Faltam poucos dias para conhecermos um novo ano. Se eu tiver que fazer uma análise política daquilo que foi o ano de 2018 para a República de Angola, começarei por dizer que, este país, para além de vários problemas sociais internos, perdeu a capacidade de consolidar as suas amizades com os países irmãos e amigos acolhedores de longa data, com destaque a República Democrática do Congo (RDC).

Por João Kanda Bernardo
Em Outubro do ano em curso, quando Angola celebrava 40 anos dos acordos de boa vizinhança com a RDC, as autoridades angolanas sem um estudo sociológico profundo levaram a cabo uma operação intitulada “Operação Transparência/Resgate“, que também continua a vitimar muitos cidadãos deste país vizinho residentes em Angola.
Com esta operação cujo desfecho e as vantagens ainda não são claras, só para não dizer desconhecidas aos olhos dos angolanos, o apartheid social revitalizou-se.
Antes de eu resumir a minha análise sobre o actual estado de amizade entre Luanda e Kinshasa, noutras vertentes, como por exemplo no ponto de vista da Teoria da Anomia, isto é, na perspectiva do Sociólogo Criminal Robert King Merton, gostaria de lembrar os angolanos de forma aminiaturizada o historial das relações bilaterais entre a República de Angola e a RDC.
As turbulências nas relações bilaterais destes dois países vizinhos começaram a surgir desde a época das (e/ou pós) independências, mas os seus estadistas, pelo que se registou na altura, nunca pouparam os esforços no melhoramento do clima político.
No ponto de vista histórico importa recordar que:
Por iniciativa do Estado angolano, teve lugar um encontro em Brazzaville entre o presidente Agostinho Neto e o seu homólogo Mobutu Sese Seko, em Março de 1976. As conversações com o ex-Zaire (actual RDC) visaram a normalização das relações bilaterais no âmbito económico e político, apesar das incompatibilidades políticas e ideológicas entre os dois países.
Este diálogo entre Agostinho Neto e Mobutu Sese Seko foi classificado por Jonas Savimbi como “um casamento com dote”.
Vários líderes africanos também felicitaram o presidente Agostinho Neto pela normalização das relações com o ex-Zaire. Aristides Pereira, Presidente de Cabo Verde, enviou um telegrama de felicitações ao seu homólogo angolano pela regularização das relações com o país vizinho da República Popular de Angola (actual República de Angola). O chefe de Estado do Congo Brazzaville, Joachim-Jacques Yhombi-Opango, endereçou uma mensagem de felicitações nesse sentido. Quanto ao Presidente da Costa do Marfim, Houphouet Boigny, enviou uma mensagem conjunta aos presidentes Mobutu Sese Seko e Agostinho Neto
Após algumas iniciativas de desbloqueamento, levadas a cabo no início de 1978, as relações entre os dois países, no mês de Abril daquele ano, eram atravessadas por dificuldades e tensão. O encontro entre os representantes da ex-RPA e do ex-Zaire (actual RDC) visou atenuar as diferenças e suspeições, o extenso contencioso que os separava, mas também o sentimento de que os regimes de Angola e do ex-Zaire chegariam, a curto prazo, a um entendimento.
O chefe de Estado de Angola, após as conversações mantidas com o presidente português em Bissau, concedeu uma entrevista ao jornal francês Le Monde, de que o Jornal de Angola apresentou um resumo, tendo destacado a crítica que o chefe de Estado angolano fez ao pretexto invocado pelo presidente francês, Giscard d’Estaing, para a criação de uma força inter-africana, pois não fazia sentido a formação daquele exército dirigido pela França, uma vez “que não houve intervenção estrangeira no Zaire.
Uma delegação angolana, chefiada por Manuel Rodrigues “Kito”, de que fazia parte Emílio Guerra, do MPLA, esteve em Kinshasa no dia 28 de Julho de 1978, a fim de manter contactos com as autoridades zairenses para a abertura, em Angola, de uma representação diplomática do ex-Zaire, país onde Jonas Savimbi esteve no mês de Agosto daquele ano, em trânsito para a Costa do Marfim.
Em Outubro de 1978, esteve reunida em Kinshasa, a delegação angolana chefiada por Pedro Van Dúnem Loy, que sublinhou a necessidade de as duas partes discutirem problemas relacionados com os refugiados e também assinarem acordos de cooperação económica. No dia 16 do mesmo mês e ano, o Presidente Mobutu Sese Seko realizou um comício no Lobito, onde afirmou que, custe o que custar, deverá haver amizade e solidariedade entre estes dois países vizinhos e irmãos. No dia seguinte foi oferecido um banquete oficial, ao presidente Mobutu Sese Seko, com quem o seu homólogo angolano assinou acordos de boa vizinhança, de cooperação económica e industrial.
Depois dos 40 anos dos acordos de boa vizinhança entre Angola e a RDC, as perguntas que surgem são:
Há uma boa (livre) circulação de angolanos ou congoleses, dum país ao outro?
A discriminação entre ambos diminuiu ou aumentou?
Quem é o langa e quem é o chungo?
Hoje o Chinês e o Português têm mais privilégios do que um (estrangeiro) africano em Angola.
Qual é o contributo de Angola para a pacificação da RDC e/ou redução da tensão política face às Eleições de Dezembro de 2018?
Como podemos interpretar os acordos de boa vizinhança entre Angola e a RDC hoje?
Com a Operação Resgate, o Governo (MPLA) está mais preocupado com o repatriamento dos cidadãos dos países vizinhos, de modo particular da RDC, que ele mesmo deixou entrar ilegalmente no país, a partir de Cabinda e das Lundas, em 2008, 2012 e 2017 para fins eleitorais. Esta postura só vem legitimar as inúmeras denúncias feitas pela Oposição e Sociedade civil angolana, por ocasião das eleições.
O Presidente de Angola, João Lourenço esqueceu-se que, o país que temos hoje é o fruto da má gestão do seu partido, MPLA, que durante muitos anos foi aplicando aquilo que podemos interpretar e enquadrar segundo a Teoria da Anomia, na perspectiva do Sociólogo Criminal Robert King Merton.
Durante este tempo todo, algumas pessoas olhavam para o MPLA como uma organização de criminosos, porque nele (MPLA) encontra-se com facilidade a ausência de um “conjunto de normas sociais” capaz de regular o convívio social marcado pela solidariedade.
Alguns congoleses que o MPLA deixou entrar ilegalmente no país para fins eleitorais, não foram submetidos aos programas e sistemas de integração social de Angola. Estes por sua vez contribuíram bastante na proliferação religiosa em Angola, porque entendiam que a actividade religiosa era o meio mais fácil de sobrevivência, acabando por transformar estas igrejas em organizações criminosas, através das suas práticas.
E porque é que o povo acreditava nestas organizações?
Finalmente a compreensão do fenómeno da expansão das confissões religiosas em Angola, que é uma das consequências de imigração ilegal, obriga-nos a consultar a teoria da sociologia criminal. Segundo o Robert King Merton, as organizações criminosas aproveitam-se das disfunções das estruturas sociais (famílias, as escolas e as outras instituições estatais) e substituindo o lugar destas estruturas, oferecem aos sujeitos aquilo que estas estruturas deviam dar (educação, instrução, saúde, lazer etc.). Visto que, as organizações criminosas que se substituem às instituições sociais, aparentemente, fazem bem aos sujeitos; estes acabam por aceitar a organização criminosa e criminalidade como factos normais (legitimação social da criminalidade). Portanto, a proliferação religiosa em Angola é, segundo o meu ponto de vista, uma forma de criminalidade organizada que encontra legitimação por parte da população. Pelo que, há uma relação Causa-efeito.