JULGAMENTO DO IDOSO QUE VIOLOU UMA MENOR
Incipiente regulamentação prejudica os direitos da(o)s menores vítimas de crimes sexuais.
Tenho estado a assistir à excertos de um julgamento que corre os seus termos na cidade de Nampula, que tem que ver com um cidadão idoso de 60 anos de idade (mais desgastado do que propriamente idoso) que terá presumivelmente violado sexualmente à uma menor de 12 anos nos respectivos aposentos (provavelmente de forma continuada, atendendo ao carácter habitual deste tipo de infracções).
Pela televisão, percebi que enquanto a menor descrevia detalhadamente os factos de que a mesma foi vítima, muitos microfones invadiam o seu rosto na busca de melhor captação das suas palavras, onde pelo qual, todos telespectadores tiveram a oportunidade de ouvir as descrições (arrepiantes, diga-se) pela menor feitas.
Na transmissão da notícia, os jornalistas tiveram o cuidado de omitir os dados pessoais da vítima e proteger-lhe a imagem, com base na censura óptica. Assim, mostra-se praticamente impossível chegar à sua identidade por via da mera observação visual, salvo para as pessoas que assistiram directamente o julgamento, incluíndo os próprios jornalistas e a respectiva equipa de edição.
Contudo me parece que, tratando-se de uma menor, havia, necessariamente uma premente necessidade de se proceder à uma censura auditiva, quer dizer, alterar a voz da própria menor (que me parece um exercício corriqueiro nos dias de hoje), como forma reforçada de proteger a sua identidade. Hodiernamente, a identificação de pessoas por voz é de tal modo fácil, onde qualquer aparelho com tecnologia básica pode fazer. Ademais, não sei se interessava propriamente ao domínio público ouvir da própria criança, as peripécias por ela sofrida causadas pelo senhor idoso.
Confesso que sou adepto fanático da liberdade de imprensa, mas penso que, quando existem menores vítimas de crimes sexuais (sejam meninos ou meninas), esta liberdade deverá refrear em benefício da protecção dos menores de todas formas.
Poder-se-á alegar que os jornalistas foram autorizadas pela juíza da causa (nos termos do art.º 407 CPP) a fazer aquela reportagem. Mas a pergunta que coloco é se, de facto, os juízes têm tanto poder assim, ao ponto de, em detrimento do consentimento familiar, autorizar a captação de sons no acto da produção de prova? Os menores de 12 anos, no nosso actual Código Penal, ainda gozam de protecção absoluta nos crimes sexuais (ou crimes contra a liberdade sexual, para ser mais técnico), por isso o nosso Processo Penal dispõe de uma série de condicionalismo nas intervenções destes, mesmo nos casos em que os mesmos tenham que intervir na causa (devendo imediatamente ser retirados da sala após a sua audição).
Não quero cá dizer que tanto a juíza, como os jornalistas agiram ilegalmente, pois que há umas palavrinhas constantes do parágrafo 2.º, do art.º 407 CPP que autorizam os jornalistas (em exercício de funções) à participarem nas audiências de julgamento. Contudo, à semelhança de legislações mais avançadas (diga-se p. ex. Brazil), a intervenção dos jornalistas em julgamentos custou ao legislador mais de 5 artigos, com cada um deles, pelo menos 6 a 7 alíneas. Quer dizer, se mostra suficientemente regulamentada e não se deixa ao critério da boa vontade dos magistrados ou de quem quer que seja que tenha interesses corporativistas.
Um dos mais famosos clichês jurídicos é que direitos constitucionais não se devem interpretar de forma absoluta. Estes interagem entre si, assim como se manifesta a relação entre os electrões, neutrões e protões, que em conjunto, constituem a matéria.
Quando, nas estadas e avenidas jurídicas deparamos com o cruzamento de uma viatura que transporta os direitos dos adultos e noutra, na perpendicular, que, por sua vez transporta os direitos dos infantes, a primeira deverá, necessariamente (quiçá, incondicionalmente), ceder prioridade à segunda.
Para terminar, importa referir que pelo facto dos tribunais defenderem a legalidade, não se deve, daí concluir que estes sejam consequentemente donos e nem sequer senhores dos direitos das crianças vítimas de crimes sexuais em julgamento.
À bem dos futuros adultos.
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