Quando o tit-tac do relógio não pára a caminho
do XI Congresso da
Frelimo, daqui a apenas
três dias, vive-se uma autêntica
ebulição no partido no poder
desde a independência de 1975.
Depois de a Comissão Política
(CP), um dos mais importantes
órgãos de decisão do partido, ter
chancelado por unanimidade e
aclamação a candidatura única
de Filipe Nyusi à presidência daquela
formação política, minando
o terreno para eventuais concorrentes,
o partido, a vários níveis,
desdobra-se em campanhas de
apoio ao actual presidente, naquilo
que pode ser o cerrar de fileiras
rumo ao Congresso a decorrer de
26 de Setembro a 1 de Outubro
na Escola Central do partido na
Matola, província de Maputo.
A par da euforia no partido, o
SAVANA saiu à rua para ouvir
analistas que, nas próximas linhas,
dissecam sobre o Congresso
da próxima semana, o primeiro
a ser dirigido por Filipe Nyusi,
numa altura em que, na dan-
ça de cadeiras dos secretariáveis,
prognostica-se nomes como Raimundo
Diomba, actualmente, governador
da província de Maputo,
Edson Macuácua, deputado na
AR e Daniel Tchapo, governador
de Inhambane, como possíveis
substitutos de Eliseu Machava,
no cargo de Secretário-Geral
(SG) da Frelimo. Na poderosa
CP é quase certa a saída de Lucília
Hama, antiga governadora
de Maputo, Alberto Vaquina, ex-
-Primeiro Ministro e deputado e
Filipe Paunde, ex-SG. Raimundo
Pachinuapa, um histórico da Frelimo,
também deverá dar lugar à
renovação do órgão, onde Nyusi,
em função do seu espaço de
manobra, quererá trazer “sangue
novo e jovem”, alguns deles ocupando
importantes cargos ministeriais
no actual governo. A CP
sofrerá uma renovação em 40%.
Será a verdadeira tomada
de poder
- Michel Cahen
Para o historiador francês, Michel
Cahen, que esta semana encontra-se
em Maputo, o Congresso
O Congresso da consagração de Nyusi!?
Faltam três dias para o conclave dos camaradas na Matola
Por Armando Nhantumbo
vai ser da verdadeira tomada de
poder de Nyusi dentro da Frelimo
porque o presidente já fortaleceu
bastante o seu poder.
“O momento mais importante de
tomada de poder pelo presidente
Nyusi foi quando nomeou a
nova direcção do SISE para acabar
com os esquadrões da morte
e tudo isso. Isso foi um arrumar
da casa muito importante”, afirma
o influente historiador, um conhecedor
profundo da realidade
política moçambicana, que acompanha
desde os primórdios da luta
de libertação nacional.
Faz analogia com o Movimento
de Libertação de Angola
(MPLA), indicando que, depois
da morte do primeiro presidente
da República Popular de Angola,
Agostinho Neto, os barões do
MPLA escolheram José Eduardo
dos Santos porque era o mais fraco,
pensando que seria fácil manobrar
o partido ao seu sabor.
“Mas com os anos, o José Eduardo
dos Santos conseguiu fortalecer o
seu poder e agora está a deixar o
poder como o homem que, durante
38 anos, foi todo-poderoso”,
reparou.
Não é que o académico defenda
que Moçambique será como Angola,
mas não exclui a hipótese de
Nyusi, o candidato fraco, se tornar
num presidente muito potente.
“Eu próprio, quando Nyusi ia para
ser candidato às eleições, naquele
momento conturbado quando a
Frelimo estava bastante dividida,
qualifiquei-o como o candidato
fraco e é verdade que, na altura,
entre os grandes dirigentes da
Frelimo, quase que ninguém conhecia
Nyusi. Então era o candidato
fraco”, disse o historiador,
para quem, de qualquer modo, o
Congresso não será a causa do
fortalecimento do seu poder, mas
a materialização de um poder já
fortalecido.
Não haverá revoluções
- Régio Conrado
Por sua vez, Régio Conrado, estudioso
de ciência política, entende
que se trata de mais um Congresso
de contradições, referindo que
a história mostra que os Congressos
da Frelimo, muitas vezes,
são para resolver conflitos que, no
entanto, nunca foram resolvidos.
“Quando a Comissão Política decidiu
que Nyusi seria o candidato
natural, não é, necessariamente,
uma solução do problema, é uma
estratégia que está sendo utilizada
para evitar fissuras e dar a impressão
ao público de que, de facto, o
partido Frelimo ultrapassa todas
as crises que se vêm mostrando
ao longo da sua própria história”
disse.
Para Régio Conrado, é preciso ter
cuidado em relação à consagração
de Nyusi, mas o que é verdade é
que este Congresso vai servir para
reconfiguração da própria Frelimo
em termos de distribuição de lugares,
cargos, posições e a recon-
figuração das alianças entre os diferentes
grupos dentro do partido.
Argumenta que, se Nyusi vai
conseguir ou não reconfigurar o
partido, dependerá muito das relações
de força entre os diferentes
grupos que estão em conflito.
“Se terá o total controlo, isso não
dependerá deste Congresso, vai
depender sobretudo da capacidade
que ele terá de reorganizar
as bases do partido que, até hoje,
ainda estão organizadas numa
perspectiva de Armando Guebuza”,
disse, sublinhando que até
pode reconfigurar a Frelimo a
nível central, mas enquanto não
reconfigurar o partido também na
base, que são os órgãos que estruturam
a verdadeira política, não
terá o controlo do partido.
O que haverá no Congresso da
próxima semana, vaticina o estudioso,
são reconfigurações, mas
não haverá revoluções porque a
revolução na Frelimo iria significar que Nyusi deixasse de lado,
por exemplo, os grupos que estão
amarrados ao seu antecessor.
“Vimos a emergência de vozes a
criticarem Nyusi mesmo no processo
da selecção daqueles que
eram os delegados para o Congresso,
o que mostra que há con-
flitos mesmo ao nível da base, distrital
provincial”, disse, repetindo
que não acredita numa revolução,
mas poderá haver acomodações
numa economia política de justificação
e de protecção dos diferentes
interesses, sem entrar em
conflitos.
Ficará muito ainda por
fazer
- José Jaime Macuane
O cientista político José Jaime
Macuane, quando questionado
se este será ou não o Congresso
da consagração de Filipe Nyusi,
começou por explicar que existe
a consagração formal, aquela que
é feita a partir de uma eleição
formal, mas também existe uma
outra, muito mais complexa, que
é assumir um papel de liderança,
legitimada por dentro, neste caso
a capacidade de o presidente limitar
a acção do que o politólogo
chamou de forças centrífugas que
são contrárias ao projecto político
de Nyusi e, por outro lado, ter a
capacidade também de se afirmar
como líder deste país.
“É muito provável que haja essa
afirmação formal, ou seja, provavelmente,
ele vai ser eleito, mas
ficará muito ainda por fazer em
termos da sua legitimidade, tanto
dentro como fora, em termos da
sua capacidade de limitar as forcas
centrífugas que possam existir e
que possam ser parte da causa das
crises”, precisou o académico. OXI Congresso da Frelimo
acontece num momento
particular na história de
Moçambique, com, por um lado,
um conflito político amainado
por uma trégua indeterminada e,
por outro, uma crise económica
precipitada por dívidas ocultas
contraídas durante o reinado do
presidente Armando Guebuza,
um histórico do partido no poder.
Perguntamos então a Michel
Cahen se poderão sair, deste
evento, decisões estruturantes sobre
estes assuntos cruciais para o
relançamento do país aos carris.
Sobre as dívidas e os passos subsequentes,
o historiador francês
respondeu que pode errar, mas
pensa que do Congresso não vai
sair nada porque é um assunto
que mexe com as elites políticas
da Frelimo.
“Se se ir até ao final da responsabilidade,
há gente muito alta que
tem de ir para a prisão e reembolsar,
com o seu próprio bolso, o que
foi, fraudulentamente, emprestado.
O problema é que há muita
gente dentro da Frelimo e, se por
exemplo, se deixar cair uma pessoa,
como o cidadão A, o cidadão
B, o cidadão D, o E, eles não vão
querer cair sozinhos, vão querer
fazer cair os outros. Então, é melhor
evitar”, prevê.
Sobre a tensão político-militar,
actualmente, mais política do que
militar, disse que também não são
os Congressos que vão decidir,
embora possa haver uma ruptura
cultural.
Crise política vs dívidas ocultas
“Se a Frelimo aceitar, quer a elei-
ção directa dos governadores de
província, em sufrágio universal,
quer que o governador seja eleito
pela Assembleia Provincial, isto
é uma ruptura na cultura política
da Frelimo. Não é pôr em causa a
unidade nacional porque unidade
nacional não é relativa à Frelimo,
é relativa à Nação, mas pode ser
uma ruptura na ideia da Frelimo
de que tem de ser 100% do poder
em toda a parte do país”, observou.
O académico explicou, no entanto,
que a eleição dos governadores
provinciais, em si, não resolve o
problema porque, se não se muda
a Constituição ao mesmo tempo,
continuando o Governador a ser
o representante pessoal do presidente
da República, mesmo que
tenha sido eleito, ele não vai ter
nenhum poder.
“Ele tem de ser o representante
das populações da província e não
o representante do Estado central
na província”, enfatizou, acrescentando
que, se o governador
não tiver, por exemplo, o poder de
nomear o administrador do distrito
e o chefe do Posto, não se vai
resolver o problema nos casos em
que o governador seja, por exemplo,
da Renamo, e a totalidade dos
administradores e chefes de Posto
da Frelimo.
“O problema dos governadores,
na realidade, é só uma parte de
um problema muito mais vasto
que é de saber se as entidades
políticas em Moçambique, chefes
de Postos, distritos, província, devem
ser representações do Estado
central no povo ou a expressão do
povo junto ao Estado central, que
é uma filosofia política, completamente,
diferente e isso, talvez,
o Congresso não vai decidir nada
porque já está tudo decidido, mas
pode oficializar uma viragem ou,
pelo menos, um pedaço de viragem
que seria uma viragem cultural
na ideologia política da Frelimo”
sublinhou.
Quem também tem dúvidas que
este Congresso traga grandes soluções
para a crise económica é o
estudioso de ciência Política, Ré-
gio Conrado. “Nós sabemos o que
significaria trazer grandes solu-
ções. Isso ia significar, claramente,
a responsabilização directa de
algumas figuras que têm um peso
dentro do partido” observou o jovem
académico, para quem o que
pode vir a acontecer, pelo contrá-
rio, é a fortificação e a protecção
desses grupos através da criação
de soluções paliativas.
Sobre a paz, disse fora do Congresso,
o presidente Nyusi tem
mostrado que tem um grande
interesse pela paz, que sobretudo,
justifica-se para as próximas
eleições porque, do ponto de vista
popular, a Frelimo está desgastada
ao nível do País, sendo que o
Congresso pode servir para estruturar
a esperança.
Disse também que do Congresso
pode se esperar que o presidente
da República se imponha enquanto
aquele que orienta a polí-
tica, em termos de decisões sobre
qual deve ser a solução sobre o
conflito moçambicano.
Contudo, a fonte entende que as
conflitualidades deste país não são
apenas um problema da Renamo
e da Frelimo, mas sim as fissuras
sociais que advêm do aprofundamento
das desigualdades que são
produzidas por escolhas políticas
de uma economia política que
visa, sobretudo, a consolidação
de grupos que, distanciando-se
dos interesses da grande maioria,
produz ostensivamente, um conjunto
de pobres ou de marginalizados
que olham para a guerra
como solução. Guerra não apenas
como uso das armas, mas guerra
enquanto confrontação em rela-
ção às políticas da Frelimo, mas
também uma certa reticência em
relação à Renamo.
Por isso, precisou, Nyusi vai ter
de encontrar uma base através da
qual convença aos moçambicanos
que ele é a solução da situação.
Conrado classificou Nyusi como
muito mais aberto à solução deste
problema comparativamente a
Armando Guebuza, sobretudo,
porque tem mostrado humildade
pelo que, espera que o XI Congresso
lhe dê mais espaço e algum
tipo de influência e capacidade
para levar a cabo as suas intenções
ao longo do tempo.
Para o académico José Jaime Macuane,
a paz e a crise económica
são questões sistémicas, não só
sob o ponto de vista de estabilidade
do próprio país, mas também
de sistema político e económico.
Mas disse que numa visão muito
estreita da própria Frelimo, a
guerra e a crise económica são
questões, extremamente, importantes
sob o ponto de vista da
relevância política daquela formação
política enquanto partido
no poder, um partido cuja história
confunde-se com o Estado e que
foi o grande arquitecto deste sistema.
Por isso, entende o politólogo, um
Congresso que não encontre soluções
para estes elementos, que
têm a configuração de uma crise
sistémica, tanto do sistema polí-
tico, como do sistema económico,
seria um Congresso que perderia
uma oportunidade para criar bases
para a própria capacidade de
sobrevivência da Frelimo
“Tem de ser um Congresso que,
de facto, traga soluções concretas
e que apenas não fique naquele
abstracto de que tudo está bem
cá fora porque, de facto, não está
bem. Então, o que eu aguardo, assumindo
que existe alguma racionalidade
e alguma finalidade de se
ter uma solução estável, em tanto
que partido governante, é que tragam
soluções concretas e que não
tragam lugares comuns porque, se
isso não vier, tenho sérias dúvidas
de que essa capacidade de sobrevivência
que a Frelimo teve até
aqui se reproduza”, recomendou.
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