domingo, 16 de dezembro de 2018

Um contributo para o debate sobre a guerra civil em Moçambique nos chega através de um livro produzido por um grupo de pesquisadores nacionais e estrangeiros onde analisam as dinâmicas do conflito armado no país no período que vai de 1976-1992

Um contributo para o debate sobre a guerra civil em Moçambique nos chega através de um livro produzido por um grupo de pesquisadores nacionais e estrangeiros onde analisam as dinâmicas do conflito armado no país no período que vai de 1976-1992. A ser lançado próxima terça-feira em Maputo, o livro foi editado pelo investigador suíço Eric Morier-Genoud, o francês Michel Cahen, assim como o moçambicano Domingos do Rosário, docente de Ciência Política na Universidade Eduardo Mondlane. Contou igualmente com a colaboração de mais quatro pesquisadores, um russo (Georgi M. Derluguian), alemão (Corinna Jentzsch), americano (Lily Bunker) e um moçambicano (Sérgio Chichava). Uma das constatações que salta à vista na obra é que a guerra civil em Moçambique iniciou em 1976, mas não com um ataque falhado da Renamo a um campo de reeducação, mas sim quando um movimento denominado partido Revolucionário de Moçambique (PRM) iniciou ataques sistematizados na província da Zambézia. Os pesquisadores negam que a Renamo não tinha um projecto político, apontando que o actual segundo maior partido da oposição até teve escolas onde lecionava em línguas locais, o que era visto como promoção de tribalismo por parte do governo da Frelimo. A barreira linguística que o livro cria por ter sido editado em inglês pode não contribuir para o debate que se pretende sobre as matérias arroladas. Os autores dizem estarem ciente disso e justificam a opção linguística com barreiras encontradas nas editoras. Intitulado “The War Withim; new perspectives on the civil war in Mozambique 1976-1992” que numa tradução livre quer dizer “A Guerra vista por dentro; novas perspectivas da guerra civil em Moçambique”.  O livro trata das dinâmicas locais da guerra civil ao nível de algumas províncias, distritos até as aldeias de modo a alcançar uma compreensão mais profunda, não só dos actores mas também das suas motivações, meios de que dispunham, interacções que estabeleciam entre outros. Um dos principais objectivos da obra, de acordo com Sérgio Chichava e Domingos do Rosário, é desfazer o mito segundo o qual a guerra civil em Moçambique começou com a Renamo. Chichava, docente universitário, explica que, antes do surgimento da Renamo, havia um movimento denominando PRM, dirigido por Amós Sumane, um dissidente da Frelimo que dirigiu os primeiros ataques a infra-estruturas do Estado na província da Zambézia. Privilegiava, a PRM,  ataques às cooperativas, postos policiais, aldeias comunais e desencorajava as pessoas de lá viverem, bem como atacava as sedes dos postos admi
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nistrativos e tinha como principal epicentro a zona norte da província da Zambézia, próximo da fronteira com Malawi. Em algum momento, argumenta Chichava, a PRM foi confundida com o África livre, uma estação radiofónica sediada na Rodésia do Sul.    A documentação dá conta que o movimento surgiu em 1976, logo após a independência, visando combater o comunismo da Frelimo, mas devido a sua influência na Zambézia em 1982, a Renamo decidi unir-se à PRM para poder alastrar o seu raio de acção. Nesta altura, esclarece o pesquisador, o movimento já era liderado por Jimmy Phire, que acabou ficando como adjunto de Afonso Dhlakama após o acordo. “A 28 de Janeiro de 1982, Orlando Cristina, secretário-geral da Renamo, escreveu uma carta a  Jimmy Phire, dirigente da PRM exortando-o para um acordo sob pretexto de que não podiam existir dois movimentos neste país lutando contra um inimigo (Frelimo)”, conta. Acrescenta que foi assim que ambos passavam a lutar contra a Frelimo. A união não durou muito, em 1987 houve uma cisão movida por divergências que surgiram devido ao tribalismo, uma vez que Dhlakama dava cargos de chefias aos ndaus, senas enquanto que os lomues, macuas e machuabos eram relegados ao plano secundário. Anota Chichava que, após esta cisão com a Renamo, o governo da Frelimo decidiu cooaptá-los como forma de eliminar aquele movimento, mas o partido de Dhlakama já tinha implantado as suas bases naquela província. Deste modo, diz que o domínio da Renamo naquela província criou ira à Frelimo que intensificou os maus tratos contra as populações, o que hoje justifica a hostilidade daquele povo para com o partido governamental. Contribuiu igualmente para a hostilidade a maneira como a Frelimo dirigiu a guerra colonial naquele ponto do país, acusando as populações da Zambézia e de Nampula de serem aliadas dos colonos portugueses e que pretendia a todo o custo inviabilizar o seu projecto revolucionário. Esta situação, segundo os autores do livro, fez com que os dirigentes das tropas frelimistas naquelas províncias fossem indivíduos que dirigiram as frentes de combate de Niassa e Cabo Delgado, o que contribuiu para averbarem derrotas militares.  UNAR foi a génese No entender de Chichava, a PRM surge após a cisão da União Nacional de Rombézia (UNAR), um movimento que surge em 1968 como resultado de contradições de diferentes grupos de interesse na Frelimo. A UNAR pretendia defender os interesses dos grupos excluídos no seio da Frelimo e tinha como raio de acção a zona entre o Rovuma e Zambézia, sendo que todos que viviam nesse eixo eram chamados rombezianos.
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Segundo o pesquisador, a UNAR foi um movimento sem muita expressão e dizia-se que foi criado por Hastings Kamuzu Banda, presidente do Malawi, entre 1966 e 1994, instigado pela PIDE DGS, mas isso não foi provado. Este movimento, prossegue, caiu por terra por falta de reconhecimento externo, uma vez que a OUA não aceitava movimentos tribalistas. De seguida, criaram a UNAMO, alegando que a luta já não seria pela Rombézia, mas sim pela libertação de Moçambique e mesmo assim viu-se refém da aceitação da OUA dada a sua política de reconhecer um movimento libertador por cada país.
A UNAR, assegura Chichava, não foi grande coisa e nunca pós em causa o colonialismo português. Depois da independência, ressurge em 1976 com o nome PRM visando combater o comunismo da Frelimo. Renamo teve projecto um político Por sua vez, Domingos do Rosário, docente de Ciência Política na Universidade Eduardo Mondlane e co-autor do livro, desmente a tese segundo qual a Renamo nunca teve um projecto político e resumiu-se num movimento de “bandidos armados e marionetes do apartheid”. Fez menção à forma como a Rena
mo organizou as suas incursões armadas em fases distintas. A Primeira fase foi de destruir tudo o que encontrasse como bens do Estado, da Frelimo, poupando as igrejas e mesquitas. A segunda foi de atacar e conquistar e aqui começa a ocupar as sedes dos distritos. A última foi a criação da base social e começa a montar um sistema de educação que visava complementar o Sistema Nacional de Educação (SNE). Explica Do Rosário que, enquanto o SNE privilegiava o ensino baseado na língua portuguesa apenas, a Renamo usava os mesmos manuais, mas optava pelo uso das línguas locais nas escolas que abria nas suas zonas libertadas, fortalecendo desta maneira a sua base social. Para a Frelimo, acrescenta Do Rosário, o uso das línguas locais era meio de fomentar o tribalismo e a Renamo fazia o contrário, mas o estranho disto é que a mesma Frelimo que antes rejeitou a implementação das línguas locais decidiu recuar. O docente universitário diz que para alagar a sua base social, a Renamo desenvolveu um trabalho com os régulos para que instrumentalizassem as populações alegando que a guerra que devastava o centro e norte é movida pelos dirigentes do sul do país de modo que os “xingondos” se matem e fiquem a governar.  Falou dos naparamas, apontando que estes só existiam no centro e norte e não havia rasto deles no sul. Os naparamas, de acordo com a obra, foram uma força popular tradicional que surgiu com o intuito de defender as populações dos ataques da Renamo e Frelimo, mas que depois foram co-aptados pelos dois contendores. A obra que conta com 268 páginas, está dívida em três secções que abordam diferentes assuntos sobre o estágio da guerra civil no país e será lançada

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