A Comissão Multisectorial para a Exumação, Trasladação e Inumação dos Restos Mortais de Jonas Malheiro Savimbi tinha agendado para 20 de Dezembro passado o enterro do líder rebelde da UNITA, morto a 22 de Fevereiro de 2012.
O adiamento do cronograma de acções traçado pela referida comissão levou o presidente João Lourenço, em recente conferência de imprensa, a acusar a direcção da UNITA de atrasar o processo.
Muitos angolanos têm notado, desde 1992, a forma como o regime do ex-presidente José Eduardo dos Santos tratou os cadáveres dos seus inimigos importantes, usando-os como um lúgubre trunfo político. Para além de Savimbi, a lista inclui os antigos vice-presidente da UNITA, Jeremias Chitunda, secretário-geral da UNITA, Alicerces Mango, e chefe negociador da UNITA, Salupeto Pena, mortos nos massacres de Luanda, em 1992. Os corpos foram mantidos em local desconhecido, numa prática associada à propaganda política que conferia, entre outros, o título de magnânimo ao “arquitecto da paz”, José Eduardo dos Santos.
João Lourenço, por sua vez e muito bem, tem demonstrado, sobretudo, sensibilidade humana na sua decisão de pôr fim à política obscura de esconder cadáveres de antigos inimigos, devolvendo-os aos familiares, para que estes os enterrem de forma condigna.
Essa medida tem profundas implicações no processo de catarse nacional, que urge empreender, depois de décadas de matanças entre angolanos. Sobre isso, falaremos adiante.
Por ora, não se compreende por que razão, depois de um grande passo em frente, o presidente recuou dois passos na conferência de imprensa, gerando confusão sobre o processo de enterro de Savimbi.
Segundo informações fidedignas apuradas pelo Maka Angola, o pomo da discórdia entre a UNITA e a Casa de Segurança do PR, que coordena a sobredita comissão, assenta no cronograma.
A 2 de Dezembro, domingo, os membros da Comissão Organizadora das Exéquias de Savimbi foram convocados para uma reunião urgente no dia seguinte, em que participaria o coordenador da comissão multisectorial – o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do PR, general Pedro Sebastião.
Na aludida reunião, o ministro convidou a direcção da UNITA e familiares de Jonas Savimbi a acompanharem-no, no dia seguinte (4 de Dezembro), à província do Moxico, onde o ex-líder rebelde tombou. Nesse dia, seria feito o anúncio público da exumação do cadáver e o programa das exéquias fúnebres.
Só nessa reunião a UNITA teve conhecimento do referido programa, que passaria pela entrega dos restos mortais à família, no município do Andulo, província do Bié, a 19 de Dezembro. As exéquias seriam realizadas no dia seguinte, no município que foi o último bastião da UNITA, no período de Guerra, e culminaria com o enterro de Savimbi a 21 de Dezembro, na aldeia do Lopitanga, no Andulo.
A UNITA, por sua vez, concordou com o cronograma referente à exumação, extracção de amostras para o ADN e conservação do corpo. O governo concedia apenas três dias para a vinda da irmã de Savimbi, residente em Portugal, assim como de especialistas de um laboratório de genética, em França, que recolheriam amostras dos restos mortais para os testes de ADN. Mas, contra a vontade da família Savimbi, estes últimos ficariam apenas em Luanda, não estando presentes no acto de exumação. Até 18 de Dezembro, num espaço de 11 dias, estavam previstas duas viagens a França para entrega e recolha dos testes e sua abertura em Luanda, na presença de membros da comissão e familiares. Esse calendário apertado mereceu reservas por parte dos familiares.
A UNITA, por sua vez, discordou das datas previstas para a trasladação e o enterro, por causa do período chuvoso e da falta de condições básicas no Lopitanga para a realização da cerimónia fúnebre.
A UNITA propôs o mês de Junho, na estação seca, para que houvesse tempo de construir um túmulo, proceder a arranjos paisagísticos, organizar a vinda de familiares e amigos do exterior do país, e toda a logística para a ida de caravanas de militantes de todas as províncias. Segundo a UNITA, 20 dias não seriam suficientes para esta organização, pelo que o partido insiste no mês de Junho, data inicialmente negociada com o governo.
Por certo, o impasse sobre o funeral de Savimbi teria passado despercebido caso o presidente se limitasse a reiterar a sua boa vontade, o seu gesto de reconciliação em prover todos os meios necessários para a realização da cerimónia.
A UNITA aproveitou a inflexibilidade demonstrada pelo general Pedro Sebastião para entender que o governo quer o enterro, mas não quer que o mesmo assuma grande dimensão política.
Eis a confusão dos aproveitamentos ou dividendos políticos. Obviamente, o enterro de Savimbi terá grande impacto nacional, porque a sua figura carismática e controversa dispensa apresentações.
Mas o maior aproveitamento que se pode fazer da cerimónia fúnebre tem a ver, precisamente, com a reconciliação nacional, e deve ser o presidente a liderar, sem dúvidas e em permanência, este processo. Já o fez com o funeral do então chefe do Estado-Maior das FALA e sobrinho de Savimbi, general Arlindo Chenda Pena “Ben-Ben”, que esteve enterrado na África do Sul desde 1998. O governo concedeu-lhe um enterro, no Lopitanga, com honras militares e João Lourenço assinou o livro de condolências. Sentiu-se apenas a paz.
Cabe agora ao presidente solicitar aos três movimentos de libertação nacional – o MPLA, a UNITA e a FNLA – as suas propostas para a Reparação e Conservação da Memória Histórica. Esse projecto deve incluir a factualidade sobre os massacres e assassinatos políticos perpetrados no seio dessas organizações e nas lutas entre si. Como sequência, os mortos devem ser catalogados e deve haver, tanto quanto possível, comunicação oficial dessas instituições às famílias das vítimas, com um pedido de perdão. Até hoje, incontáveis famílias choram pelo massacres de Kinkuzu (FNLA), do 27 de Maio de 1977 (MPLA) e da queima das bruxas (UNITA), entre vários outros acontecimentos sangrentos.
Com o enterro de Savimbi, poderemos finalmente saber o destino dado aos cadáveres de Rosário Neto (FNLA), Nito Alves, Monstro Imortal, Zé Vandúnem, Nandi Kassanje e tantos outros (MPLA), Chindondo, Tito Chingunji, Wilson dos Santos, Ana Savimbi e tantos outros (UNITA).
Sem nos entendermos com o passado, não conseguiremos enfrentar o presente. Para o conseguirmos, é necessária abertura de espírito, é necessário construirmos um futuro de soberania e desenvolvimento humano potenciadores do desenvolvimento económico-social.
A presidência de João Lourenço pode e deve ser marcada por medidas profundas de união dos angolanos, com base na verdade, na transparência e no exercício pleno da cidadania.
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