Por: Pedro Mufuma
O
dia 22 de Fevereiro foi, para todos os efeitos, um dia dramático e
tétrico; dramático, porque, tal como nos outros dias, o Dr. Jonas
Malheiro Savimbi, como era de costume, na sua qualidade de General, se
havia preparado para mais um dia de rotina. Logo pela manhã meteu o seu
uniforme verde, fez a toilete e, possivelmente, aguardava pelo
evoluir da situação. No entanto, a perda, dias atrás, das duas colunas
que o guarneciam não augurava nada de bom. Estava praticamente exposto
às forças do MPLA, constituídas por milícias, polícias e soldados do
exército. E, tal como Che Guevera, na Bolívia, o Dr. Savimbi nem sequer
se deu conta que o inimigo estava a poucos passos de si e lhe crivava,
segundos depois, o corpo com sete balas.
Foi
assim, de uma forma aparentemente fácil, e quase inacreditável – para
um homem tão experiente nas andanças da guerra -, que terminava a vida
de um líder carismático e de um homem, que fez da guerra o seu cavalo de
batalha para um dia vir a ser Presidente do País que o vira nascer.
Dizem as pessoas que o conheceram de perto que, em certas ocasiões, lhes
perguntava se um dia viria a ser, de facto, Presidente de Angola e
condoído pela dúvida vertia algumas lágrimas. Talvez por notar que este
desiderato se encontrava cada vez mais distante dele.
Na
verdade, Jonas Savimbi nem sequer precisava de vir a ser um dia
Presidente da República, pois viveu as glórias, alegrias, honras e os
dissabores dos presidentes. Foi assim a vida tão atribulada, quanto
plena de contradições do menino irrequieto, que nasceu a 3 de Agosto de
1934, em Munhango, no Bié. A sua passagem por Portugal foi, de igual
modo, turbulenta, uma vez que a par dos estudos, contestava abertamente o
regime colonial português, o que lhe valeu algumas prisões. Apesar
disso, como uma vez havia contado Daniel Chipenda, não se coibia em
ostentar os seus conhecimentos, mesmo em domínios não afins à sua
formação. Uma vez pretendeu dar uma conferência sobre antropologia numa
instituição portuguesa, sendo, de imediato, desaconselhado por Chipenda.
Formado
em Ciências Políticas e Jurídicas na Universidade Lousane, Suíça,
passou, a partir daí, a dedicar toda a sua vida à política até ao último
momento em que morreu em combate. Jonas Savimbi, era o homem dos
antípodas. Era anjo e ao mesmo tempo demónio; assemelhava-se ao remoinho
de vento, kanyongo, que varre árvores e levanta as casas do
chão, mas também tinha dificuldades de se conter e, por vezes, chorava
como uma criança. A sua vida tão plena de contradições e de estados de
humor surpreendentes levou a que, no processo eleitoral, o MPLA,
afirmasse que ele havia feito a sua campanha, mesmo que (o que é
estranho) o seu arqui-rival não o tenha conseguido bater na primeira
volta. Mas a sua sentença de morte havia sido ditada há muito, ou seja,
muito antes da independência. Apenas José Eduardo dos Santos, viria a
consumá-la volvidos dezenas de anos, o que aconteceu nesse fatídico dia,
na localidade de Lucussi, ao lado de uma grande mulemba.
Quer
queiramos quer não temos que aceitar que com a morte do Dr. Jonas
Savimbi, abre-se uma nova fase na vida política de Angola, mas contrária
aos cenários que se vêm desenhando por aí. Primeiro, porque, para o
MPLA, as causas da guerra não radicam em factores de ordem estrutural,
mas na ambição de um homem que queria, a todo o custo, tomar o poder.
Não tardará a chegar o dia em que o MPLA e os seus correligionários
tomarão consciência de que esta morte não trouxe, nada de novo, no
processo de consolidação da paz; pelo contrário, notarão, perplexos, que
ela veio apenas acirrar ódios velados e em certos casos contidos. Está a
vista que a verdadeira paz passa, necessariamente, pela instauração de
um regime democrático, de facto, pelo desfasamento das assimetrias
regionais (dando a cada região uma relativa liberdade para decidir do
seu destino, económico e social). E mais importante ainda é o facto de
que a paz também se conquista através da distribuição equitativa das
riquezas.
O
filho de Lote e Mbundo, teve todos os meios ao seu alcance para evitar
este trágico desfecho. Possuidor de uma elevada fortuna, poderia, sem
grandes restrições, exilar-se em qualquer país; possuía, até ao último
momento, o seu sistema de comunicações com o qual poderia comunicar ao
mundo e às Nações Unidas a sua rendição. Mas preferiu, conscientemente,
morrer assim, na crença, pensamos nós, de que, ao estilo de Cristo,
continuaria vivo durante vários séculos no imaginário daqueles que o
seguiram e o apoiaram. Refiro-me ao poder de catalisação das energias de
um povo ou etnia, que possuem certos líderes que deixam de existir de
uma forma brutal. Trata-se do valor e do poder simbólico de um mártir.
Independentemente da evolução do processo político-militar de Angola, a
verdade é, que, o MPLA perdeu o seu bode expiatório. O indivíduo a quem
era atribuída a miséria, a falta da gestão transparente da coisa
pública, a corrupção, o despotismo, e a ausência de democracia.
Fatalmente,
acaba de chegar o momento em que o MPLA vai ter, necessariamente, que
olhar para si próprio. Neste sentido, está a vista que a morte do Dr.
Jonas Savimbi, longe de colocar o MPLA numa posição confortável,
coloca-lo-á, isso sim, numa posição mais crítica. Assim, e a partir de
agora, o maior inimigo do MPLA será o advento, em Angola, de uma
verdadeira democracia. Pois, o Presidente José Eduardo dos Santos ao
decretar a sentença de morte a Savimbi, também decretou a sua própria
sentença e, pior ainda, quando se põe em questão o magnetismo e o
carisma de Savimbi entre os Ovimbundu.
De
modo que os Ovimbundu se afastarão, definitivamente, desse Partido
político que impõe a paz com cadáveres. E tomando em consideração de que
não será a curto prazo que os problemas estruturais da guerra em Angola
serão extirpados, fatalmente, a morte de Jonas Savimbi, ganha um valor
simbólico tão forte que, inevitavelmente, trará a morte política dos
seus adversários. Talvez isso explique porque ele havia escolhido morrer
assim. E se assim foi, talvez (quem lá sabe) tenha valido a pena.
NR: O que talvez não fosse necessário foi a exposição pública do seu corpo, como se tratasse de um troféu de caça.