Quem é o advogado do diabo? Eu!
Na sequência do conflito comercial entre a SIMORede e a BIZFIRST, muitos analistas de corrida de velocidade apressaram-se em julgamentos públicos e precipitados. Estes julgamentos predominantes nas redes sociais condenaram explícita e impiedosamente a SIMORede com o estatuto de diabo e, implicitamente, santificaram a BIZFIRST.
Em consequência, a SIMORede aparece órfã e vilã de um conflito comercial cujos contornos ou os detalhes ainda são ínfimos para fazer julgamentos, quanto mais não sejam julgamentos precipitados.
Assim, eu decidi ser advogado do diabo, ciente de que tenho informação necessária, mas não suficiente para disputar com os juízes que julgaram e condenaram explícita e impiedosamente a SIMORede ao estatuto de diabo. Neste exercício de advocacia, eu vou incidir sobre dois aspectos. Primeiro, a questão dos procedimentos. Segundo e último, a questão da soberania. Em ambos aspectos, a abordagem predominantemente consiste em fazer mais perguntas do que apresentar julgamentos!
Procedimentos correctos?
A BIZFIRST é uma empresa originária de um país com uma cultura democrática e empresarial de longa data e aparentemente consolidada. Este facto, de per si, coloca uma elevada pressão a esta empresa que tem a responsabilidade de zelar pelo prestígio democrático e empresarial do seu país. Isto passa, necessariamente, pelo respeito e pela implementação escrupulosa de procedimentos administrativos que salvaguardem o bem público. Isto significa que a BIZFIRST, tal como qualquer empresa, seja ela pequena, média ou grande, tem uma enorme responsabilidade para com a estabilidade sócio-econômica e até política de um Estado.
No entanto, a BIZFIRST não mostrou, até agora, evidências claras de que cumpriu escrupulosamente com os procedimentos administrativos inerentes à um conflito de natureza meramente comercial. A prova disso é que a BIZFIRST ainda não disse que esgotou todos os mecanismos judiciais e extrajudiciais para resolver o conflito com a SIMORede.
Em termos judiciais, a BIZFIRST ainda não disse o que preconiza o contrato celebrado com a SIMORede. Acima de tudo, a BIZFIRST ainda não disse e nem provou que explorou os mecanismos judiciais, em Portugal e em Moçambique até à exaustão. No caso de insucesso ou de insatisfação dos sistemas judiciais dos dois países, a BIZFIRST tem a possibilidade de recorrer a arbitragem internacional. Isto é básico em contratos comerciais. Será que a arbitragem internacional foi accionada, mas fracassou?
Em termos extrajudiciais, a BIZFIRST ainda não provou que todas entidades do sistema financeiro e até político se negaram a ajudar a resolver o conflito com a SIMORede. A BIZFIRST ainda não provou que os seus lobbies, inclusive na representação diplomática de Moçambique, em Portugal e a representação diplomática de Portugal, em Moçambique, não ajudaram a resolver o conflito comercial com a SIMORede. Ou será que a BIZFIRST não tem lobbies ou esqueceu-se de usar os lobbies diplomáticos?
O mais grave de tudo é que, em termos de procedimentos, a BIZFIRST demonstrou uma total desconsideração em relação ao público, aos consumidores dos seus serviços. Aqui, o argumento de que aguentou (em boa fé) dois a tentar resolver o conflito é uma desculpa absolutamente esfarrapada. Existem bários aspectos para provar essa desconsideração.
O primeiro aspecto é que, em nenhum momento, a BIZFIRST se comunicou com o público, com os consumidores dos serviços. Ou será que não tinha essa obrigação contratual? E a obrigação moral? Aonde é que fica? E se a BIZFIRST tivesse vindo a público apresentar queixas contra a SIMORede, será teríamos chegado a actual situação desagradável? O segundo aspecto e mais gritante é que a BIZFIRST esqueceu propositadamente de avisar ao público que ia criar o apagão para as pessoas se precaverem das consequências desagradáveis. De forma deliberada, a BIZFIRST esqueceu de assegurar serviços mínimos para proteger o público que não foi, nem todo, nem achado, na hora de celebrar o contrato com a SIMORede. Essa é a forma respeitosa como se procede em democracias e em relação aos consumidores que verdadeiramente contam.
Soberania respeitada?
A soberania é um valor importante na política e na segurança de qualquer Estado, inclusive no país de origem da BIZFIRST. Com efeito, a BIZFIRST não veio a público refutar a acusação da SIMORede a cerca da alegada chantagem que toca com a soberania, mesmo que seja superficialmente. Por que será? A BIZFIRST está a espera de ver a SIMORede vir a público revelar, com detalhes, a magnitude da chantagem que interfere na soberania? Para qualquer pessoa que estuda assuntos de soberania, sabe que a interferência grosseira na soberania dos Estados é o pão de cada dia das empresas que operam no mundo capitalista, ávido por lucros faraônicos.
Em matéria de soberania, a BIZFIRST e todas empresas de capital nacional, bem como estrangeiro deve saber que Moçambique está a evoluir. Hoje, existe uma elevada sensibilidade dos Moçambicanos em relação ao dever de negociar contratos que salvaguardem a soberania do Estado. Isto não significa que os quadros Moçambicanos não sabem que a soberania não é, em parte alguma, algo absoluto. Isto não significa que os quadros Moçambicanos não sabem que a soberania é algo negociável, até um certo ponto, desde que salvaguarde interesses mútuos.
Com efeito, é de elogiar a atitude da SIMORede por se lembrar que têm responsabilidade na defesa e na promoção da soberania de Moçambique. Esta postura da SIMORede merece elogio porque trata-se de um sector sensível para a vitalidade econômica, para a estabilidade e, sem sombra de dúvidas, para a segurança econômica de Moçambique. Além disso, a postura da SIMORede merece elogio porque, como Estado, Moçambique já perdeu muito (econômica e politicamente) devido a contratos que ignoraram a componente soberania e privilegiaram a componente financeira. Como Estado, Moçambique precisa desesperadamente de dinheiro para viver, mas esse desespero não pode, nem deve por em causa a soberania de Moçambique, sobretudo se não for de livre vontade, para alcançar ganhos fabulosos, a curto, a médio e a longo prazos.
Para quem está atento aos nacionalismos políticos e econômicos que estão a explodir nas relações internacionais, a postura de defesa da soberania que a SIMORede demonstrou é quase nada. Ainda não está no nacionalismo econômico ao nível de guerra comercial a moda Trump, aos subsídios a agricultura, bem como as barreiras tarifárias impostas pela Europa e América. Este é, entretanto, outro assunto quente...
Considerações finais
Como sempre, o diabo também tem advogado e contra-argumentos. Uns advogados contra-argumentam com julgamentos, outros advogados do diabo, como é o meu caso, contra-argumentam com perguntas. O objectivo primeiro é mostrar o outro lado da história.
Portanto, eu termino este exercício de advocacia a favor do diabo com mais duas perguntas que não querem calar.
1. Será que a BIZFIRST teria ou terá o mesmo comportamento se tiver um conflito similar em um país Europeu?
2. Qual é a diferença entre o apagão imposto pela BIZFIRST e uma emboscada de um grupo insurgente ou terrorista?
Calton Cadeado
Ps: ao nossos analistas-juízes das redes sociais, fica claro uma incoerência. Se por um lado exigem que o Estado seja firme na negociação de contratos que defendam o Estado e a população, agora que a SIMORede está a cumprir a exigência está a ganhar um julgamento público que coloca no estatuto de diabo!
Ps: alguns analistas-juízes, das redes sociais, adeptos do sensacionalismo e da politização exigem que o Estado renegoceie contratos com multinacionais que feriram a soberania. Agora, a SIMORede diz que a soberania está a ser ameacada. Mas, curiosamente, no lugar de ajudar a defender a soberania, os analistas-juízes, das redes sociais, ignoram completamente o argumento da soberania para privilegiar a demonização de quem diz que está a defender a soberania de Moçambique!
Ps: analistas-juízes, das redes sociais, que incentivo ou mensagem estão a dar para outros negociadores que ousarem defender a soberania de Moçambique?
Ps: “Moçambique já não é um país de quem se fala. Moçambique é um país com quem se fala”...
Ps: alguns analistas-juízes, das redes sociais, adeptos do sensacionalismo e da politização exigem que o Estado renegoceie contratos com multinacionais que feriram a soberania. Agora, a SIMORede diz que a soberania está a ser ameacada. Mas, curiosamente, no lugar de ajudar a defender a soberania, os analistas-juízes, das redes sociais, ignoram completamente o argumento da soberania para privilegiar a demonização de quem diz que está a defender a soberania de Moçambique!
Ps: analistas-juízes, das redes sociais, que incentivo ou mensagem estão a dar para outros negociadores que ousarem defender a soberania de Moçambique?
Ps: “Moçambique já não é um país de quem se fala. Moçambique é um país com quem se fala”...
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