Assinantes: Bitone Viage & Ivan Maússe
É sobejamente público que desde terça-feira (19), decorre junto das instalações da Escola Central do Partido Frelimo, o XI Congresso desta agremiação partidária, que no passado dia 25 de Junho completou 55 anos desde a sua fundação em 1962. O evento prolongar-se-á até ao próximo dia 01 de Outubro.
Dias antes do arranque do evento, o porta-voz da Frelimo, António Niquice, disse, em conferência de imprensa, que o mesmo pretende, entre outros aspectos, actualizar os Estatutos do Partido, discutir as estratégias para a manutenção da paz, para o aumento da produção e da produtividade no nosso país.
Importa referir que no seu primeiro dia, o evento foi marcado pelo discurso inaugural do Presidente do Partido, Filipe Nyusi, que por exercer também o posto de Presidente da República, o seu discurso veio onerado de adereços dum Chefe de Estado. Foi, desta feita, algo camaleónico, que para nós, nada mau.
1. Do discurso inaugural do Presidente:
O discurso do Presidente Nyusi, aos olhos de muitos analistas políticos, foi deveras inspirador, e nós, naturalmente, comungamos da mesma ideia. Dentre várias passagens que merecem notável relevo, nós destacamos esta: «os mais ricos não devem, de qualquer modo, sufocar os mais pobres no nosso país».
A supracitada passagem fez surgir consigo várias interpretações. Entretanto, muitos acreditam que a mensagem destinava-se ao empresariado nacional filiado ao Partido Frelimo, e que o executivo nacional formado por filiados da Frelimo devia aprovar políticas públicas incitantes do desenvolvimento social.
2. Das incidências: “o desfile” das delegações:
Formadas em conformidade com a divisão administrativa do país, são, no total, 11 delegações provinciais que o Partido Frelimo levou para o XI Congresso que, tradicionalmente, a dado momento do evento e a meio a discursos, presenteiam o presidente de seu partido com benesses de variados tipos.
Em muitos casos, conforme a experiência dos anteriores Congressos, particularmente do período pós-independência nacional, as delegações provinciais oferecem bens em géneros como quadros de pintura, baldes de laranjas, sacos de mandioca e milho, batuques, capulanas, esculturas, num mero simbolismo.
Contudo, há que destacar que tal prática, com maior incidência, sempre foi característica das delegações das regiões centro e norte, como a da Província de Inhambane no sul do país, isso porque no caso de Maputo, Cidade e Província, como de Gaza, as benesses ao Presidente sabem outra tipologia.
Nesta onda de benesses polémicos ao Presidente do Partido, caso a destacar e que no próximo ponto faremos analise, é a prenda de um trator por parte da Delegação da Cidade de Maputo, que no acto representada por Francisco Mabjaia, disse, em discurso, que simbolizava o prospero da produtividade.
2.1. Nyusi, a recusa do trator e a lei da probidade pública:
Em Moçambique, as figuras do Presidente da Frelimo e do Presidente da República, em muitos casos, confundem-se. Essa confusão é histórica, porquanto basta visitar o artigo 47.º da nossa Constituição de 1975 para encontrar: «O Presidente da República Popular de Moçambique é o Presidente da FRELIMO».
No entanto, a mesma confusão parece formalmente sanada pela Constituição de 2004, que falando das incompatibilidades do PR, no artigo 149.º aponta que: “O PR não pode exercer outra função pública e, em caso algum, quaisquer funções privadas, senão nos casos expressamente previstos na Constituição”.
Ou seja, formalmente, a Constituição procura ajudar-nos a sanar a confusão, mas no plano material, ainda vemos um Presidente da República a chefiar um Partido Político que, a nosso ver, constitui uma função privada, afinal, um partido político constitui agremiação privada. Um escangalhamento à CRM?
Eis que essa confusão divisória de presidente disto e aquilo, na sessão de ontem, confundiu a Delegação da Cidade de Maputo, que decidiu oferecer ao Presidente de seu partido um trator agrícola, se calhar por achar que estar e presidir (n)o Congresso, Nyusi deixava de ser também Presidente da República.
A verdade é que um PRESIDENTE DA REPÚBLICA É SEMPRE PRESIDENTE DA REPÚBLICA onde quer que esteja. Ele jamais despe da roupa de Presidente na pendência de seu mandato por onde esteja e em que momento. Entre os Estatutos partidários, a Constituição e a lei, claro, prevalecem as últimas duas, como também entre as chefias da Frelimo e da República prevalecerá sempre a Chefia da República, do país.
Assim, recusar a oferta do trator, à luz da Lei da Probidade Pública, foi uma decisão muito acertada por parte de Filipe Nyusi porquanto ele é Presidente da República independentemente do lugar onde se encontrar, da cerimónia em que estiver a dirigir ou a participar como do cargo que estiver a exercer.
A Lei da Probidade Pública, Lei 16/2012, de 14 de Agosto, combinados os números 1 e 2 pelas alíneas b) e d) do artigo 41.º, estabelece que o servidor público (que inclui o Presidente da República), não pode aceitar receber ofertas ou gratificações que sejam superiores a 1/3 do salário mensal pago pelo ente público a que presta serviços. E já que o trator ultrapassa a tal quota do PR, seu recebimento improcede.
Aliás, essa oferta pode cheirar a bajulação, até porque já no próximo ano realizar-se-ão eleições autárquicas e alguns naturalmente que quere ver seus nomes alinhados para a corrida as mesmas, e Nyusi, como Presidente do Partido, possui grande influência para a indicação de determinados nomes.
3. Considerações finais:
Muitos senão todos os membros que compõem a Delegação da Cidade de Maputo são também servidores ou ainda membros de órgãos públicos, daí que é estranho que ignorem da Lei da Probidade Pública, quando a no seu artigo 18.º a mesma obriga que tenha o conhecimento dela e das proibições. Falta de assessoria ou uma má assessoria, pode ter contribuído para o registo daquela pronta vergonha.
A atitude da Delegação da Cidade de Maputo mostrou o quanto é desconhecido o conteúdo da Lei da Probidade Pública, por um lado, e da IRREVOGABILIDADE da figura de um Chefe de Estado independentemente de estar a participar em uma reunião pública, por outro. Decerto, a recusa de Nyusi em receber o trator, muito bem conseguida, ajudou ainda a polir a sua imagem como BOM ESTADISTA.
Finalmente, abandando o knockout - KO, dado por Nyusi a possível tentativa de bajulação, quanto à agenda do partido Frelimo, preocupa-nos a subtracção do debate referente à descentralização. Sentimos que devia ser um dos pontos focais da agenda deste 11º Congresso. A descentralização é interesse de todos os moçambicanos mesmo dos que ignoram o seu significado. Nyusi exerce influência sobre os deputados da AR de seu partido, então que os oriente no sentido de serem fiéis e céleres neste capital capítulo.
Um “hôde” aos congressistas!
Bem-haja Moçambique!
Sem comentários:
Enviar um comentário