Um dos mais bem presenteados durante o saque no FDA foi
o então namorado de Setina Titosse, com o qual mantinham
uma relação amorosa que tinha apenas três semanas
e que três meses depois casaram-se.
Trata-se de Mishell Larya, de nacionalidade ganesa de 51 anos, que
começou o relacionamento com a então PCA e numa dessas viagens
para casa, a PCA ficou a saber que o carro do namorado (Toyota
Camry) tinha problemas de suspensão e resolveu presenteá-lo com
uma apetecível viatura novinha em folha da Marca Mazda modelo
BT-50, adquirida a 1.360 mil meticais.
Larya disse que apenas recebeu uma chamada da empresa Ronil
Auto que lhe chamava para receber a viatura oferecida pela então
PCA. Não acreditou. Resolveu esperar Setina que estava fora de Maputo
para que viesse confirmar.
O réu que é alfaiate de profissão, conta ainda que quando recebeu o
presente da sua namorada, não desconfiou que tivesse sido comprado
com dinheiro do Estado ou ilegal, pois reparou que Setina andava de
um carro de alta cilindrada, da marca Land Rover, modelo Discovery
3. Mas lembrou que à primeira rejeitou a viatura, porém depois
aceitou quando Setina Titosse desatou em lágrimas por sentir-se humilhada,
uma vez que nunca um homem recusou um presente seu.
Cada vez que o julgamento
do “caso FDA” corre, vêm
à superfície episódios rocambolescos
que vão de
hilariantes à preocupantes, dando
claras indicações de que o rombo
nas contas do Fundo de Desenvolvimento
Agrário (FDA), supostamente
encabeçado pela então
Presidente do Conselho de Administração
(PCA), Setina Titosse,
poderá ser acima dos 170 milhões
de meticais, despoletados pelo Gabinete
Central do Combate à Corrupção
(GCCC).
Depois do juiz Alexandre Samuel,
da Sétima Secção do Tribunal Judicial
da Cidade de Maputo (TJCM),
terminar a audição dos réus, esta
semana ouviu os declarantes e foi
nesse estatuto que ouviu, na manhã
desta quarta-feira, 20, Abdul Cé-
sar Mussuale, director-adjunto do
FDA.
Mussuale contou que, quando o
seu elenco chegou à direcção do
FDA, em Fevereiro de 2016, recebeu,
de Setina Titosse, como parte
do património da instituição, três
imóveis domiciliados no luxuoso
condomínio localizado no bairro
Triunfo, um dos bairros nobres da
capital do país. O referido condomínio
denomina-se Joss Village.
Porém, com o início das investiga-
ções do Ministério Público (MP),
o FDA foi notificado sobre o paradeiro
de seis imóveis adquiridos
pela instituição no mesmo condomínio.
Segundo Abdul Mussuale, espantado
com o despacho do MP, a sua
direcção contactou os responsáveis
pelos sectores de UGEA e Património
do FDA. Foram estes que
falaram da existência de mais três
imóveis adquiridos pelo FDA, mas
que ainda não estavam em nome
da instituição, alegadamente porque
ainda estavam em obras.
Essa situação obrigou a direcção do
FDA a deslocar-se a Joss Village,
ande estabeleceu contactos com
a imobiliária para mais esclarecimentos
e das razões que impediam
a entrega dos imóveis.
Mussuale contou que foi nessa averiguação
que se descobriu que não
eram três, mas seis apartamentos
fora da alçada da direcção do FDA.
“Meritíssimo, quando chegámos
ao condomínio Joss Village encontrámos
seis imóveis, três prontos e
três na fase de acabamentos. Depois
soubemos que havia mais três
ainda em construção. No entanto,
no nosso património, apenas tinha
o registo de três apartamentos. Os
restantes estavam em nome de particulares,
incluindo a própria imobiliária”,
disparou.
Sublinhou que, dos três apartamentos
sob o registo do FDA, um
servia como residência da arguida
Neide Xerinda, então directora-
-adjunta do FDA, o outro estava
arrendado a um valor mensal de 60
mil meticais a um particular, mas
que o valor da renda nunca chegou
às contas do FDA e outro estava
desocupado.
Frise-se que o valor médio de renda
de apartamentos no Condomínio
Joss Village é de 110 mil meticais
mensais.
Mussuale referiu que a justificação
da imobiliária sobre a não entrega
de imóveis foi de que os mesmos
ainda estavam em obras.
Para além dos três imóveis descobertos
no Joss Village, Abdul
Mussuale falou da compra de uma
vivenda na cidade da Matola, pelo
FDA, mas que continuava em
nome da anterior proprietária. Na
mesma linha, a direcção de Setina
Titosse adquiriu mais um complexo
de armazéns para o FDA, no
bairro Tchumene, município da
Matola. No entanto, o seu elenco
só tomou conhecimento da existência
deste património, quando o
MP iniciou com as suas incursões.
José Pacheco na berlinda?
Para aquisição de nove apartamentos
no Joss Village, a um custo de
20 milhões de meticais cada, a direcção
de Setina Titosse recorreu
ao financiamento bancário e a fundos
do FDA.
Na semana passada, Setina Titosse
disse ao Tribunal que o FDA tinha
apenas a autonomia administrativa
e financeira. Não tinha autonomia
patrimonial, pelo que a aquisição
do património só podia ser mediante
a autorização do ministério
de tutela, neste caso o Ministério
da Agricultura e Segurança Alimentar,
liderado por José Pacheco.
Segundo Titosse, todas as aquisi-
ções patrimoniais feitas pelo FDA
foram comunicadas ao ministério
de tutela.
Questionado sobre o facto, Abdul
Mussuale optou pelo silêncio.
Setina Titosse disse ainda que,
anualmente, as contas do FDA
eram auditadas pela inspecção interna
do ministério da Agricultura,
Finanças, Tribunal Administrativo
bem como pela KPMG e nunca
detectaram nenhuma anomalia. No
entanto, a KPMG já veio a público,
através de um comunicado, negar
que alguma vez tenha auditado
contas do FDA.
Esses pronunciamentos inquietaram
o MP, que requereu ao juiz a
presença dos auditores-chefes das
Inspecções dos ministério das Finanças,
Agricultura e dos auditores
independentes que realizaram trabalho
inspectivo no FDA no momento
em que eram drenados 170
milhões de meticais.
O MP entende que há necessidade
de se explicar diante daquele Tribunal,
como foi possível que passassem
em revista cada exercício económico
naquela instituição e não
detectar anomalias.
Réus e declarantes “enterram”
Titosse
Naquele que é conhecido como
um dos maiores casos de saque
das finanças públicas, ainda nesta
quarta-feira, o Tribunal ouviu quatro
declarantes, dos quais três são
irmãos da arguida Milda Cossa,
arrolada no processo como a pessoa
de confiança de Titosse e responsável
pela angariação de mutuários
para a drenagem dos fundos do
FDA.
Trata-se de Gerson, Dércio e Binaia
Manganhe que contaram ao
Tribunal que, entre finais de 2013
e princípios de 2014, foram contactatos
pela irmã, Milda Cossa, a
informá-los que havia uma oportunidade
de financiamento para a
criação de gado bovino.
Para tal, deviam juntar a cópia de
bilhete de identidade, abrir uma
conta no Banco Comercial de Investimentos
(BCI) juntar o cartão
de NUIT e mandar para Setina
Titosse.
O trio obedeceu as orientações da
irmã, de tal forma que o dinheiro
estava nas suas contas, em poucos
dias, mas que por ordens da Milda
Cossa não deviam mexer. Por questões
de segurança, Milda Cossa
recolheu seus cartões e deu ordens
para transferir os valores recebidos
para várias contas, incluindo a dela
e de Setina.
Disseram ao Tribunal que nunca
submeteram projectos ao FDA,
nunca assinaram contratos, não
conhecem a sede do FDA e jámais
tiveram gado. Das contas abertas
pelos irmãos Manganhe foram
drenados perto de 17 milhões de
meticais.
Na última sexta-feira, 15, o Tribunal
ouviu Abdul Rassul, sobrinho
de Setina Titosse, que disse nunca
ter chegado ao FDA para receber
fundos, tendo feito tudo a partir
da casa de Setina Titosse e na sua
conta foram depositados seis milhões
de meticais de onde teve uma
gratificação de 400 mil meticais.
Natália Matuca, cabeleireira da então
PCA, surpreendeu a audiência
quando disse que recebeu mais de
três milhões de meticais de Titosse,
a título de empréstimo, sem garantia,
com a finalidade de pagar uma
casa no projecto Intaka.
Frisou que mais tarde teve um fi-
nanciamento de quatro milhões
de meticais, tendo comprado gado
junto a Setina Titosse. Entretanto,
porque ficou grávida, não conseguiu
fazer gestão do negócio e não
sabe se ainda existem as tais cabe-
ças de gado.
Brasilino Salvador, então funcioná-
rio do FDA, onde era responsável
por avaliar projectos submetidos à
instituição refutou as acusações de
que forjava pareceres e disse que os
projectos eram viáveis e reuniam
requisitos.
Tribunal chumba defesa de
Setina Titosse
Na tentativa de limitar o direito à
informação, o advogado da arguida
Setina Titosse, Jaime Sunda,
em representação do escritório
de Teodoro Waty, tentou impedir
que os jornalistas acedessem à
sala de audiências, alegando que a
publicitação dos actos processuais
violava os princípios de presunção
de inocência bem como o direito a
bom nome, à honra e à imagem dos
arguidos.
Em resposta ao requerimento da
defesa de Titosse, o juiz Alexandre
Samuel indeferiu o pedido alegando
que o mesmo violava o preceituado
nos artigos 48, número 3 da
Constituição da República e 407
do Código do Processo Penal.
A
Sem comentários:
Enviar um comentário