Palavras escritas...
AS DUAS figuras cimeiras do novo Estado
independente eram filhos de padres. Aristides Pereira, o Presidente da
República, é filho de um sacerdote católico. O mesmo
aconteceu com o Presidente da Assembleia Nacional Popular, o falecido Abílio
Duarte, «o mais novo dos nove filhos» do pároco da freguesia
de Nossa Senhora da Graça, na Praia. A esposa de Duarte, por sua
vez, é «neta de um cónego».
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Grande parte da futura liderança
dos movimentos de libertação fugiu de Portugal, em Junho
de 61. Pedro Pires então alferes miliciano da Força Aérea,
foi um deles. Pires «fora um dos que tinha aceitado a bolsa dos
americanos para ir estudar nos E.U.A», mas «incompatibiliza-se
com um funcionário desse país em Accra, pelo que acaba
por dar outro rumo à sua vida». Em vez dos «States»,
foi para Marrocos. Seguiu-se Cuba, Conacri e as matas da Guiné,
donde saiu para ser primeiro-ministro de Cabo Verde.
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Vinte e dois anos depois da paz, o dia-a-dia
da guerrilha continua a ser um assunto tabu. Aristides Pereira prefere
não entrar em detalhes: «Numa guerra com vários
anos de duração as pessoas casam-se. Apesar das precauções
(...) houve efectivamente coisas muito feias, mas só mais tarde
poderei falar disso...».
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O general Lopes dos Santos foi um dos últimos
governadores do Império. Esteve à frente de Macau e Cabo
Verde (que deixou em Fevereiro de 1974). Aposentado em Oeiras, faz a autocrítica
do regime: «Se eu fosse angolano ou moçambicano não
podia deixar de aspirar à independência. Foi um erro nosso
não perceber isso há mais tempo.»
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Depois de um curso em Cuba, um comando cabo-verdiano
dispunha-se a abrir um foco de guerrilha no arquipélago, para o
que foi solicitada a ajuda da URSS. Conta Aristides Pereira que
«quando
os especialistas soviéticos nos pediram os dados sobre Cabo Verde,
disseram: ‘Nem pensar nisso! Se fosse uma ilha, vá que não
vá. Agora dez ilhas, com os meios modernos, vocês vão
ser massacrados’. (...) Para os soviéticos, a ideia do desembarque
era completamente visionária».
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Carlos Reis foi o primeiro quadro do PAIGC
a trocar Conacri por S. Vicente, onde chegou nos primeiros dias de Maio.
A decisão foi tomada em Conacri. Como? Reis explica: «Como
todos queriam vir para Cabo Verde, fizemos aquele jogo infantil, ‘un, deux,
trois’, para ver quem seria o primeiro. Ganhei eu.»
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Para a independência muito contribuíram
as conversações subterrâneas. Amaro da Luz, por exemplo,
veio a Lisboa «contactar parte do MFA, nomeadamente Melo Antunes,
Costa Gomes e Vasco Gonçalves, para desbloquear as coisas».
Também José Luís Fernandes participou
«em
encontros secretos com o MFA». E, em Cabo Verde, houve «dois
tipos de contactos» com as autoridades portuguesas:
«um
oficial e outro secreto». Silvino da Luz e Pedro Pires foram
os principais protagonistas. Este último avistou-se em segerdo,
em S. Vicente, com o capitão-de-fragata Almeida d’Eça.
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O apoio do MFA ao PAIGC foi total. Pedro Pires,
quando chegou a Cabo Verde, vindo da Guiné, foi «transportado
num avião da FAP». A cimeira de Spínola com Mobuto,
na ilha do Sal, deixou de ser secreta porque houve um militar português
que passou a informação ao PAIGC. Este vigiava permanentemente
o governador, «graças à cumplicidade de elementos
do MFA no Palácio do Governo». Silvino da Luz conta que
«sabiamos
tudo o que se passava com ele. Chegámos a entrar-lhe no gabinete
e a retirar-lhe os blocos de notas.»
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Mário Soares apenas pairou sobre as
conversações, completamente dirigidas por Almeida Santos.
Segundo Osvaldo Lopes da Silva, «o Soares assistia, mas passou
o tempo todo num divã, a dormitar de forma ostensiva».
Pedro Pires corrobora: «Pareceu-me que o Soares não estava
muito interessado na questão.»
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No dia da independência, o Presidente
Aristides Pereira «anunciou durante a sua posse (...) a restituição
às respectivas famílias dos cidadãos presos no Tarrafal.
(...) No entanto, um dia depois », os detidos
«
foram conduzidos ao aeroporto da Praia e embarcados para Portugal, na companhia
dos militares portugueses».
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A primeira dor de cabeça de Aristides
Pereira foi de carácter financeiro.«Nós não
tínhamos recursos nenhuns, e sem a ajuda fundamental de certos países
não sei o que seria de nós. (...) O Presidente Gowon (
Nigéria ) pôs à nossa disposição 100
ou 200 mil dólares, já não me lembro; mandei uma missão
à Costa do Marfim, mais concretamente o Corsino Tolentino,
que falou com o Presidente Houphouet-Boigny. Este, como não gostava
de operações bancárias, mandou o Tolentino voltar
à tarde e quando chegou tinha a esperá-lo um maleta cheia
de dinheiro. O Presidente Nyerere (Tanzânia) foi também
extraordinário.»
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A URSS tentou convencer o PAIGC a autorizar
a construção de uma base naval. A insistência manteve-se
durante anos. Silvino da Luz: «Os soviéticos não falavam
abertamente no assunto, mas de forma eufemística. Falavam em ‘porto
de descanso’ para as suas tripulações ou em ‘reparação’
das suas embarcações.» O projecto nunca vingou.
(In Jornal "Expresso" - 12/04/1997) |