quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Morte de Jonas Savimbi



Por: Pedro Mufuma

O dia 22 de Fevereiro foi, para todos os efeitos, um dia dramático e tétrico; dramático, porque, tal como nos outros dias, o Dr. Jonas Malheiro Savimbi, como era de costume, na sua qualidade de General, se havia preparado para mais um dia de rotina. Logo pela manhã meteu o seu uniforme verde, fez a toilete e, possivelmente, aguardava pelo evoluir da situação. No entanto, a perda, dias atrás, das duas colunas que o guarneciam não augurava nada de bom. Estava praticamente exposto às forças do MPLA, constituídas por milícias, polícias e soldados do exército. E, tal como Che Guevera, na Bolívia, o Dr. Savimbi nem sequer se deu conta que o inimigo estava a poucos passos de si e lhe crivava, segundos depois, o corpo com sete balas.

Foi assim, de uma forma aparentemente fácil, e quase inacreditável – para um homem tão experiente nas andanças da guerra -, que terminava a vida de um líder carismático e de um homem, que fez da guerra o seu cavalo de batalha para um dia vir a ser Presidente do País que o vira nascer. Dizem as pessoas que o conheceram de perto que, em certas ocasiões, lhes perguntava se um dia viria a ser, de facto, Presidente de Angola e condoído pela dúvida vertia algumas lágrimas. Talvez por notar que este desiderato se encontrava cada vez mais distante dele.

Na verdade, Jonas Savimbi nem sequer precisava de vir a ser um dia Presidente da República, pois viveu as glórias, alegrias, honras e os dissabores dos presidentes. Foi assim a vida tão atribulada, quanto plena de contradições do menino irrequieto, que nasceu a 3 de Agosto de 1934, em Munhango, no Bié. A sua passagem por Portugal foi, de igual modo, turbulenta, uma vez que a par dos estudos, contestava abertamente o regime colonial português, o que lhe valeu algumas prisões. Apesar disso, como uma vez havia contado Daniel Chipenda, não se coibia em ostentar os seus conhecimentos, mesmo em domínios não afins à sua formação. Uma vez pretendeu dar uma conferência sobre antropologia numa instituição portuguesa, sendo, de imediato, desaconselhado por Chipenda.

Formado em Ciências Políticas e Jurídicas na Universidade Lousane, Suíça, passou, a partir daí, a dedicar toda a sua vida à política até ao último momento em que morreu em combate. Jonas Savimbi, era o homem dos antípodas. Era anjo e ao mesmo tempo demónio; assemelhava-se ao remoinho de vento, kanyongo, que varre árvores e levanta as casas do chão, mas também tinha dificuldades de se conter e, por vezes, chorava como uma criança. A sua vida tão plena de contradições e de estados de humor surpreendentes levou a que, no processo eleitoral, o MPLA, afirmasse que ele havia feito a sua campanha, mesmo que (o que é estranho) o seu arqui-rival não o tenha conseguido bater na primeira volta. Mas a sua sentença de morte havia sido ditada há muito, ou seja, muito antes da independência. Apenas José Eduardo dos Santos, viria a consumá-la volvidos dezenas de anos, o que aconteceu nesse fatídico dia, na localidade de Lucussi, ao lado de uma grande mulemba.

Quer queiramos quer não temos que aceitar que com a morte do Dr. Jonas Savimbi, abre-se uma nova fase na vida política de Angola, mas contrária aos cenários que se vêm desenhando por aí. Primeiro, porque, para o MPLA, as causas da guerra não radicam em factores de ordem estrutural, mas na ambição de um homem que queria, a todo o custo, tomar o poder. Não tardará a chegar o dia em que o MPLA e os seus correligionários tomarão consciência de que esta morte não trouxe, nada de novo, no processo de consolidação da paz; pelo contrário, notarão, perplexos, que ela veio apenas acirrar ódios velados e em certos casos contidos. Está a vista que a verdadeira paz passa, necessariamente, pela instauração de um regime democrático, de facto, pelo desfasamento das assimetrias regionais (dando a cada região uma relativa liberdade para decidir do seu destino, económico e social). E mais importante ainda é o facto de que a paz também se conquista através da distribuição equitativa das riquezas.

O filho de Lote e Mbundo, teve todos os meios ao seu alcance para evitar este trágico desfecho. Possuidor de uma elevada fortuna, poderia, sem grandes restrições, exilar-se em qualquer país; possuía, até ao último momento, o seu sistema de comunicações com o qual poderia comunicar ao mundo e às Nações Unidas a sua rendição. Mas preferiu, conscientemente, morrer assim, na crença, pensamos nós, de que, ao estilo de Cristo, continuaria vivo durante vários séculos no imaginário daqueles que o seguiram e o apoiaram. Refiro-me ao poder de catalisação das energias de um povo ou etnia, que possuem certos líderes que deixam de existir de uma forma brutal. Trata-se do valor e do poder simbólico de um mártir. Independentemente da evolução do processo político-militar de Angola, a verdade é, que, o MPLA perdeu o seu bode expiatório. O indivíduo a quem era atribuída a miséria, a falta da gestão transparente da coisa pública, a corrupção, o despotismo, e a ausência de democracia.

Fatalmente, acaba de chegar o momento em que o MPLA vai ter, necessariamente, que olhar para si próprio. Neste sentido, está a vista que a morte do Dr. Jonas Savimbi, longe de colocar o MPLA numa posição confortável, coloca-lo-á, isso sim, numa posição mais crítica. Assim, e a partir de agora, o maior inimigo do MPLA será o advento, em Angola, de uma verdadeira democracia. Pois, o Presidente José Eduardo dos Santos ao decretar a sentença de morte a Savimbi, também decretou a sua própria sentença e, pior ainda, quando se põe em questão o magnetismo e o carisma de Savimbi entre os Ovimbundu.

De modo que os Ovimbundu se afastarão, definitivamente, desse Partido político que impõe a paz com cadáveres. E tomando em consideração de que não será a curto prazo que os problemas estruturais da guerra em Angola serão extirpados, fatalmente, a morte de Jonas Savimbi, ganha um valor simbólico tão forte que, inevitavelmente, trará a morte política dos seus adversários. Talvez isso explique porque ele havia escolhido morrer assim. E se assim foi, talvez (quem lá sabe) tenha valido a pena.

NR: O que talvez não fosse necessário foi a exposição pública do seu corpo, como se tratasse de um troféu de caça.