Decisão do Presidente leva a demissões. A mais recente foi a do diplomata Brett McGurk, considerado o responsável pela unidade dos 79 países que combatem o Daesh.
O que teria levado o Presidente dos EUA, Donald Trump, a decidir retirar as tropas americanas da Síria, contra a opinião de todos os seus conselheiros e sem avisar aliados? Os media americanos relatavam que a origem está numa pergunta que lhe foi feita pelo Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, num telefonema a 14 de Dezembro.
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Trump já queria há muito retirar as tropas americanas da Síria, onde estão desde 2015, a treinar forças curdas e dar-lhes apoio aéreo (e não em combates no terreno). Mas teria desistido quando o seu conselheiro de segurança nacional John Bolton lhe apresentou um plano baseado na necessidade de fazer o Irão sair da Síria (depois de derrotado o Daesh e de estabelecido um novo Governo). Isto era importante também para Israel, cada vez mais ocupado com a presença do Irão e do Hezbollah, milícia xiita libanesa apoiada por Teerão, na Síria.
O telefonema com Erdogan provocou o que o diário Washington Post classifica como “uma série de acontecimentos cataclísmicos, mesmo tendo em conta o padrão tempestuoso dos anos Trump”: o sentimento de abandono de um aliado, com o dano respectivo para a credibilidade dos EUA, e a demissão do secretário da Defesa, Jim Mattis, um elemento do Governo respeitado tanto por republicanos como democratas e, mais, tido como um dos pilares de estabilidade pelos aliados estrangeiros, defensor da NATO e visto como contrapeso a impulsos isolacionistas de Trump, sublinha a agência Reuters.
Na sexta-feira, o enviado norte-americano para a luta global contra o Daesh, Brett McGurk, anunciou também a sua demissão. McGurk é um diplomata a quem é dado o crédito de manter a coligação internacional (de 79 países) que luta contra o Daesh, composta de interesses muito diferentes.
30 mil combatentes
A Turquia, preocupada com o fortalecimento dos curdos na Síria, ameaçava uma operação contra as forças curdas apoiados pelos EUA – que lutam contra o Daesh no local. O Daesh perdeu território e o que chamava o seu “califado”, mas continua activo em algumas zonas, com milhares de combatentes activos (segundo a jornalista do New York Times Rukmini Callimachi, que é uma autoridade em Daesh, serão 30.000 combatentes), e outros que regressaram à vida civil mas podem rapidamente voltar a lutar. O grupo inspira e dirige ataques terroristas no estrangeiro.
Trump tinha sido preparado para o telefonema e esperava-se que, como já tinha feito antes, dissuadisse Erdogan, eventualmente oferecendo-lhe uma contrapartida. Mas este começou com uma pergunta: porque é que os EUA mantinham as tropas na Síria se o Daesh já foi derrotado? Havia poucos elementos do grupo e a Turquia poderia encarregar-se deles, argumentou.
Trump fez a pergunta a Bolton, que estava em linha e admitiu que sim, 99% do território que fora do Daesh na Síria e no Iraque foi-lhe retirado, mas repetiu que era necessária uma vitória duradoura, o que implica mais do que o domínio deste território. Trump ignorou-o e respondeu a Erdogan: “Ok, vou retirar, fiquem vocês com isso”, terá dito Trump, segundo várias fontes que relataram a história a media americanos, como a Associated Press ou o Washington Post.
Foi de tal modo surpreendente que o próprio Erdogan ficou no papel de explicar a Trump que retirar abruptamente talvez não fosse boa ideia – para a Turquia certamente não é, já que, ao contrário do que disse Erdogan, não tem capacidade no terreno para ocupar as posições americanas e lutar contra o Daesh, que poderá ver uma oportunidade para se reerguer.
Outro grande beneficiário da decisão de Trump deverá ser o regime de Bashar al-Assad, que poderá ocupar a região se negociar com os curdos, e os seus apoiantes Irão e Rússia.
O Irão reagiu à retirada americana este sábado. Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros disse que a presença dos EUA era “um erro, sem lógica e fonte de tensão”. Teerão opõe-se à presença de qualquer força estrangeira na Síria excepto se convidadas pelo regime de Assad.
Uma série de responsáveis da Administração, como o próprio Mattis, tentaram convencer Trump a reverter a decisão. Em vão. Antes de comunicar algo aos aliados, o Presidente anunciou a retirada no Twitter.
Vários republicanos criticaram a decisão de Trump. O senador do Tennessee Bob Corker disse que não percebia uma retirada quando estava planeada uma grande ofensiva contra o Daesh para breve. Outros compararam a decisão com a retirada das tropas do Iraque levada a cabo por Barack Obama, em 2012, que abriu espaço à emergência do Daesh.
“Numa altura em que estamos a ter batalhas ferozes nos últimos bastiões do ISIS [Daesh] e a lutar contra as suas células adormecidas, a decisão da Casa Branca retirar do Norte e Leste da Síria vai afectar de modo negativo a luta contra o terrorismo”, disseram em comunicado as Forças Democráticas de Síria, maioritariamente curdas, num comunicado citado pela revista Time.
Os curdos foram essenciais neste esforço e Rukmini Callimachi recorda que os EUA perderam um total de quatro soldados na Síria desde 2015. Os curdos perderam cerca de dez mil militares na luta contra o Daesh.
E com a retirada americana, os curdos da Síria ficam com muito poucas alternativas. Ameaçados pela Turquia, que já disse que iria bombardeá-los, “a única coisa que podem fazer é lançar-se nos braços do regime”, diz Heiko Wimmen, responsável pelo Iraque, Síria e Líbano do International Crisis Group.
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