sábado, 23 de setembro de 2017

Quando o tit-tac do relógio não pára a caminho do XI Congresso da Frelimo

Quando o tit-tac do relógio não pára a caminho do XI Congresso da Frelimo, daqui a apenas três dias, vive-se uma autêntica ebulição no partido no poder desde a independência de 1975. Depois de a Comissão Política (CP), um dos mais importantes órgãos de decisão do partido, ter chancelado por unanimidade e aclamação a candidatura única de Filipe Nyusi à presidência daquela formação política, minando o terreno para eventuais concorrentes, o partido, a vários níveis, desdobra-se em campanhas de apoio ao actual presidente, naquilo que pode ser o cerrar de fileiras rumo ao Congresso a decorrer de 26 de Setembro a 1 de Outubro na Escola Central do partido na Matola, província de Maputo. A par da euforia no partido, o SAVANA saiu à rua para ouvir analistas que, nas próximas linhas, dissecam sobre o Congresso da próxima semana, o primeiro a ser dirigido por Filipe Nyusi, numa altura em que, na dan- ça de cadeiras dos secretariáveis, prognostica-se nomes como Raimundo Diomba, actualmente, governador da província de Maputo, Edson Macuácua, deputado na AR e Daniel Tchapo, governador de Inhambane, como possíveis substitutos de Eliseu Machava, no cargo de Secretário-Geral (SG) da Frelimo. Na poderosa CP é quase certa a saída de Lucília Hama, antiga governadora de Maputo, Alberto Vaquina, ex- -Primeiro Ministro e deputado e Filipe Paunde, ex-SG. Raimundo Pachinuapa, um histórico da Frelimo, também deverá dar lugar à renovação do órgão, onde Nyusi, em função do seu espaço de manobra, quererá trazer “sangue novo e jovem”, alguns deles ocupando importantes cargos ministeriais no actual governo. A CP sofrerá uma renovação em 40%. Será a verdadeira tomada de poder - Michel Cahen Para o historiador francês, Michel Cahen, que esta semana encontra-se em Maputo, o Congresso O Congresso da consagração de Nyusi!? Faltam três dias para o conclave dos camaradas na Matola Por Armando Nhantumbo vai ser da verdadeira tomada de poder de Nyusi dentro da Frelimo porque o presidente já fortaleceu bastante o seu poder. “O momento mais importante de tomada de poder pelo presidente Nyusi foi quando nomeou a nova direcção do SISE para acabar com os esquadrões da morte e tudo isso. Isso foi um arrumar da casa muito importante”, afirma o influente historiador, um conhecedor profundo da realidade política moçambicana, que acompanha desde os primórdios da luta de libertação nacional. Faz analogia com o Movimento de Libertação de Angola (MPLA), indicando que, depois da morte do primeiro presidente da República Popular de Angola, Agostinho Neto, os barões do MPLA escolheram José Eduardo dos Santos porque era o mais fraco, pensando que seria fácil manobrar o partido ao seu sabor. “Mas com os anos, o José Eduardo dos Santos conseguiu fortalecer o seu poder e agora está a deixar o poder como o homem que, durante 38 anos, foi todo-poderoso”, reparou. Não é que o académico defenda que Moçambique será como Angola, mas não exclui a hipótese de Nyusi, o candidato fraco, se tornar num presidente muito potente. “Eu próprio, quando Nyusi ia para ser candidato às eleições, naquele momento conturbado quando a Frelimo estava bastante dividida, qualifiquei-o como o candidato fraco e é verdade que, na altura, entre os grandes dirigentes da Frelimo, quase que ninguém conhecia Nyusi. Então era o candidato fraco”, disse o historiador, para quem, de qualquer modo, o Congresso não será a causa do fortalecimento do seu poder, mas a materialização de um poder já fortalecido. Não haverá revoluções - Régio Conrado Por sua vez, Régio Conrado, estudioso de ciência política, entende que se trata de mais um Congresso de contradições, referindo que a história mostra que os Congressos da Frelimo, muitas vezes, são para resolver conflitos que, no entanto, nunca foram resolvidos. “Quando a Comissão Política decidiu que Nyusi seria o candidato natural, não é, necessariamente, uma solução do problema, é uma estratégia que está sendo utilizada para evitar fissuras e dar a impressão ao público de que, de facto, o partido Frelimo ultrapassa todas as crises que se vêm mostrando ao longo da sua própria história” disse. Para Régio Conrado, é preciso ter cuidado em relação à consagração de Nyusi, mas o que é verdade é que este Congresso vai servir para reconfiguração da própria Frelimo em termos de distribuição de lugares, cargos, posições e a recon- figuração das alianças entre os diferentes grupos dentro do partido. Argumenta que, se Nyusi vai conseguir ou não reconfigurar o partido, dependerá muito das relações de força entre os diferentes grupos que estão em conflito. “Se terá o total controlo, isso não dependerá deste Congresso, vai depender sobretudo da capacidade que ele terá de reorganizar as bases do partido que, até hoje, ainda estão organizadas numa perspectiva de Armando Guebuza”, disse, sublinhando que até pode reconfigurar a Frelimo a nível central, mas enquanto não reconfigurar o partido também na base, que são os órgãos que estruturam a verdadeira política, não terá o controlo do partido. O que haverá no Congresso da próxima semana, vaticina o estudioso, são reconfigurações, mas não haverá revoluções porque a revolução na Frelimo iria significar que Nyusi deixasse de lado, por exemplo, os grupos que estão amarrados ao seu antecessor. “Vimos a emergência de vozes a criticarem Nyusi mesmo no processo da selecção daqueles que eram os delegados para o Congresso, o que mostra que há con- flitos mesmo ao nível da base, distrital provincial”, disse, repetindo que não acredita numa revolução, mas poderá haver acomodações numa economia política de justificação e de protecção dos diferentes interesses, sem entrar em conflitos. Ficará muito ainda por fazer - José Jaime Macuane O cientista político José Jaime Macuane, quando questionado se este será ou não o Congresso da consagração de Filipe Nyusi, começou por explicar que existe a consagração formal, aquela que é feita a partir de uma eleição formal, mas também existe uma outra, muito mais complexa, que é assumir um papel de liderança, legitimada por dentro, neste caso a capacidade de o presidente limitar a acção do que o politólogo chamou de forças centrífugas que são contrárias ao projecto político de Nyusi e, por outro lado, ter a capacidade também de se afirmar como líder deste país. “É muito provável que haja essa afirmação formal, ou seja, provavelmente, ele vai ser eleito, mas ficará muito ainda por fazer em termos da sua legitimidade, tanto dentro como fora, em termos da sua capacidade de limitar as forcas centrífugas que possam existir e que possam ser parte da causa das crises”, precisou o académico. OXI Congresso da Frelimo acontece num momento particular na história de Moçambique, com, por um lado, um conflito político amainado por uma trégua indeterminada e, por outro, uma crise económica precipitada por dívidas ocultas contraídas durante o reinado do presidente Armando Guebuza, um histórico do partido no poder. Perguntamos então a Michel Cahen se poderão sair, deste evento, decisões estruturantes sobre estes assuntos cruciais para o relançamento do país aos carris. Sobre as dívidas e os passos subsequentes, o historiador francês respondeu que pode errar, mas pensa que do Congresso não vai sair nada porque é um assunto que mexe com as elites políticas da Frelimo. “Se se ir até ao final da responsabilidade, há gente muito alta que tem de ir para a prisão e reembolsar, com o seu próprio bolso, o que foi, fraudulentamente, emprestado. O problema é que há muita gente dentro da Frelimo e, se por exemplo, se deixar cair uma pessoa, como o cidadão A, o cidadão B, o cidadão D, o E, eles não vão querer cair sozinhos, vão querer fazer cair os outros. Então, é melhor evitar”, prevê. Sobre a tensão político-militar, actualmente, mais política do que militar, disse que também não são os Congressos que vão decidir, embora possa haver uma ruptura cultural. Crise política vs dívidas ocultas “Se a Frelimo aceitar, quer a elei- ção directa dos governadores de província, em sufrágio universal, quer que o governador seja eleito pela Assembleia Provincial, isto é uma ruptura na cultura política da Frelimo. Não é pôr em causa a unidade nacional porque unidade nacional não é relativa à Frelimo, é relativa à Nação, mas pode ser uma ruptura na ideia da Frelimo de que tem de ser 100% do poder em toda a parte do país”, observou. O académico explicou, no entanto, que a eleição dos governadores provinciais, em si, não resolve o problema porque, se não se muda a Constituição ao mesmo tempo, continuando o Governador a ser o representante pessoal do presidente da República, mesmo que tenha sido eleito, ele não vai ter nenhum poder. “Ele tem de ser o representante das populações da província e não o representante do Estado central na província”, enfatizou, acrescentando que, se o governador não tiver, por exemplo, o poder de nomear o administrador do distrito e o chefe do Posto, não se vai resolver o problema nos casos em que o governador seja, por exemplo, da Renamo, e a totalidade dos administradores e chefes de Posto da Frelimo. “O problema dos governadores, na realidade, é só uma parte de um problema muito mais vasto que é de saber se as entidades políticas em Moçambique, chefes de Postos, distritos, província, devem ser representações do Estado central no povo ou a expressão do povo junto ao Estado central, que é uma filosofia política, completamente, diferente e isso, talvez, o Congresso não vai decidir nada porque já está tudo decidido, mas pode oficializar uma viragem ou, pelo menos, um pedaço de viragem que seria uma viragem cultural na ideologia política da Frelimo” sublinhou. Quem também tem dúvidas que este Congresso traga grandes soluções para a crise económica é o estudioso de ciência Política, Ré- gio Conrado. “Nós sabemos o que significaria trazer grandes solu- ções. Isso ia significar, claramente, a responsabilização directa de algumas figuras que têm um peso dentro do partido” observou o jovem académico, para quem o que pode vir a acontecer, pelo contrá- rio, é a fortificação e a protecção desses grupos através da criação de soluções paliativas. Sobre a paz, disse fora do Congresso, o presidente Nyusi tem mostrado que tem um grande interesse pela paz, que sobretudo, justifica-se para as próximas eleições porque, do ponto de vista popular, a Frelimo está desgastada ao nível do País, sendo que o Congresso pode servir para estruturar a esperança. Disse também que do Congresso pode se esperar que o presidente da República se imponha enquanto aquele que orienta a polí- tica, em termos de decisões sobre qual deve ser a solução sobre o conflito moçambicano. Contudo, a fonte entende que as conflitualidades deste país não são apenas um problema da Renamo e da Frelimo, mas sim as fissuras sociais que advêm do aprofundamento das desigualdades que são produzidas por escolhas políticas de uma economia política que visa, sobretudo, a consolidação de grupos que, distanciando-se dos interesses da grande maioria, produz ostensivamente, um conjunto de pobres ou de marginalizados que olham para a guerra como solução. Guerra não apenas como uso das armas, mas guerra enquanto confrontação em rela- ção às políticas da Frelimo, mas também uma certa reticência em relação à Renamo. Por isso, precisou, Nyusi vai ter de encontrar uma base através da qual convença aos moçambicanos que ele é a solução da situação. Conrado classificou Nyusi como muito mais aberto à solução deste problema comparativamente a Armando Guebuza, sobretudo, porque tem mostrado humildade pelo que, espera que o XI Congresso lhe dê mais espaço e algum tipo de influência e capacidade para levar a cabo as suas intenções ao longo do tempo. Para o académico José Jaime Macuane, a paz e a crise económica são questões sistémicas, não só sob o ponto de vista de estabilidade do próprio país, mas também de sistema político e económico. Mas disse que numa visão muito estreita da própria Frelimo, a guerra e a crise económica são questões, extremamente, importantes sob o ponto de vista da relevância política daquela formação política enquanto partido no poder, um partido cuja história confunde-se com o Estado e que foi o grande arquitecto deste sistema. Por isso, entende o politólogo, um Congresso que não encontre soluções para estes elementos, que têm a configuração de uma crise sistémica, tanto do sistema polí- tico, como do sistema económico, seria um Congresso que perderia uma oportunidade para criar bases para a própria capacidade de sobrevivência da Frelimo “Tem de ser um Congresso que, de facto, traga soluções concretas e que apenas não fique naquele abstracto de que tudo está bem cá fora porque, de facto, não está bem. Então, o que eu aguardo, assumindo que existe alguma racionalidade e alguma finalidade de se ter uma solução estável, em tanto que partido governante, é que tragam soluções concretas e que não tragam lugares comuns porque, se isso não vier, tenho sérias dúvidas de que essa capacidade de sobrevivência que a Frelimo teve até aqui se reproduza”, recomendou.

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