quinta-feira, 20 de setembro de 2018

RAPTO INVENTADO: DANIEL CEM ATACA MAIS UM INOCENTE



Insatisfeito com a condenação de sete pastores e responsáveis da Igreja Adventista do Sétimo Dia, a quem inicialmente acusava de terem influenciado a sua derrota eleitoral e perda da liderança, Daniel Cem quer condenar mais um.
Trata-se da novela espúria que tem acompanhado o falso rapto de Daniel Cem, ex-líder da Igreja Adventista do Sétimo Dia, inventado pelo próprio a 29 de Outubro de 2015 com o objectivo de extorquir cem milhões de kwanzas dos cofres da instituição.
Caso este oitavo servidor da igreja não seja condenado – ele foi inicialmente afastado do processo por um procedimento técnico –, cairá por terra a invenção de Daniel Cem segundo a qual teria sido raptado a mando dos seus colegas. O Ministério Público reconhece finalmente que Daniel Cem montou um ardil e por isso abstém-se de acusar João Sonhi.
A mudança de rumo da justiça, porém, chega demasiado tarde para João Alfredo Dala. João Dala morreu há dias, por consequência da indescritível tortura que sofreu às mãos dos comissários Fernando Receado, Ngola Kina e Pedro Lufungula – todos altos chefes do SIC –, de Daniel Cem e do seu irmão Carlos Cem, bem como do sobrinho destes, o tenente-coronel Domingos Terça Massaqui.
A tortura de João Dala ao longo de 15 horas seguidas foi a argamassa com que se construiu a acusação, tendo o mesmo sido obrigado a gravar um vídeo em que se acusava a si e aos pastores de terem sido os mandantes do rapto que nunca aconteceu. Neste “caso” mirabolante só teria havido mandantes, e nenhuns executantes. Os raptores bem poderiam ter sido fantasmas: só Daniel Cem sabe deles. Segundo a narrativa de Daniel Cem, os seus raptores terão sido os homens que lhe salvaram a vida, tendo-lhe até concedido, a título de empréstimo, parte do dinheiro para o pagamento do resgate. Dos raptores-credores, nem sinal – só se encontraram, acusaram e condenaram os “mandantes”.
Várias reacções e revelações têm emergido, as quais ajudam a compreender melhor a selvajaria dos torturadores, bem como a cumplicidade institucional dos procuradores e do juiz António Francisco, da 13.ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, no Kilamba Kiaxi.

Esses erros! Esses erros!
Sobre a acusação anterior do Ministério Público (que levou à condenação dos sete pastores e responsáveis da igreja), os pastores Teixeira Vinte e Burns Sibanda (dois dos condenados) revelam o teor da conversa que mantiveram, a 14 de Agosto passado, no Hotel Messe (Huambo), com o procurador-geral adjunto Luciano Cachaca Kumbua, o responsável pela acusação.
Sobre a prisão e condenação dos pastores, o procurador-adjunto “reconheceu que, ‘afinal, aquele caso [o rapto] foi montado. Ah! Esses erros, esses erros!’”, revelam os dois pastores.
Só que este caso não foi um simples “erro” do Ministério Público, que agora se abstém de acusar. Foi cometido um crime contra inocentes, por oficiais do SIC, com a cumplicidade activa do Ministério Público e do juiz António Francisco, e ainda com o Tribunal Supremo a fechar-se em copas.
Sobre a invenção do rapto, não é preciso chamar o afamado e fictício detective inglês Sherlock Homes para desvendar o tosco ardil. O rapto foi comunicado à Polícia 12 horas antes de ter “acontecido”, por um sobrinho do pastor Daniel Cem, o tenente-coronel Domingos Terça Massaqui, que também identificou a matrícula do carro usado na operação.
Com base nessa encenação, o pastor Teixeira Mateus Vinte, actual líder da Igreja Adventista, foi condenado a uma pena de cinco anos e um mês de prisão. Como consequência deste acto vil do sistema judicial angolano, não pôde realizar o seu mestrado nos Estados Unidos.
João Alfredo Dala (falecido há dias), Garcia José Dala e António Dala Hebo foram condenados a quatro anos e três meses de prisão.
Por sua vez, os pastores estrangeiros Burns Musa Sibanda (Zimbabué) e Passmore Hachalinga (Zâmbia) receberam penas de três anos e seis meses cada. Burns Sibanda está impedido pelas autoridades judiciais de prosseguir com o tratamento contra o cancro, há mais de um ano, depois de ter sofrido uma operação na Califórnia, semanas antes da sua detenção.
O pastor Hachalinga é o director do Centro Regional de Pesquisa da Igreja Adventista do 7.º Dia, com base na Cidade do Cabo, África do Sul, e está impedido de exercer a sua função há mais de um ano. “A igreja aqui já gastou mais de cinco milhões de kwanzas com as minhas despesas de hotel e alimentação, enquanto aguardamos uma decisão judicial”, explica.
Da esquerda para a direita: João Sala, Teixeira Vinte, Garcia Sala, Passmore Hachalinga e Burns Sibanda

Recurso às Nações Unidas
“A igreja, no país, tem mantido certo distanciamento no caso por respeito à soberania de Angola, mas aqui não há justiça e o país não se faz respeitar. O governo não respeita os direitos humanos. Os factos são claros sobre a nossa inocência e a farsa deste rapto inventado, mas continuamos a ser punidos”, lamenta Passmore Hachalinga.
O pastor zambiano revela ainda as diligências que a sua igreja está a encetar para levar o caso à Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas. “A liderança mundial da igreja deu o benefício da dúvida às autoridades angolanas para corrigir a situação, mas está exasperada com os abusos das autoridades judiciais angolanas e vai recorrer às Nações Unidas”, enfatiza.

A nova diligência de Daniel Cem
O caso não dá mostras de terminar.
Contudo, o próprio Ministério Público começa a dar mostras de estar insatisfeito com o rumo que a situação tomou e procura timidamente terminar com as perseguições. Exemplo disso é o Ofício de 22 de Maio de 2018, em que o procurador da República Alberto dos Prazeres Guimarães se mostra agastado com as insistências do pastor Cem na tentativa de acusar, e publicitar essa acusação, o oitavo membro da igreja, João Sonhi, pelos alegados factos ligados ao rapto que inventou.
Ora, o Ministério Público tinha-se decidido por um Despacho de Abstenção em 29 de Abril de 2018, declarando extinto o procedimento criminal contra João Sonhi, por falta de provas. Por isso, no referido Ofício de Maio, o mesmo Ministério Público vem dizer que considera existir “um excesso de divulgação e preocupação” por parte de Daniel Cem na divulgação das suas acusações, manifestando claro incómodo com as diligências do pastor Cem.
A verdade em relação a João Sonhi é que o Ministério Público decidiu que não havia provas suficientes para produzir qualquer acusação contra ele. Na realidade, a única “prova” era a palavra do pastor Daniel Cem e a presença numa reunião no restaurante “Churra na Brasa”, a sul de Luanda. Acontece que ninguém demonstrou que nessa reunião se tenha congeminado qualquer rapto. A investigação feita pelas autoridades, mesmo com a brutalidade utilizada, não encontrou absolutamente nada contra Sonhi ou contra os outros pastores. Assim, o Ministério Público absteve-se que realizar qualquer acusação e extinguiu o procedimento contra João Sonhi.
Não contente com tal atitude, o pastor Cem formalizou uma acusação particular contra Sonhi, dentro dos poderes que a lei lhe confere. Portanto, o Ministério Público não acusou, mas Cem acusou. Caberá ao juiz decidir se remete o processo para julgamento ou não. Em resumo, a acusação que Daniel Cem fez contra João Sonhi está nas mãos do mesmo juiz António Francisco, da 13.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, que em plena sala de audiências recebeu 30 milhões de kwanzas do inventor do rapto.
A verdade é que estamos perante uma acusação sem factos e, mais do que isso, sem que seja estabelecido qualquer nexo de causalidade entre João Sonhi e o suposto rapto.
O Ministério Público não deve simplesmente pôr termo às acções de Daniel Cem. Por conta do ardil deste ex-líder da Igreja Adventista, com a conivência das instituições angolanas, um homem inocente foi torturado e morreu, enquanto outros foram e ainda são perseguidos. Em vez de assobiar para o lado, a justiça angolana tem de enfrentar este caso e mostrar-se decente.

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