O
historiador francês Michel
Cahen desafiou, esta semana,
o Instituto de Estudos
Sociais e Económicos
(IESE) a aumentar o grau de pluralismo
nos seus grupos de investigação,
pois, na sua óptica, apesar da
reorientação das linhas de pesquisa,
em 2009, ter permitido uma maior
operacionalidade na investigação, a
mesma não garantiu o pleno pluralismo
e heterodoxia.
O desafio foi lançado, esta terça-feira,
durante a abertura da V Conferência
Internacional do IESE, que ontem
terminou, em Maputo.
Dirigindo-se a centenas de participantes
que vieram celebrar o 10o.
Aniversário do IESE, Cahen, um
conhecedor profundo da realidade
política moçambicana, disse que “os
grupos de investigação não operaram
a viragem que se previa” embora note
que os pesquisadores de economia e
desenvolvimento parecem marxistas,
o mesmo que não acontece com o
grupo de pesquisa de pobreza e protecção
social “que me parece nitidamente
não-marxista, talvez hayekiano”.
(NdR: de Friedrich Hayek) .
Sublinhar que são fundadores destes
grupos, Carlos Nuno Castelo-Branco
e António Francisco, respectivamente.
“Seria um grande desafio do IESE
aumentar o grau de pluralismo, que
já é muito grande na instituição, mas
dentro de cada grupo de investiga-
ção. O pluralismo nunca é uma mera
convivência ou respeito mútuo, mas IESE deve aumentar a pluralidade na investigação
Por Abílio Maolela
um método”, disse, antes de rematar:
“dentro do IESE ainda se pode discutir
o marxismo”.
Para o historiador, a Universidade
deve ser fundada sobre o pluralismo
universalista e independência cientí-
fica, embora reconheça que a ciência
não é independente das ideologias.
“Pode haver uma universidade pública
com um centro de estudos do marxismo,
mas integrando pesquisadores
de várias orientações. As instituições
de pesquisa devem promover o pluralismo
como método”, destacou, frisando
que é marxista, mas nunca foi
a favor do partido único.
Voltando ao IESE Cahen fez notar
que “são poucos os textos publicados
pelo IESE que discutem as posições
das várias correntes presentes nele.
Cada um defende as suas posições,
sem, a meu ver, debater suficientemente
com os outros”.
Cahen prestou homenagem ao “CEA
marxista” (O Centro de Estudos
Africanos criado por Aquino de Bragança
depois da independência na
Universidade Eduardo Mondlane)
e a UFICS (Unidade de formação
e investigação em Ciências Sociais)
de onde Cahen tem recebido muitos
alunos na Universidade de Bordéus,
candidatos a graus de mestrado e
doutoramento.
O CEA e a UFICS foram alvos de
perseguições violentas pelos sectores
mais ortodoxos e conservadores na
Frelimo, no tempo do partido único,
o primeiro centro, e a segunda
instituição, já na fase do capitalismo
liberal.
Numa comunicação de quase uma
hora, o pesquisador do Centro de
Estudos de África Noire (CEAN)
destacou as abordagens dos trabalhos
da instituição, em particular do académico
e economista Castelo-Branco,
que a propósito da governação de
Armando Guebuza, fala em “acumulação
capitalista nacional”, caracterizada
pela existência de proprietários
sem capital e oligarcas sem produção.
Cahen coloca em causa se existe em
Moçambique e em casos idênticos
uma acumulação primitiva do capital”,
questionando “se os oligarcas
sem produção vão produzir uma burguesia
nacional, exportando os seus
capitais para fora?”
Para ele o fenómeno é apenas um
prognóstico, pois, “rico não é sinónimo
de burguês e pobre não é sinónimo
de proletário”.
“Por exemplo, Mobutu Sese Seko,
que tinha uma das maiores fortunas
mundiais, não era um burguês, mas
era um bandido, cuja fortuna não
veio da sua capacidade de organizar
a produção e comercialização, mas do
roubo do Estado”, observa.
“Será possível, no século XXI, haver
revoluções nacionais burguesas na
periferia (do capitalismo), em países
que já não tinham uma burguesia nacional?”,
questiona Cahen, pegando a
China como o exemplo das últimas
revoluções burguesas do século passado,
ao destruir a burguesia nacional
e permitir uma acumulação primitiva
forte e a industrialização do país,
quando se fez a viragem para o capitalismo.
Prosseguindo, Michel Cahen disse
que no caso sul-africano havia uma
burguesia nacional branca e indiana,
mas que se encontra num processo de
fusão com a negra, no pós-apartheid,
enquanto, em Moçambique, o sistema
marxista-leninista não conseguiu
colocar em prática o seu projecto de
acumulação primitiva do capital.
Estudos sobre autoridades
comunitárias
As observações do orador principal
da conferência, que discute os desa-
fios da investigação social e económica
em tempos de crise, não param por
aqui. Discutindo os estudos sobre os
processos eleitorais, no país, Michel
Cahen destacou que dos 33 textos
publicados pelo IESE, apenas três
incidem sobre os partidos políticos,
sendo que destes nenhum fala da
Frelimo, o que não deixa de ser problemático.
“A descentralização é estudada num
sentido institucional e não político,
pois, atrás de cada administrador ou
chefe de posto administrativo há um
escalão da Frelimo que tem a realidade
do poder. Por isso, precisamos de
estudos sobre as ditas autoridades comunitárias,
que são, na prática, uma
duplicação local da Frelimo”, anotou,
antes de se queixar da ausência de
trabalhos sobre o género, tendo como
exemplo o evento que só teve uma
comunicação sobre o género, das 103
apresentações.
Para além da produção científica daquela
instituição de pesquisa, Cahen
observou ainda a distribuição das
suas publicações, destacando que, em
2014, 63% das publicações gratuitas
foram distribuídas, em Maputo, 7%,
em Nampula, 2%, em Sofala.
“Devemos ”dessulizar o IESE e internacionalizá-lo,
pois, é mau que as
pesquisas estejam apenas publicadas
no IESE”, sublinhou. Ele argumentou
que, para os académicos, é importante
ter os seus trabalhos publicados
em revistas científicas internacionais,
dando como exemplo o caso do Brasil,
que tem um vasto leque de instituições
de pesquisa e se pode publicar
na língua portuguesa.
Porém, não deixou de congratular
o trabalho da instituição, afirmando
que a mesma devia reivindicar a
pertença de apóstolos da desgraça
porque “ser apóstolo da desgraça é
um método eficaz para lutar contra a
desgraça”.
Dívidas ocultas
Comentando, na ocasião, em rela-
ção às dívidas ocultas, Cahen disse
que estas estão ligadas à corrupção
estrutural, porque a elite moçambicana
não é uma burguesia, mas “um
corpo social rendeiro procedente da
burguesia internacional, que negoceia
a sua inserção no sistema mundial”.
Para o historiador, a corrupção é uma
remuneração adicional, que não provoca
a acumulação de capital, mas a
sua fuga.
“Estudar os processos de corrupção,
lutar contra a corrupção e contra as
dívidas ocultas não é uma atitude ética,
mas é um combate político a favor
de um Estado Social”, disse, congratulando
o IESE pelas suas interve
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