quinta-feira, 4 de abril de 2019

Papa Francisco escolhe Wilton Gregory para arcebispo de Washington


Gregory era o líder dos bispos americanos em 2002, quando rebentou o escândalo Spotlight. Terá de limpar a imagem de uma diocese cujos últimos dois bispos estiveram envolvidos em escândalos de abusos.
Wilton Gregory será o novo arcebispo de Washington, sendo provável que seja criado cardeal
AFP/Getty Images
O Papa Francisco nomeou esta quinta-feira o bispo norte-americano Wilton Gregory para o cargo de arcebispo de Washington, uma das posições mais importantes da Igreja Católica nos Estados Unidos. Gregory, o único arcebispo afro-americano, substitui assim o cardeal Donald Wuerl, que resignou em outubro do ano passado na sequência de grande contestação devido ao escândalo dos abusos sexuais.
divulgação do relatório da Pensilvânia, que revelou detalhes de abusos sexuais cometidos por mais de 300 padres ao longo das últimas décadas no estado norte-americano da Pensilvânia, colocou o cardeal Wuerl sob fogo. Wuerl não apenas teria encoberto vários crimes de padres da  diocese de Washington como também teria ocultado os crimes do ex-cardeal Theodore McCarrick, que foi expulso do sacerdócio este ano na sequência das acusações de abusos sexuais.
Wuerl acabaria mesmo por apresentar ao Papa Francisco a renúncia ao lugar após semanas de contestação. E só quase seis meses depois foi possível encontrar um substituto para o cardeal.
O jornal norte-americano The Washington Post explica que o escolhido, Wilton Gregory, será o primeiro africano negro a chegar a cardeal, uma vez que a diocese de Washington é, tradicionalmente, liderada por um cardeal. Aos 71 anos, o até agora arcebispo de Atlanta foi um dos líderes católicos norte-americanos mais empenhados na luta contra os abusos sexuais, sendo considerado um dos rostos visíveis desta campanha.
Gregory foi um dos envolvidos na preparação das primeiras normas para a prevenção dos abusos nos Estados Unidos — um documento considerado um dos mais avançados do mundo nesta matéria. O novo arcebispo de Washington terá a missão de limpar a imagem de uma diocese cujos últimos dois arcebispos estiveram envolvidos no escândalo dos abusos sexuais.
“As pessoas estão furiosas, tal como devem estar, porque a nossa Igreja é, novamente, vista como um refúgio para comportamentos desviantes e criminais”, disse recentemente Wilton Gregory, numa carta aos fiéis em que comentava o escândalo dos abusos nos Estados Unidos da América.
O novo arcebispo de Washington tem experiência de peso nesta questão: foi presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos entre 2001 e 2004, precisamente na altura em que o jornal Boston Globe divulgou as reportagens sobre os abusos sexuais na diocese de Boston que viriam a marcar uma viragem na forma como a hierarquia da Igreja encara este problema (e que mais tarde foram retratadas no filme Spotlight).

    300 padres associados a mais de 1000 casos de abuso sexual de menores nos EUA

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    Estas novas acusações surgem num extenso relatório que, durante 18 meses, investigou 10 dioceses do estado de Pennsylvania. Em causa estão crimes e encobrimentos de há mais de 70 anos.
    AFP/Getty Images
    O Supremo Tribunal do Estado da Pensilvânia divulgou esta terça-feira um relatório sobre o abuso sexual de menores no seio da Igreja Católica que envolve 300 pessoas ligadas a estrutura religiosa. No mesmo documento, segundo o Washington Post, é explicado o “sistemático” encobrimento que vários líderes religiosos fazem há mais de 70 anos.
    O procurador-geral Josh Shapiro afirmou, em conferência de imprensa, que os casos de mais de 1000 crianças são identificados no dito relatório, mas suspeita-se que o número possa ser ainda maior.
    Esta investigação, que o jornal norte-americano diz ser a mais “extensa de sempre”, durou 18 meses e extendeu-se a oito dioceses desse estado dos EUA — Harrisburg, Pittsburgh, Allentown, Scranton, Erie e Greensburg. Outras informações explicam que outras duas dioceses podem estar abrangidas.

    Shapiro afirmou que o relatório explica detalhadamente este “sistemático encobrimento foi realizado por responsáveis religiosos no Estado da Pensilvânia e no Vaticano”. Somando, no total, cerca de 1400 páginas, a introdução do documento explica poucos dos casos apresentados podem dar origem a um investigação em massa — “como consequência do encobrimento, todos os casos que encontrámos já são demasiado antigos para serem levados à justiça”, explicou Shapiro.
    “Intimámos e revimos meio milhão de páginas de documentos internos das dioceses. Eles contêm alegações credíveis contra 300 padres predadores sexuais. Mais de uma centena de crianças foram identificadas a partir dos próprios registos da Igreja. Acreditamos que o número real — de crianças cujos registos se perderam ou que tiveram demasiado medo de fazer acusações — pode chegar aos vários milhares”.
    Alguns pormenores e nomes que podem revelar os religiosos listados foram retirados do relatório. Ações legais levadas a cabo pela Igreja atrasaram a divulgação, alegando que os direitos constitucionais dos envolvidos podiam estar em causa. Josh Shapiro afirmou que vai batalhar para reverter estas mesmas edições.
    Este relatório ajudou a renovar a crise que muitos acreditavam ter acabado há quase 20 anos, depois do enorme escândalo em Boston — e que é que é retratado no filme “Operação Spotlight”. Contudo, recentes escândalos no Chile e na Austrália reabriram uma série de questões acerca da responsabilização e da possibilidade de representantes da Igreja ainda poderem estar a ocultar outros crimes, possivelmente em níveis hierárquicos mais elevados.
    O relatório, que foi apresentado pelo grande júri da Pensilvânia, surge depois do Cardeal Theodore McCarrick se ter demitido, há cerca de um mês. McCarrick era uma figura imponente na Igreja norte-americana, um antigo arcebispo do District of Columbia (o famoso “D.C.” que aparece sempre ao lado de “Washington”) e foi acusado de abusar sexualmente de menores durante várias décadas.
    “Estamos a lidar com uma luta de muitos anos que não só está ligada à definição de ‘justiça’ como também à noção de ‘memória'”, explicou Jason Berry, um jornalistas e autor que analisa casos destes há vários anos. “A maior parte dos bispos, para lá de terem pedido desculpas, não fizeram muito mais para implementar a mudança”.

    Responsáveis da Igreja começaram a preparar-se para o rescaldo deste relatório. Na passada segunda-feira, o arcebispo de D.C., o Cardeal Donald Wuerl — antigo responsável pela diocese de Pittsburgh, avisou uma série de padres através de uma carta onde dizia que o documento em questão iria ser “profundamente perturbador”.
    Ronald Gainer, o bispo de Harrisburg, disse no início deste mês que ia remover os nomes de todos os bispos acusados dos edifícios e salas da diocese. O bispo de Erie, Lawrence Persico, contou ao PennLive. com (um diário digital da cidade norte-americana), no mês passado, que o relatório ia ser “desanimado” e bastante “gráfico”.
    “Embora esteja à espera que este relatório critique algumas das minhas ações, acredito que o documento confirme que agi com diligência”, escreveu Donald Wuerl à Igreja de D.C., referenciando o tempo que passou em Pittsburgh.
    Jason Berry diz que o relatório mostra que a Igreja precisa de uma grande renovação na forma como se auto-policia. Afirmou ainda que a Igreja precisa de uma “separação de poderes, uma supervisão independente”. “A Lei Canónica não está preparada para lidar com este tipo de coisas. Há um enorme e subterrâneo panorama de atividade sexual criminosa que, ao longo dos últimos 30 anos, tem revelado uma ou outra ponta do iceberg“.

    O Vaticano tem lidado com o assédio de várias polícias que procuram desmontar e desvendar casos de abuso dentro da Igreja. No Chile, procuradores e polícias estão a fazer buscas a escritórios de igrejas, confiscando documentos e procurando provas de crimes que não foram reportados à polícia.
    Parte deste relatório é o exemplo do arcebispo de Santiago (Chile), o Cardeal Ricardo Ezzati, que foi chamado a testemunhar, isto numa altura em que o próprio enfrenta acusações de ter estado envolvido na ocultação de vários casos de abuso. “As pessoas estão basicamente a revoltar-se contra estas ‘vacas sagradas'”, afirmou Juan Carlos Cruz, um chileno vítima de abusos sexuais que, no início deste ano, passou vários dias com o Papa. “Nos anos 70 e 80, a igreja era um farol do meu país. É incrível ver esta mudança de 180 graus. Pessoas que veneravam a igreja, agora, desprezam-na”.
    A crise no Chile é só mais um caso nesta nova vaga de revelações ligadas ao assédio sexual de menores e que tem colocado alguma pressão no Papa Francisco. Em França, o Cardinal Philippe Barbarin está a enfrentar um processo criminal por não revelar um caso de abuso sexual. Na Austrália, um arcebispo foi condenado recentemente por omitir outro caso de abuso sexual.
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