Não houve consenso na imprensa espanhola, que se dividiu na sua análise, sobretudo sobre a participação do chefe de Governo. Unanimidade? Apenas na "combatividade" de Rivera e no "desfocado" Iglesias.
Que os partidos à direita atacaram o presidente do governo Pedro Sánchez, como seria de esperar, todos concordam. Mas a análise publicada do primeiro debate entre os quatro líderes antes das eleições legislativas espanholas do próximo domingo diverge num ponto: na avaliação da forma como Sánchez respondeu a esse ataque.
A começar pelas capas dos jornais: o El País, mais próximo do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) de Sánchez, titula um favorável “Sánchez salva o debate e Rivera não consegue impor o tema catalão”, que contrasta em muito com a análise do conservador ABC, que puxa para capa “Sánchez naufraga no primeiro assalto televisivo”. Os jornais catalães, por seu turno, focaram-se no ataque da direita a Sánchez.
Olhando para os editoriais e para a opinião disponível nos jornais espanhóis, parece haver entendimentos para todos os gostos. O El País preferiu dedicar o seu editorial a discutir o tema do emprego e das eleições presidenciais na Ucrânia, mas arranjou espaço para publicar a opinião de dois dos seus jornalistas sobre o debate, Carlos E. Cué e Iñigo Dominguez. O primeiro decretou a vitória de Sánchez, “aquele que tinha mais a perder, porque segue à frente” e que “aguentou o embate sem cometer erros importantes”, destacando ainda a “dureza” do tom de Albert Rivera (Ciudadanos) e o facto de os partidos à direita “não terem conseguido que Sánchez cometesse erros”. O segundo concentrou-se no tom do debate, que considerou ter começado de forma “muito aborrecida”, para um encontro que foi tão complicado de marcar: “Todos muito sérios, com muitos dados, até demasiados, porque era um baile de números e chuvas de receitas para autónomos, não havendo maneira de saber se aquilo que diziam era verdade ou não, muito menos se de facto o vão fazer ou não.” Salvou-se, na opinião irónica de Dominguez, o tom acirrado de Rivera.
Por sua vez, o El Mundo teve um entendimento totalmente diferente do de Cué. No editorial, titulado “Sánchez cercado pelas suas concessões na Catalunha”, o jornal escreve que o presidente do Governo teve “um perfil muito discreto” e que foi “encurralado” pelos partidos da direita. Em causa, sobretudo, a Catalunha:
Revelou a incapacidade de Sánchez para esclarecer até onde está disposto a ir nas suas limpezas com os separatistas. Nem detalhou a sua política de aliança depois do 28 de abril, nem revelou se irá conceder um indulto aos políticos presos pelo golpe de 1 de outubro”, afirma o jornal.
Já o colunista David Gistau, do mesmo diário, não teve dúvidas em considerar esta “a noite” do líder do Ciudadanos: “Rivera esteve muito mais cómodo, mais ágil e contundente nos argumentos improvisados durante o debate puro, mais atrevido até em termos cénicos com o uso da fotografia delatora do namoro de [Quim] Torra [líder do governo catalão] com Sánchez em Pedralbes”. Um destaque que, para o argumentista, contrastou com a prestação de Pablo Casado, do Partido Popular (PP).
Também o El Español destacou a prestação de Rivera no seu editorial, que considerou ter “marcado o ritmo do debate”. Por outro lado, o jornal classifica o líder do Podemos, Pablo Iglesias, como tendo estado “desfocado e estranhamente moderado”. Mas para o El Español não há dúvidas de que a prestação do líder do PSOE foi fraca.
Não foi por acaso que evitou responder a duas perguntas fundamentais da noite: se concederá ou não um indulto aos políticos golpistas catalães e se descarta Albert Rivera para formar Governo”, escreveu o jornal online.
Na Catalunha, região que foi tema central do debate, destaca-se o ataque dos dois partidos da direita (PP e Ciudadanos) a Sánchez. O La Vanguardia, na análise da sua jornalista Lola Garcia, classifica o debate desta segunda-feira como “o debate do simplismo” e destaca dois pontos: a prestação morna de Sánchez, que contrastou com o tom aguerrido de Rivera. “O líder socialista saiu airoso do debate, mas sem despertar entusiasmo. Não cometeu erros, mas fugiu como pôde da pergunta mais incomóda: se indultará os líderes independentistas.” Já quanto ao líder do Ciudadanos, Garcia sublinhou como Rivera disparou em todas as direções, até contra Casado:
O canidato do C’s distribuiu porrada à direita e à esquerda com munição verbal, fotos, cartazes, cartões e uma interpretação final algo falsa que incluía silêncios forçados para dar maior dramatismo aos seus chamamentos. Rivera atacou Sánchez e Casado, já que partilha eleitorado com ambos. Até que este último lhe recordou: ‘Você não é o meu adversário’. Mas restava uma certa dúvida”, afirma-se no diário catalão.
Outra publicação catalã, o El Periódico, foi mais benévolo com Sánchez. No seu editorial, o jornal considera que Sánchez “cresce nas situações adversas”, razão pela qual a sua participação nos debates pode jogar a seu favor. “Veremos, pois, se colocar Sánchez na boca do lobo não acaba por jogar contra os seus adversários”. Já o antigo assessor do PSOE, Antoní Gutiérrez-Rubí, escreve no mesmo diário que Sánchez “esteve vacilante, com menos clareza nos seus conceitos do que em outras ocasiões, à exceção da sua posição sobre a Catalunha ou a violência machista, onde esteve firme”. E resumiu assim o debate: “No final, cada rival procurou a sua etiqueta, a sua palavra de marca. Rivera encontrou a sua: o senhor Torra. Iglesias: a Constituição. Sánchez: o detetor de mentiras e verdades. E Casado: as esquerdas.”
O ABC, claramente posicionado à direita, não poupou o presidente do Governo. “Pedro Sánchez demonstrou esta noite porque não merece voltar a ser o presidente do Governo”, escreve o jornal conservador no seu editorial.
Sánchez andou disperso durante todo o debate, viveu momentos verdadeiramente incómodos e foi superado em todos os momentos por um combativo Albert Rivera e por um racional Pablo Casado, que não conseguiu atacar de outra forma que não recordar-lhe o caso Gurtel, já julgado, sentenciado e resolvido politicamente com a moção de censura que acabou com a carreira política de Mariano Rajoy. Sánchez deu a impressão de estar instalado mais no passado do que no futuro”, escreve o diário espanhol.
Na outra ponta do espectro político, o Publico, de esquerda, destacou a performance do líder do Podemos e censurou a incapacidade de Sánchez excluir uma possível coligação futura com o liberal Ciudadanos: “Num baile, uma dança a sós pode ser por escolha própria, porque se é livre, mas também pode ser porque não se encontra quem queira bailar connosco. Receio que tenham acontecido as duas coisas a Iglesias esta noite, sobretudo com a sua insistência em namorar Sánchez”, escreveu a jornalista Cristina Fallarás.