“Não fica bem os pais darem o nome de Nyimpine à uma criança, porque os nomes devem significar felicidade e esse nome pode persegui-la até ao fim da sua vida.” Mais palavra, menos palavra, diz a eloquente conservadora (!) de uma das Conservatórias do Registo Civil da capital do país.
E parece que os burocratas estão mesmo a levar esta máxima a sério. Sei de uma pessoa que depois de tentativas para conceber, finalmente deu o nome ao seu filho – Kensane – que nas línguas Tsonga do Sul de Moçambique significa “agradeçam”. Os funcionários dos Registo e Notariado não se comoveram com o histórico do nome: “Já não aceitamos esse tipo de nome” – disseram os burocratas do Registo Civil e a mãe do recém-nascido teve que se contentar com outro nome, aparentemente mais aceitável à política estatal vigente.
Sei que para os serviços de Registo Civil a questão dos nomes tem sido candente nos últimos tempos, supostamente para “poupar” as crianças e seus progenitores e protectores de efeitos nefastos, como assédio nas escolas e na sociedade, problemas espirituais e outras curiosidades que não vale aqui enumerar. E não é por menos. Há o legado dos nomes jocosos do período colonial (como sapato, colher, garfo e outros objetos), contra os quais a escritora moçambicana Paulina Chiziane se rebela, e há também a veia criativa das pessoas, que não tem limite e cria situações constrangedoras. Também estou ciente dos limites legais na atribuição de nomes oficiais, que considero algo compreensível. Mas também existe a prerrogativa legal de se alterar os nomes, tanto pelos progenitores ou pelas próprias pessoas a quem os nomes foram atribuídos, estes atingindo a maioridade. E a garantia legal dessa possibilidade de mudança dos nomes, no meu entender, é o que devia ser a esfera de acção estatal, combinada com a função didáctica de questionar sobre os significados, quando dúbios e aconselhar, quando se aplica. Os limites do direito de atribuir nomes aos filhos e filhas devem ser devidamente ponderados e não deixados à suposta boa vontade, arbítrio e humores dos funcionários que fazem o registo civil. Os nomes também são a expressão da realidade pessoal, familiar e cultural das pessoas e não podem apenas ser reduzidos ao normativismo uniformizador do Estado e do regulador iluminado que fixa os limites sem uma reflexão mais ampla sobre o assunto, muitas vezes interpretado pelos burocratas do “front desk” estatal, ou do “nível de rua” (como alguém já os chamou), de forma discricionária, acrítica e inocente (?) e algumas vezes contraditória às políticas que o mesmo Estado defende.
Como, por exemplo, conciliar a política de promoção das línguas nacionais e as restrições à atribuição de nomes com significados derivados dessas línguas? Será que a interpretação dos significados dos nomes é profunda ou apenas é ao sabor do limitado conhecimento do burocrata de rua que faz o registo de nascimento? Por exemplo, já se questionaram sobre alguns dos significados (repise-se isso, porque os significados podem variar) dos nomes comuns e facilmente aceites? Consultei rapidamente na internet e descobri alguns significados interessantes de nomes populares como Cecília/o (do nome romano Caecilius, derivado do original caecus, cego em latim), Cláudio (vem do latim claudus, coxo), Emília (vem de Aemilila, rival em latim), Maria (alguns alegados significados são “rebelião” e “mar de amargura”, em hebraico). A lista é provavelmente extensa. O facto de não se conhecer os significados destes nomes os torna aceitáveis com base nos critérios que o Estado supostamente definiu, mas não resolve o problema do zelo estatal em evitar que as pessoas a que são atribuídos os nomes com conotações negativas não sofram consequências nefastas no futuro. Aí está a inconsistência e a ineficácia da pretensão estatal de querer regular tudo e alguma coisa, mas que no fim apenas deixa esse poder ao arbítrio de burocratas que muitas vezes não têm o conhecimento necessário (e nem se deve esperar que tenham tamanha cultura, digna de conhecimento enciclopédico) para aplicar a lei ou a política conforme a sua intencionalidade original.
O Estado tem que ter limites na sua atividade normativa e principalmente quando a implementação do seu poder regulatório é feita por uma burocracia ainda profissional e culturalmente despreparada, num país e numa nação em construção, em que aspectos de identidade ainda estão mal resolvidos. Tivemos o ímpeto inicial de proibir o uso de línguas nacionais (a favor do português como língua oficial unificadora) nas escolas no período posterior à independência e agora abraçamos o ensino bilíngue e a valorização das línguas nacionais. A língua é um elemento forte de construção de identidade e não se esgota apenas na sua dimensão de comunicação, também influencia na forma como as pessoas pensam e (re)constroem e interpretam a realidade à sua volta, inclusive a pessoal. Há que se reflectir sobre o que se pretende com essas restrições na atribuição de nomes e se estar atento como é que essa política é interpretada desde o âmbito cimeiro da política até ao burocrata de rua que vai tomar a decisão micro que afecta as pessoas e que tem o efeito mais visível da acção estatal sobre a sociedade.
1 comentário:
Bom dia, gostaria de dar o nome de Khensana a minha filha, será que posso?
"Feliz 25 de Setembro a todos os Moçambicanos"
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