sábado, 27 de janeiro de 2018

Lula cancela viagem à Etiópia e entrega passaporte

Ex-presidente Lula da Silva a discursar depois do seu julgamento em segunda instância, na quarta-feira, em São Paulo 
Poucas horas antes de embarque para Adis Abeba, juiz de Brasília obriga antigo presidente a ficar no país por causa de um caso paralelo ao do apartamento tríplex. PT indigna-se
Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula da Silva, entregou ontem o passaporte do seu cliente numa esquadra no bairro da Lapa, zona norte da cidade de São Paulo, após ordem nesse sentido de Ricardo Leite, juiz de uma vara federal de Brasília. A entrega ocorreu horas depois do horário previsto para o antigo presidente embarcar rumo a Adis Abeba, na Etiópia, em missão da ONU, e deixou indignada a militância do Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual Lula pretende ainda concorrer às eleições presidenciais de outubro.
Ricardo Leite sustentou a sua decisão no âmbito de uma investigação sobre compra de caças pela Força Aérea Brasileira, independente, portanto, do caso do apartamento tríplex do Guarujá, que valeu na quarta-feira ao antigo sindicalista uma condenação por 12 anos e um mês de prisão num tribunal de segunda instância de Porto Alegre. Em causa, o suposto tráfico de influências na compra de 36 caças suecos Gripen, um de seis casos que Lula mantém ainda pendentes na justiça. O político vai depor nessa investigação, em que um dos seus filhos e um casal de lobistas também são réus, no dia 20 de fevereiro.
A viagem à Etiópia, a propósito de um encontro da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, a convite da União Africana, foi pois imediatamente cancelada por Lula, informou o instituto que leva o seu nome à imprensa.
Na véspera, o antigo presidente já se havia referido ao assunto, em tom de piada, durante a Comissão Executiva Ampliada do PT em que foi nomeado candidato pelos seus pares. "Agora vou à Etiópia, não é uma viagem fácil, 14 horas para lá, 14 para cá, e fico umas 14 no país, mas os meus críticos, de tão preconceituosos contra África, nem sequer vão achar que eu me refugiaria por lá, se a viagem fosse para Inglaterra ou França, talvez achassem", disse, perante gargalhadas dos militantes. O advogado Cristiano Zanin também informara na ocasião os jornalistas de que a condenação de Lula no caso tríplex não era impeditiva de realizar viagens, pelo menos, até se esgotarem todos os recursos cabíveis na ação.
"Por isso, agora estamos estarrecidos", disse Zanin. O caso indignou também o PT, que se referiu ao assunto como "odiosa perseguição judicial". A deputada petista Erika Kokay lembrou que o presidente brasileiro de 2003 a 2010 "é um símbolo mundial da luta contra a fome", pelo que a sua ausência da Etiópia tem peso internacional. Deputados de outros partidos compartilharam a indignação: "É o fim da picada, a justiça rendida ao espetáculo, à provocação", escreveu nas redes sociais o ex-ministro de Dilma Rousseff e membro do Partido Comunista do Brasil Orlando Silva. Até Roberto Requião, senador pelo Movimento da Democracia Brasileira, a força política do presidente Michel Temer, reagiu: "Proibir a saída de Lula do país? Enlouqueceram de vez?"
A provável ausência de Lula nas eleições de outubro, onde lidera em todos cenários das sondagens eleitorais, continua a merecer análises na imprensa. Há quem considere que ajuda a esquerda, agora unida em nome da indignação pela condenação do seu maior líder, quem acredite que Jair Bolsonaro, deputado com ideias próximas da extrema-direita e segundo classificado nas sondagens, será o mais beneficiado e quem sinta que o centro tenderá a subir. "São os candidatos do centro que mais se irão beneficiar porque os apoiantes do Lula agora podem escolher opções mais equilibradas", disse, em Davos, o ministro das Finanças Henrique Meirelles, ele próprio um dos presidenciáveis da área do governo.
Em São Paulo

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