. Esta é a tendência natural do mercado”, remata Carina Ramos.
Os fatores que impulsionam (e os que travam) o 3D
A impressão 3D é mais do que um método de produção alternativo — pode ser uma revolução na forma como quase tudo é produzido, uma revolução no modelo económico que irá permitir mais personalização (e, portanto, mais valor acrescentado e mais receitas) e tempos de entrega mais rápidos, com a produção mais próxima do consumidor.
A partir das entrevistas que o economista do ING fez com vários especialistas no mundo da impressão 3D, foi possível sistematizar, em alguns pontos, mais um conjunto de fatores que contribuem para a expansão e os fatores que podem limitar (ou atrasar) a viabilidade deste modelo de produção.
Um modelo de produção em impressão 3D envolve menos mão de obra. Conforme os setores, pode poupar-se muito em todo o processo, desde menos pessoas a trabalhar em linhas de montagem até menos funcionários necessários para transportar matérias-primas e produtos.
A produção tradicional implica muito desperdício de matéria-prima, basta imaginar as chapas quadradas de metal, de tamanho padronizado, que têm de ser cortadas à medida do produto — nem tudo o restante é reaproveitado. Na impressão 3D, quase todo o metal ou polímero usado, que é usado na impressão, é aproveitado.
Este não é um custo negligenciável. Quanto menos pessoas estão envolvidas no processo de transporte, produção e montagem, menor é o custo com erro humano, que é um dos principais riscos para a qualidade final dos produtos.
Com a impressão em 3D, existe uma menor propensão para produzir grandes stocks que, além de terem de ser produzidos, têm de ser armazenados (o que inclui serem transportados para o armazém) e conservados. Na impressão 3D há menos produção em série e menos armazém.
De um modo geral, a impressão em 3D implica um processo de produção mais simples, com menos passos e menos custos dispersos por cada um desses passos. Isso começa, desde logo, com a fase da prototipagem, que se torna mais simples e barata do que nos métodos atuais.
A realidade é que, com a tecnologia na fase de desenvolvimento em que está, ainda há uma grande variação na qualidade e rapidez das várias gamas de impressoras 3D. Ainda é mais rápido e barato produzir pelas vias tradicionais, mas novos métodos 3D podem mudar isso.
O ritmo de adoção da impressão 3D será travado, como é fácil compreender, pelo facto de as empresas terem planos de investimentos a longo prazo e, portanto, não poderem simplesmente trocar a máquina gigante que compraram há uns anos e substituí-la por um novo investimento.
O metal e os polímeros (plásticos) são as matérias-primas mais usadas na impressão 3D, mas não existem muitos fornecedores, o que pode vir a mudar à medida que a tecnologia evoluir, mas para já os preços ainda são elevados e, pior, sujeitos a alguma volatilidade.
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