08.09.2017 às 9h53
A conselheira de Estado tida como a verdadeira líder de Myanmar, que foi laureada com o Nobel da Paz em 1991, continua a defender o Exército e a forma como o seu governo está a gerir a crise social e política no estado de Rakhine, onde continuam a amontoar-se denúncias de crimes contra a humanidade e genocídio da minoria muçulmana Rohingya
Desmond
Tutu, o arcebispo da África do Sul que foi laureado com o Nobel da Paz
em 1984 pelo seu trabalho contra o Apartheid, enviou uma carta a Aung
San Suu Kyi a pedir-lhe que acabe com a violência estatal e militar
contra a minoria muçulmana Rohingya, perante o crescente número de
acusações de crimes contra a humanidade e suspeitas de genocídio no
estado de Rakhine, no norte de Myanmar (antiga Birmânia) e depois de quase 150 mil membros da etnia terem fugido para o Bangladesh nas últimas duas semanas.
Na missiva, Tutu diz que não pode continuar calado perante os "horrores em curso" e a "limpeza étnica" dos Rohingya em Rakhine, que o levaram a tomar a decisão de criticar publicamente uma mulher que admira e que considera como "uma irmã adorada". Apesar de a primeira conselheira de Estado de Myanmar, tida como a verdadeira líder do país desde 2016, continuar a defender a forma como o seu governo está a responder à crescente crise política, social e humanitária, o arcebispo de 85 anos pede-lhe que intervenha.
"Estou velho, decrépito e na reforma, mas quebro assim o meu voto de silêncio sobre questões públicas por causa desta profunda tristeza", diz Tutu na carta enviada a Suu Kyi, também ela laureada com o Nobel da Paz em 1991 pelo seu ativismo contra a Junta Militar que governou Myanmar com mão de ferro durante mais de meio século, desde 1962 — e que manteve a atual líder em prisão domiciliária durante 15 anos, entre 1989 e 2010, com um interregno entre 1995 e 2000.
Na missiva, publicada no Facebook,
o sul-africano acrescenta: "Durante anos mantive uma fotografia sua na
minha secretária para não me esquecer da injustiça que sofreu e dos
sacrifícios que aguentou por causa do seu amor ao povo de Myanmar. Foi
um símbolo de justiça e a sua emergência na vida pública [com as
eleições de 2015] dissipou as nossas preocupações sobre a violência que
continua a ser perpetrada contra os membros [da etnia] Rohingya. Mas o
que alguns classificamcomo 'limpeza étnica' e outros como 'genocídio
lento' persiste — e está a acelerar. É incongruente que um símbolo de
justiça lidere um país assim. Se o preço político da sua ascensão ao
mais alto gabinete público de Myanmar é o seu silêncio, o preço é
seguramente demasiado alto."
Tutu não é o primeiro Nobel a criticar publicamente Aung San Suu Kyi, exigindo-lhe que faça mais para garantir a proteção da minoria muçulmana que, ao longo de décadas, nunca teve direitos nem nacionalidade reconhecidos em Myanmar, numa campanha de repressão e perseguição que, no final do ano passado, conduziu à emergência de um grupo de rebeldes treinado e financiado pela Arábia Saudita que está a pegar em armas para se defender.
Na segunda-feira, Malala Yousafzai, a mais jovem laureada Nobel, disse que "o mundo está à espera" que Suu Kyi faça qualquer coisa para acabar com a situação insustentável dos Rohingya. "De cada vez que vejo as notícias, o meu coração parte-se", escreveu a ativista paquistanesa no Twitter. "Nos últimos anos, condenei repetidamente este tratamento trágico e vergonhoso [dos membros da etnia muçulmana]. Continuo à espera que a minha parceira Nobel Aung San Suu Kyi faça o mesmo."
Note-se que, no final de 2016, no rescaldo do primeiro ataque pelo autoproclamado Exército Arakan de Salvação Rohingya (HaY) e da morte de sete soldados, um grupo de mais de uma dúzia de laureados Nobel, entre eles Malala e Tutu, já tinha enviado uma carta ao Conselho de Segurança da ONU alertando-o para a "limpeza étnica" em curso no norte da antiga Birmânia.
Na passada terça-feira, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterrres, juntou a sua voz à crescente lista de críticos, sublinhando que as "operações de limpeza" em Rakhine (como são classificadas pelos militares em resposta a recentes ataques do autoproclamado Exército Arakan de Salvação Rohingya) "arriscam" transformar-se na limpeza étnica dos Rohingya e pedindo que seja reconhecida nacionalidade aos que integram a minoria, cerca de 1,1 milhões de pessoas que vivem concentradas no estado do norte.
No site Change.org, uma petição que exige a retirada do Nobel da Paz a Aung San Suu Kyi ultrapassou as 380 mil assinaturas esta sexta-feira. Esta quinta-feira, a líder de facto de Myanmar proferiu as suas primeiras declarações públicas desde o início da nova incursão militar em Rakhine no final de agosto. "É pouco razoável esperar que resolvamos este problema em 18 meses", disse ao canal Asian News International, citando o período que passou desde a sua ascensão ao poder. "A situação em Rakhine tem sido assim durante muitas décadas, remonta à era pré-colonial" — Myanmar foi uma colónia da coroa britânica entre 1824 e 1948, quando ganhou independência.
Segundo cálculos da ONU, nas próximas semanas as operações do Tatmadaw (Exército) em Rakhine poderão conduzir à deslocação forçada de até 300 mil Rohingya no Bangladesh. Os militares, que antes de abandonarem o poder aprovaram uma lei para impedir que Suu Kyi fosse eleita Presidente e que continuam a controlar vários ministérios, entre eles o do Interior, defendem as ações como integradas no combate ao "terrorismo. O governo diz que cerca de 400 pessoas já morreram nas duas últimas semanas, com funcionários da ONU no terreno a dizerem que o balanço de vítimas pode ultrapassar as mil — tem sido impossível verificar de forma independente estes dados porque o Executivo de Suu Kyi tem impedido o acesso de equipas humanitárias a Rakhine, numa altura em que ONG locais como a Arakan Project acusam o Exército de estar a queimar os corpos dos Rohingya para apagar as provas de genocídio.
Na carta aberta publicada por Tutu esta sexta-feira, o arcebispo diz que é altura de Aung San Suu Kyi intervir para acabar com a perseguição e repressão da minoria étnica. "Enquanto assistimos a este horror em curso, rezamos para que seja novamente corajosa e resiliente. Rezamos para que fale publicamente em nome da justiça, dos Direitos Humanos e da união do seu povo. Rezamos para que intervenha nesta crise em escalada e para que guie o seu povo de volta ao caminho da justiça."
Na missiva, Tutu diz que não pode continuar calado perante os "horrores em curso" e a "limpeza étnica" dos Rohingya em Rakhine, que o levaram a tomar a decisão de criticar publicamente uma mulher que admira e que considera como "uma irmã adorada". Apesar de a primeira conselheira de Estado de Myanmar, tida como a verdadeira líder do país desde 2016, continuar a defender a forma como o seu governo está a responder à crescente crise política, social e humanitária, o arcebispo de 85 anos pede-lhe que intervenha.
"Estou velho, decrépito e na reforma, mas quebro assim o meu voto de silêncio sobre questões públicas por causa desta profunda tristeza", diz Tutu na carta enviada a Suu Kyi, também ela laureada com o Nobel da Paz em 1991 pelo seu ativismo contra a Junta Militar que governou Myanmar com mão de ferro durante mais de meio século, desde 1962 — e que manteve a atual líder em prisão domiciliária durante 15 anos, entre 1989 e 2010, com um interregno entre 1995 e 2000.
Tutu não é o primeiro Nobel a criticar publicamente Aung San Suu Kyi, exigindo-lhe que faça mais para garantir a proteção da minoria muçulmana que, ao longo de décadas, nunca teve direitos nem nacionalidade reconhecidos em Myanmar, numa campanha de repressão e perseguição que, no final do ano passado, conduziu à emergência de um grupo de rebeldes treinado e financiado pela Arábia Saudita que está a pegar em armas para se defender.
Na segunda-feira, Malala Yousafzai, a mais jovem laureada Nobel, disse que "o mundo está à espera" que Suu Kyi faça qualquer coisa para acabar com a situação insustentável dos Rohingya. "De cada vez que vejo as notícias, o meu coração parte-se", escreveu a ativista paquistanesa no Twitter. "Nos últimos anos, condenei repetidamente este tratamento trágico e vergonhoso [dos membros da etnia muçulmana]. Continuo à espera que a minha parceira Nobel Aung San Suu Kyi faça o mesmo."
Note-se que, no final de 2016, no rescaldo do primeiro ataque pelo autoproclamado Exército Arakan de Salvação Rohingya (HaY) e da morte de sete soldados, um grupo de mais de uma dúzia de laureados Nobel, entre eles Malala e Tutu, já tinha enviado uma carta ao Conselho de Segurança da ONU alertando-o para a "limpeza étnica" em curso no norte da antiga Birmânia.
Na passada terça-feira, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterrres, juntou a sua voz à crescente lista de críticos, sublinhando que as "operações de limpeza" em Rakhine (como são classificadas pelos militares em resposta a recentes ataques do autoproclamado Exército Arakan de Salvação Rohingya) "arriscam" transformar-se na limpeza étnica dos Rohingya e pedindo que seja reconhecida nacionalidade aos que integram a minoria, cerca de 1,1 milhões de pessoas que vivem concentradas no estado do norte.
No site Change.org, uma petição que exige a retirada do Nobel da Paz a Aung San Suu Kyi ultrapassou as 380 mil assinaturas esta sexta-feira. Esta quinta-feira, a líder de facto de Myanmar proferiu as suas primeiras declarações públicas desde o início da nova incursão militar em Rakhine no final de agosto. "É pouco razoável esperar que resolvamos este problema em 18 meses", disse ao canal Asian News International, citando o período que passou desde a sua ascensão ao poder. "A situação em Rakhine tem sido assim durante muitas décadas, remonta à era pré-colonial" — Myanmar foi uma colónia da coroa britânica entre 1824 e 1948, quando ganhou independência.
Segundo cálculos da ONU, nas próximas semanas as operações do Tatmadaw (Exército) em Rakhine poderão conduzir à deslocação forçada de até 300 mil Rohingya no Bangladesh. Os militares, que antes de abandonarem o poder aprovaram uma lei para impedir que Suu Kyi fosse eleita Presidente e que continuam a controlar vários ministérios, entre eles o do Interior, defendem as ações como integradas no combate ao "terrorismo. O governo diz que cerca de 400 pessoas já morreram nas duas últimas semanas, com funcionários da ONU no terreno a dizerem que o balanço de vítimas pode ultrapassar as mil — tem sido impossível verificar de forma independente estes dados porque o Executivo de Suu Kyi tem impedido o acesso de equipas humanitárias a Rakhine, numa altura em que ONG locais como a Arakan Project acusam o Exército de estar a queimar os corpos dos Rohingya para apagar as provas de genocídio.
Na carta aberta publicada por Tutu esta sexta-feira, o arcebispo diz que é altura de Aung San Suu Kyi intervir para acabar com a perseguição e repressão da minoria étnica. "Enquanto assistimos a este horror em curso, rezamos para que seja novamente corajosa e resiliente. Rezamos para que fale publicamente em nome da justiça, dos Direitos Humanos e da união do seu povo. Rezamos para que intervenha nesta crise em escalada e para que guie o seu povo de volta ao caminho da justiça."
Perto de 150 mil Rohingya deixaram Myanmar em duas semanas
07.09.2017 às 12h39
A minoria muçulmana, perseguida pelas autoridades birmanesas, tenta escapar para o Bangladesh. Milhares que ficaram sem casa – aldeias inteiras foram incendiadas nas últimas semanas por militares de Myanmar (antiga Birmânia) – ou que temem a violência contra o seu povo. Na fronteira com o Bangladesh já há relatos de feridos por minas terrestres
Dentro
de pouco tempo perto de 300 mil Rohingya poderão ter deixado Myanmar
para trás. A minoria muçulmana que tem sido perseguida pelas autoridades
birmanesas tenta escapar à morte fugindo para o vizinho Bangladesh, que
já avisou não estar em condições de receber mais refugiados.
Trabalhadores das Nações Unidas (ONU) no Bangladesh avisaram que nas últimas duas semanas (desde 25 de agosto) 146 mil Rohingya chegaram àquele país, número que poderá duplicar nas próximas semanas.
Os responsáveis da ONU alertam ainda para a escassez de alimentos e bens essenciais que têm sido fornecidos aos refugiados, que chegam sobretudo à região fronteiriça de Cox Bazar.
“Os que chegam vêm desnutridos, sem acesso a uma alimentação regular possivelmente há mais de um mês”, disse à Reuters Dipayan Bhattacharyya, porta-voz do Programa Alimentar Mundial no Bangladesh. “Estão visivelmente famintos, traumatisados.”
O último foco de violência sobre o povo Rohingya começou depois dos ataques dezenas de postos de controlo da polícia birmanesa, e a uma base militar. Seguiu-se uma contraofensiva militar –aldeias inteiras onde vivem os Rohingya, no estado de Rakhine, foram incendiadas – em que morreram pelo menos 400 pessoas e que motivou o êxodo de milhares de muçulmanos daquela minoria étnica para o Bangladesh.
Erdogan afirmou, na passada sexta-feira em Istambul, que “aqueles que fecham os seus olhos a este genocídio levado a cabo debaixo da capa da democracia são seus cúmplices”, o que foi interpretado como um recado ao Governo de Myanmar.
Nas primeiras declarações oficiais desde o adensar da crise, Suu Kyi justificou o aumento da tensão no país com a proliferação de “notícias falsas”. Segundo o comunicado do Governo de Myanmar, as muitas fotografias falsas postas a circular são “apenas a ponta de um grande icebergue de desinformação manietado para criar uma série de problemas entre as diferentes comunidades e com o propósito de servir os interesses de terroristas”.
A BBC cita um responsável das autoridades do Bangladesh que acredita que as forças governamentais birmanesas estão a colocar minas para impedir os Rohingya de regressarem às suas aldeias. Apesar de relatos de pelo menos três feridos causados por minas esta semana, fonte militar de Myanmar diz que não foram colocadas minas terrestres recentemente.
Trabalhadores das Nações Unidas (ONU) no Bangladesh avisaram que nas últimas duas semanas (desde 25 de agosto) 146 mil Rohingya chegaram àquele país, número que poderá duplicar nas próximas semanas.
Os responsáveis da ONU alertam ainda para a escassez de alimentos e bens essenciais que têm sido fornecidos aos refugiados, que chegam sobretudo à região fronteiriça de Cox Bazar.
“Os que chegam vêm desnutridos, sem acesso a uma alimentação regular possivelmente há mais de um mês”, disse à Reuters Dipayan Bhattacharyya, porta-voz do Programa Alimentar Mundial no Bangladesh. “Estão visivelmente famintos, traumatisados.”
O último foco de violência sobre o povo Rohingya começou depois dos ataques dezenas de postos de controlo da polícia birmanesa, e a uma base militar. Seguiu-se uma contraofensiva militar –aldeias inteiras onde vivem os Rohingya, no estado de Rakhine, foram incendiadas – em que morreram pelo menos 400 pessoas e que motivou o êxodo de milhares de muçulmanos daquela minoria étnica para o Bangladesh.
Suu Kyi denuncia “notícias falsas”
Aung San Suu Kyi, líder de facto de Myanmar, que tem sido alvo de críticas pela forma como tem gerido esta crise, telefonou ao Presidente turco Recep Tayyip Erdogan para dizer-lhe que o seu governo tem vindo a “defender o melhor possível todas as pessoas no estado de Rakhine”.Erdogan afirmou, na passada sexta-feira em Istambul, que “aqueles que fecham os seus olhos a este genocídio levado a cabo debaixo da capa da democracia são seus cúmplices”, o que foi interpretado como um recado ao Governo de Myanmar.
Nas primeiras declarações oficiais desde o adensar da crise, Suu Kyi justificou o aumento da tensão no país com a proliferação de “notícias falsas”. Segundo o comunicado do Governo de Myanmar, as muitas fotografias falsas postas a circular são “apenas a ponta de um grande icebergue de desinformação manietado para criar uma série de problemas entre as diferentes comunidades e com o propósito de servir os interesses de terroristas”.
A BBC cita um responsável das autoridades do Bangladesh que acredita que as forças governamentais birmanesas estão a colocar minas para impedir os Rohingya de regressarem às suas aldeias. Apesar de relatos de pelo menos três feridos causados por minas esta semana, fonte militar de Myanmar diz que não foram colocadas minas terrestres recentemente.
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