A moeda angolana, o kwanza, depreciou-se este ano 47,734 por cento face à congénere europeia e 46,504 por cento frente à norte-americana, apesar de se manter estável há cerca de dois meses, segundo os dados hoje apresentados pelo Banco Nacional de Angola (BNA).

Hoje, último dia do ano, o euro está cotada a 354,828 kwanzas (a 1 de Janeiro transaccionava-se a 185,4 kwanzas/euro), o que corresponde a uma depreciação de mais de 47 por cento, tendo atingido mínimos históricos há cerca de mês em meio (355,057 kwanzas/euro).
Em relação ao dólar, a moeda angolana manteve-se estável desde segunda-feira, transaccionando-se a 310,158 kwanzas/dólar. A 1 de Janeiro deste ano, quando se situava nos 165,92 kwanzas/dólar, a moeda angolana depreciou-se 46,504 por cento.
No mercado paralelo, a moeda europeia, depois de um pico em que atingiu há um mês valores superiores a 470 kwanzas/euro, tem-se mantido estável desde então entre os 440 e 460 kwanzas, com a norte-americana a situar-se entre os 390 e 410 kwanzas.
Acabadas as sessões de venda trissemanais de divisas em leilão aos bancos comerciais, iniciadas a 9 de Janeiro último, o BNA está desde 1 de Novembro a proceder a operações diárias, tendo indicado que, em Dezembro, pretendia colocar no mercado primário 1.200 milhões de dólares (1.054 milhões de euros).
No entanto, segundo as contas feitas pela Lusa, em Dezembro, o BNA colocou 1.450 milhões de dólares (1.260 milhões de euros), repartidos por 550 milhões na primeira semana, 575 milhões na segunda, 250 milhões na terceira e 125 milhões na quarta.
Vejamos a opinião de Paulo Daniel Q. Sapateiro sobre esta questão da desvalorização da nossa moeda:

«Aumento dos preços

Essa é a consequência mais imediata e mais visível. Uma moeda fraca, exemplo do Kwanza, que é uma moeda sem circulação monetária fora das fronteiras da República de Angola, longe de afectar exclusivamente os preços dos bens e serviços importados, afecta também todos os preços internos, inclusive dos bens produzidos nacionalmente. A razão é óbvia: se a moeda enfraquece face a outras moedas congéneres estrangeiras, isso significa, por definição, que passa a ser necessário ter uma maior quantidade de moeda nacional para adquirir o mesmo bem ou serviço importado.
Bens produzidos nacionalmente também encarecem, pois as indústrias produtoras utilizam bens e serviços importados ou, no mínimo, peças importadas.
Uma simples firma que utiliza computadores e precisa continuamente de comprar peças de reposição vivenciará um grande aumento de custos.
Pior ainda: os preços dos alimentos são directamente afectados pela desvalorização da moeda.
Com a desvalorização do Kwanza, no mercado internacional, a aquisição de petróleo, café, bananas, diamantes, etc. ficou muito mais barata para os estrangeiros com moeda mais forte.
Consequentemente, as empresas e produtores angolanos dessas matérias-primas passaram a vendê-las em maior quantidade para o mercado externo, gerando uma diminuição da sua oferta no mercado interno e um aumento dos seus preços pela escassez de bens e serviços em Angola.
A desvalorização cambial mexe com toda a estrutura de preços da economia, aumentando a taxa de inflação, reduz o poder de compra dos consumidores, gera aumento das taxas de juro do banco central, encarecendo o preço do dinheiro na banca comercial, entre outras consequências directas e indirectas.
Falta de estímulo para o investimento. Qualquer moeda é antes de tudo um meio de troca, substituindo a troca directa de bens por bens, como era feita há muitos séculos atrás. É através da moeda corrente que permite os cálculos de custos e proveitos de projectos e investimentos.
Sendo o Kwanza uma moeda de circulação fechada, instável, sendo das moedas que mais caiu em valor em 2015 e já no ano de 2016 teve num só dia a oportunidade de cair 15% (04/01/2016), tal comportamento cambial influencia negativamente a vontade de investir num país com este critério depreciativo.
Quando investidores investem — principalmente os estrangeiros —, eles estão, na prática, comprando um fluxo de renda ou lucro futuro. Para que investidores (nacionais ou estrangeiros) invistam capital em actividades produtivas, eles têm de ter um mínimo de certeza e segurança de que terão um retorno positivo.
Mas se a unidade de conta é diariamente distorcida e desvalorizada, se sua definição é flutuante, há apenas incerteza no lado do investidor, independentemente da sua origem. Se um investidor não faz a menor ideia de qual será a definição da unidade de conta no futuro (sabendo apenas que seu poder de compra certamente será bem menor), o mínimo que ele irá exigir serão retornos altos num curto espaço de tempo, também por isso os preços e margens aplicadas em Angola terão que ser necessariamente maiores para compensar possíveis desvalorizações da moeda.
Para países em desenvolvimento como Angola, que precisam de investimentos estrangeiros, essa questão da estabilidade da moeda é crucial, tal como o ponto seguinte: o conhecimento.
E há outro factor: uma moeda estável cria as condições necessárias para a transferência de conhecimento. O conhecimento acompanha o investimento: o capital estrangeiro vem acompanhado de conhecimento estrangeiro.
Se um país desvaloriza continuamente a sua moeda, ele está mandando um sinal claro aos investidores estrangeiros: mantenham o seu capital e conhecimento noutros países.
O máximo a que um país de moeda fraca pode aspirar é utilizar para fins de curto prazo o capital puramente especulativo (o chamado “hot money”).
Um país de moeda forte e estável envia um sinal bem diferente ao mundo: “tragam seu dinheiro; mandem para cá seus especialistas; construam as suas fábricas aqui; ensinem-nos tudo o que vocês sabem; e riqueza que vocês criarem aqui voltará para vocês multiplicada e numa moeda que mantém seu valor”.
E é exactamente por isso que uma moeda forte e estável é indispensável para o crescimento económico. Quando a moeda é estável, investidores têm mais incentivos para se arriscar e financiar ideias novas e ousadas; eles têm mais disponibilidade para financiar a criação de uma riqueza que ainda não existe. O investimento em tecnologia é maior. O investimento em soluções ousadas para a saúde é maior. O investimento em infra-estruturas é maior.
Quando a moeda é instável — ou passa por períodos de forte desvalorização, os investidores preferem refugiar-se em investimentos tradicionais e mais seguros, como títulos do governo, ouro, etc. Neste cenário, não há segurança para investimentos de longo prazo, que são os que mais criam riqueza.
É exactamente por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, (alta inflação de preços), são raros os investimentos vultosos de longo prazo. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os juros são altos. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os bens produzidos são de baixa qualidade. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, as pessoas são mais pobres.
Uma moeda instável desestimula investimentos produtivos.
Desindustrialização. Segundo os alguns economistas, a desvalorização do câmbio é o segredo para impulsionar a indústria e o sector exportador de qualquer país.
Ao desvalorizar-se o câmbio, segundo eles, as exportações são estimuladas e, liderada por um aumento nas exportações, a indústria volta a produzir e, por conseguinte, toda a economia volta a crescer.
O primeiro grande problema é que, no mundo globalizado em que vivemos, vários exportadores são também grandes importadores. Para fabricar, com qualidade, os seus bens exportáveis, eles têm de importar máquinas e matérias-primas de várias partes do mundo. Uma mineradora e uma siderúrgica têm de utilizar maquinaria de ponta para fazer seus serviços. E elas também têm de comprar, continuamente, peças de reposição. O mesmo vale para qualquer indústria.
Se a desvalorização da moeda fizer com que os custos de produção aumentem — e irão aumentar —, então o exportador não mais terá nenhuma vantagem competitiva no mercado internacional.
Em causa não é apenas o aumento dos custos de produção gerado pela desvalorização da moeda.
Como explicado no item 1, a desvalorização cambial faz com que haja um aumento generalizado dos preços. Consequentemente, o poder de compra real das pessoas diminui. Com a renda em queda, as pessoas consomem menos. Consequentemente, as vendas do comércio diminuem e os stocks acumulam-se nos armazéns, nas lojas, etc..
O dinheiro representa a metade de toda e qualquer transacção económica, a saúde da moeda irá determinar a saúde de toda a economia. Se a moeda é instável, a economia também se torna instável.
Não há como uma economia se fortalecer, se a nossa moeda se mantém numa trajectória de enfraquecimento. Como no caso de Angola, muito dependente de importações, dos bens e serviços essenciais aos mais tecnológicos e complexos, pelo que com uma moeda fraca e instável e ainda a escassez de divisas, gerará tempos conturbados de oferta de bens e serviços a preços que estão de acordo com o poder de compra de todos os que habitam e trabalham em Angola.»