África: revoluções e direitos
A
luta levada a cabo pelos movimentos de libertação da África Austral que
visava pôr termo a sistemas de opressão e exploração, nem sempre
pautou-se pelo respeito dos direitos humanos. Aos pesados sacrifícios
consentidos pelos combatentes da liberdade, associaram-se atropelos
flagrantes dos direitos dos povos que aspiravam viver em liberdade e
democracia. Esta uma questão que será debatida num seminário a ter lugar
hoje na Universidade de Cambridge, Reino Unido. O evento terá como
convidado de honra Paul Trewhela, autor do livro, «Inside Quatro:
Uncovering the Exile History of the ANC and SWAPO».
Tal
como noticiámos na nossa edição de 8 de Dezembro último, Paul Trewhela
denunciou na obra de sua autoria a existência de um “campo de
reeducação” edificado pelo ANC em Quibaxe, Angola, durante a luta contra
o regime do apartheid. Criado em 1979, o reduto da tortura e da morte
tinha a designação de “Campo Quatro” cujas condições foram descritas
como sendo piores do que as existentes nas masmorras do antigo regime
segregacionista de Pretória.
O
seminário, que se realiza no anfiteatro do King’s College da
Universidade de Cambridge, terá ainda como participantes os Professores
Jocelyn Alexander (Universidade de Oxford), Saul Dubow (Universidade de
Sussex) e Stephen Ellis (Centro de Estudos Africanos da Universidade
Livre de Amesterdão). Martin Plaut, editor da redacção de assuntos
africanos da BBC, é quem vai moderar os debates em torno da problemática
Movimentos de Libertação da África Austral-Direitos Humanos.
ANGOLA
A
luta armada levada a cabo pela UNITA na fase posterior à
descolonização, tendo em vista o estabelecimento de um regime
democrático em Angola, foi marcada por graves violações dos direitos
humanos. Elementos dissidentes foram presos e alguns deles sumariamente
executados por ordens de Jonas Savimbi. Os conhecidos casos envolvendo
Tito Xingungi e Wilson do Santos e membros das respectivas famílias, assim
como as chamadas bruxas que foram publicamente queimadas em fogueiras
são apenas alguns dos episódios que mancharam a luta do povo angolano
pela conquista da democracia.
MOÇAMBIQUE
Durante
a luta contra o ocupante estrangeiro, muitos moçambicanos tombaram, não
no campo de batalha, mas como resultado da acção dos dirigentes da
Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). A Província de Cabo
Delgado, conforme denunciou Uria Simango em «Situação Triste na
Frelimo», tornou-se num reduto da morte para onde eram enviados sob
sentença de morte os que discordavam da linha política do movimento de
libertação.
Em
entrevista recente ao semanário Savana, Mariano Matsinhe admitiu que
“na Frelimo tínhamos a pena de morte” salientando que “era norma na
Frelimo fuzilar pessoas”. Nos finais da luta armada pela independência
travada pela Frelimo, houve um episódio que iria para sempre manchar a
imagem do movimento de libertação moçambicano, mercê das graves
violações dos direitos humanos que tiveram então lugar. Trata-se do
processo extrajudicial de Nachingwea, em que a direcção da Frelimo, ao
arredio dos tribunais, processou, julgou e sentenciou a penas não
previstas em nenhum código penal para cima de 300 cidadãos moçambicanos,
presos uns, raptados outros por ordens da Frente de Libertação de
Moçambique e do Governo de Transição. Grande parte das vítimas do
processo de Nachingwea é ainda dada como desaparecida, sabendo-se que
algumas delas foram sumariamente executadas já durante a vigência de
Moçambique como Estado soberano e independente.
NAMÍBIA
Tal
como o ANC, também a SWAPO operou a partir de Angola durante a luta
contra a ocupação sul-africana. Dissidentes da SWAPO foram mantidos em
prisões angolanas por ordens da direcção do movimento de libertação
namibiano. Alguns dos dissidentes da SWAPO desapareceram sem deixar
rasto. Desde a independência da Namíbia que o governo liderado pela
SWAPO tem vindo a recusar sistematicamente a investigação dos inúmeros
casos de violação dos direitos humanos, incluindo crimes de guerra,
opondo-se terminantemente à criação de uma «Comissão da Verdade e
Reconciliação». Segundo a liga namibiana de direitos humanos (NSHR), os
pais de diversos dissidentes da SWAPO moveram uma acção em tribunal
contra o Presidente Sam Nujoma (vd Parents’ Committee et al vs Samuel
Nujoma et al),tendo o Supremo Tribunal da Namíbia constatado que aos 13
de Março de 1986, um grupo de 200 prisioneiros da SWAPO havia sido
levado de uma masmorra, no sul de Angola, em camiões militares dessa
organização e desde então nunca mais se soube deles.
ZIMBABWE
Durante a luta armada, a ZANU de Robert Mugabe operou a partir de Moçambique. Membros
dissidentes deste movimento de libertação foram encarcerados em
diversos pontos do nosso país por ordens de Mugabe e do governo
anfitrião. A libertação dos cerca de 80 dissidentes, detidos à revelia
dos tribunais nas cadeias de Chimoio e Pemba, entre outras, só foi
possível devido a pressões exercidas pelo governador britânico, Lord
Soames, investido destas funções nos termos de Acordo de Lancaster
House. Soames viu-se na obrigação de impor um ultimato a Robert
Mugabe, em que o dirigente zimbabweano só poderia regressar de
Moçambique para tomar parte nas eleições que agendadas para terem lugar
no Zimbabwe em Fevereiro de 1980 logo que procedesse à libertação dos
dissidentes sob custodia do seu movimento e do governo da Frelimo. Na
prática o ultimato do governador britânico era dirigido ao regime do
Partido Frelimo pelo facto de, como força dirigente do Estado e da
sociedade moçambicanos, ele ser em última análise responsável pela
administração dos estabelecimentos prisionais do país. (Redacção)
CANALMOZ – 10.02.2010
Comments
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O jornalista tanzaniano, Marcelino Komba, numa reportagem publicada no jornal Daily News de Dar es Salam na mesma data, refere-se a “Uria Simango, one of the 240 traitors who were paraded on March 16.”