Os
maiores pagamentos de impostos na História de Moçambique foram
avaliados no meio de uma incerteza extraordinária. Antes de 2012, a
venda de activos ou participações em projectos mineiros no valor de
dezenas de milhões de dólares não foi tributada. Esta situação mudou
após a venda da Riversdale à RioTinto. Entretanto, a tributação do
imposto de mais- valias desde essa altura tem sido inconsistente. As
receitas do imposto de mais-valias excedem um bilião de dólares, mas
estes são pagamentos extraordinários, que as empresas irão reivindicar a
sua recuperação quando a produção iniciar, assegura o Centro de
Integridade Pública (CIP), num estudo divulgado no domingo (25), no qual
indica, também, que as receitas parecem grandes agora, mas são pequenas
em comparação aos possíveis benefícios da renegociação dos termos (tais
como royalties) dos contratos muito generosos da Bacia do Rovuma.
Aplicação Inconsistente do Imposto das Mais-valias
O
momento decisivo da tributação das mais-valias no sector extractivo em
Moçambique ocorreu em 2011, aquando da venda da concessão de carvão da
Riversdale em Tete. O vendedor era uma pequena empresa de exploração
designada Riversdale, e o comprador era uma mineradora gigante de
dimensão global, a Rio Tinto, e o preço de venda era de aproximadamente
quatro (4) biliões de dólares. Antes desta venda, não tinha havido
qualquer discussão significativa da tributação das mais-valias nas
empresas do sector extractivo e não havia evidência da cobrança do
imposto de mais-valias sobre uma empresa internacional.
A falta de
atenção inicial à questão das mais-valias é surpreendente, considerando
que a transferência de participações das empresas concentradas na
exploração para empresas concentradas na produção é algo comum (ver a
discussão a seguir sobre empresas de mineração “juniores”). É também
surpreendente que tenham-se registado muitas transacções antes da venda
da Riversdale, várias delas avaliadas em dezenas de milhões de dólares.
A
relevância do imposto de mais-valias em Moçambique foi também
grandemente ignorada em análises dos termos fiscais aplicáveis às
empresas do sector extractivo. A revisão do regime fiscal de Moçambique
na área de mineração e petróleo feita pelo FMI em 2007, um documento de
80 páginas, faz apenas uma breve referência, em notas de rodapé, à
questão das mais-valias: “O Código de IRPC é escrito de tal forma a que
os ganhos e perdas sobre as transacções de capital sejam tratados como
uma parte do rendimento para propósitos fiscais.” A orientação sobre o
quadro legal do sector mineiro, escrita em 2010 pela principal empresa
de consultoria jurídico-legal em Moçambique, a Sal & Caldeiras, não
faz menção ao imposto de mais-valias para empresas (embora elas façam
referência à esta obrigação dos indivíduos).
Mesmo depois da
discussão pública em relação à venda da Riversdale, está claro que os
investidores não previam que um imposto de mais-valias fosse tributado
sobre futuras transacções. Quando o Governo anunciou que seria definido
um imposto de mais-valias sobre a venda da Cove Energy, os preços das
acções da empresa caiu em mais de 8%.
Tributação das Mais-valias
Embora
todos os detalhes não sejam públicos, parece que o valor da venda da
Riversdale gerou um intenso debate no seio do Governo, sobre a
necessidade de tributar mais-valias das empresas estrangeiras, geradas a
partir da venda de direitos do sector extractivo. Isto criou a base
para os elevados pagamentos de impostos sobre a transferência de
participações nas concessões da Bacia do Rovuma e não só.
A
aplicação do imposto de mais-valias para empresas não-residentes é
baseada na seguinte combinação de disposições extraídas do Código do
Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) e o Código de
Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS).
IRPC – Código do Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas
1. Mais-valias realizadas são determinadas como sendo rendimento – IRPC 20 (h)
2. A “mais-valia” é definida como a diferença no valor líquido realizável – IRPC 37.2
3. O IRPC é aplicável a empresas não-residentes IRPC 5.2 e 5.3 (a) e (b).
4.
O rendimento de empresas não-residentes é determinado por regras no
código do imposto de rendimento de pessoas singulares (IRPS) – IRPC 45.
IRPS – Código de Rendimento de Pessoas Singulares
5.
Mais-valias adquiridas através de actividades de negócio e actividades
profissionais conforme definidas no IRPC são consideradas como
rendimento de “segunda categoria” – IRPS 8.3 (c)
6.
O valor pagável para aquisição e venda de participações é definido no
IRPS 45, enquanto a dedução permitida é definida no IRPS 47 e 50.
7. A percentagem da mais-valia sobre a qual o imposto é pago reduz com base no período da propriedade no IRPS 40.
Dados
estes passos relativamente complicados, talvez não seja surpreendente
que um imposto de mais-valia sobre empresas petrolíferas e de mineração
internacionais não apareça proeminentemente nas descrições dos regimes
fiscais do sector extractivo.
A lógica básica do imposto de
mais-valias é clara: o ‘ganho’ corresponde ao preço de venda menos o
preço de compra (se for o caso) menos outros ajustes tais como a
depreciação. Como proprietários originais das licenças e concessões,
empresas tais como a ENI e a Anadarko receberam os seus direitos para
explorar e desenvolver directamente a partir do Governo. Nestes casos,
não existe nenhum preço de compra para incluir no cálculo do ‘ganho’.
Para outras, tais como a Cove Energy ou Videocom, o preço de compra é
deduzido a partir do preço de venda para determinar o "ganho".
O
imposto de mais-valias é sempre calculado em 32%, mas é avaliado numa
‘base’ diferente dependendo do período da propriedade, conforme definido
no artigo 40 do Código de IRPS. A proporção do ‘ganho’ sobre o qual a
taxa de 32% é calculada reduz na medida em que o período de propriedade
aumenta. É esta fórmula do IRPS que explica por que é que o imposto é
calculado como uma percentagem do preço geral de venda, que varia
grandemente entre diferentes transacções.
A ENI África
Oriental apresenta o cálculo mais simples. Uma vez que a ENI assegurou a
concessão directamente a partir do Governo através da ronda de Licenças
de 2005 para os EPCC (Contrato de Concessão para Pesquisa e
Exploração), o valor de venda e o valor da mais-valia são idênticos.
Considerando que a ENI detinha o activo há mais de 60 meses, a
percentagem do ganho que é tributada é calculada em 30%. Quando a taxa
fiscal de 32% é aplicada ao valor de 30% do ganho de capital, o imposto
calculado é de 400 milhões de dólares. O que é incomum sobre o cálculo
do imposto da ENI é o Governo ter aceite a promessa de construção de uma
estação de energia eléctrica de 75 Mega watt, no futuro, in lieu no
valor de 130 milhões de dólares em detrimento do pagamento em cash que a
companhia faria ao Estado em 2013.
O cálculo de mais-valias na
Cove Energy e Videocom segue uma lógica similar, excepto que estas duas
empresas adquiriram as suas participações originais na concessão do
Rovuma 1 e portanto a mais-valia é o preço de venda menos o preço de
compra.
Revisões ao imposto de mais-valias – Uma Taxa Única de 32%
Ao
longo de 2012, novas leis sobre o imposto sobre o rendimento de pessoas
colectivas (IRPC) e pessoas singulares (IRPS) foram desenvolvidas. Ao
longo deste processo, foi introduzida uma mudança na forma através da
qual as mais-valias sobre as empresas petrolíferas e de mineração
externas são calculadas. Especificamente, as novas disposições
determinariam uma taxa única de 32% do imposto fiscal sobre as
mais-valias independentemente do período do tempo de posse do activo. De
forma surpreendente, as revisões às leis fiscais conservam a ligação
entre o IRPC e o IRPS, e simplesmente acrescentam uma nova categoria que
tornaria as empresas do sector extractivo responsáveis pela tributação
do valor total das mais-valias.
Revisões
ao IRPC e IRPS foram aprovadas pelo Parlamento em meados de Dezembro de
2012 e submetidas ao Presidente para promulgação. Em Janeiro de 2013, o
Presidente recusou-se a assinar estas leis, alegando preocupações
constitucionais sobre os efeitos retroactivos. Especificamente, ele
argumentou que a Constituição proibia tanto a aplicabilidade retroactiva
da lei (que estava prevista para ser aplicada a partir de 01 de Janeiro
de 2013) e um aumento dos impostos durante o ano financeiro. O
Presidente procurou a opinião do Conselho Constitucional, que produziu
uma análise extensa, mas por fim recusou-se a emitir uma decisão sobre o
facto da lei ser ou não constitucional. Entretanto, por detrás das
negociações em curso, a questão foi resolvida ao nível do Parlamento,
que propôs que as novas leis do IRPC e IRPS entrassem em vigor a 01 de
Janeiro de 2014.
De acordo com estas
novas leis, todas as transacções de direitos a concessões de licenças
mineiras e do petróleo feitas depois de 01 de Janeiro de 2014 deveriam
ser tributadas com base numa taxa de 32% sobre o valor total do ganho de
capital. Todavia, a relevância do IRPC e IRPS para o sector extractivo
poderia durar pouco tempo. Novas leis fiscais para o sector de mineração
e do petróleo aguardam, neste momento, a aprovação do Conselho de
Ministros, o que irá quebrar a ligação entre as empresas do sector
extractivo e as disposições fiscais gerais de Moçambique. As disposições
de mais-valias nas leis fiscais, enquanto mais claras, terão o mesmo
efeito: taxa de 32% sobre o valor total do ganho de capital.
O Imposto de mais-valias
A
frase ‘mais-valias’ refere-se ao aumento no valor de um activo entre o
tempo ou período em que este é adquirido e quando ele é vendido. No
sector extractivo, o ‘activo’ em questão é tanto uma licença de
concessão mineira ou petrolífera, para além de qualquer infra-estrutura
de capital que já tenha sido desenvolvida. A venda de licenças e
concessões é particularmente importante durante as fases de exploração e
desenvolvimento, quando os direitos ao recurso podem ser avaliados em
biliões de dólares, embora as primeiras receitas da produção possam
ocorrer daqui há muitos anos no futuro.
O que é Transferido e Porquê?
Em
alguns casos, a empresa do sector extractivo vende todas as suas
participações num projecto e abandona o país. Particularmente no sector
mineiro, é comum para empresas mais pequenas realizar a exploração de
alto risco. Estas empresas ‘juniores’ não possuem a capacidade ou a
intenção de desenvolver os recursos se as actividades de exploração
tiverem sucesso. O seu objectivo é aumentar o valor do activo e
vendê-lo. A venda das licenças de carvão da Riversdale para a Rio Tinto
constitui um exemplo. Noutros casos, as pequenas empresas detêm uma
participação percentual num consórcio e decidem vender depois de um
aumento substantivo no seu valor. Isto ocorreu na Área 1 do Rovuma com a
venda da Cove Energy, de uma participação de 8.5% e a venda de 10% da
Videocon. A empresa original não tem necessariamente que ser pequena
para que o activo seja vendido antes do início da produção. A Anadarko é
uma das 40 maiores empresas internacionais de petróleo, mas eles não
possuem experiência no desenvolvimento do gás natural liquefeito (LNG).
Nos círculos da indústria, muitos acreditavam que a Anadarko terá
vendido todas as suas participações na Bacia do Rovuma antes das
primeiras exportações de gás.
Um
segundo tipo comum de transferência é a venda de uma parte percentual –
muitas vezes conhecido como farm down. Aqui a principal empresa o
‘operador’ vende parte da sua participação. Tal como com outros actores
minoritários, isto poderá simplesmente ser uma questão de lucrar a
partir de uma operação de exploração bem-sucedida com vista a melhorar
as finanças gerais da empresa. A recente venda por parte da ENI de 20%
das suas participações na Área 4 da Bacia do Rovuma e a venda pela
Anadarko de 10 de participações na Área 1 da Bacia do Rovuma, ambas se
enquadram nesta categoria. Uma categoria especial do farm down é onde o
contratante oferece uma parte percentual no projecto em troca do
financiamento da exploração disponibilizado pela nova empresa. Este foi o
caso das recentes transferências dos direitos de propriedade da
Petronas e da Statoil na Bacia do Rovuma. Neste caso, não existe nenhum
preço de venda, embora o valor possa ser determinado pela escala dos
custos de actividades de exploração realizadas como parte da transacção.
Tributar ou Não tributar?
Enquanto
a venda de todas ou de uma parte da licença de mineração ou de petróleo
é um traço de rotina do sector extractivo, não existe nenhuma prática
padrão para o facto destas transferências serem ou não tributadas.
Existem países onde nenhum imposto é tributado sobre as mais-valias. A
partir de uma perspectiva económica, isto faz sentido porque o
desenvolvimento positivo do projecto muitas vezes depende da introdução
de novos parceiros comerciais com capacidade financeira e técnica
suficiente. Não é do interesse do Governo desencorajar a transferência
de propriedades para os compradores que se encontram melhor posicionados
para desenvolvê-los eficientemente.
O
contra-argumento é político tanto quanto económico. Argumenta-se muitas
vezes que é politicamente inviável nos países em desenvolvimento não
tributar as vendas em biliões de dólares do direito de explorar recursos
nacionais. Uma das muito poucas formas de um Governo extrair receitas
de projectos do sector extractivo que não irão gerar um lucro durante
alguns anos ou mesmo décadas é impor um imposto sobre as mais-valias. A
injecção inicial de receitas substantivas a partir do imposto de
mais-valias é obviamente bem-vinda. Em alguns casos, isto é visto como a
maior vitória sobre empresas internacionais poderosas e uma reparação
às generosas concessões fiscais oferecidas nos contratos originais.
O
alcance dos pagamentos de impostos de mais-valias é muitas vezes não
bem compreendido. Em muitos países, o imposto de mais-valias é deduzível
contra futuras avaliações ou cálculos do rendimento tributável. Isto
significa que o imposto de mais-valias não é uma fonte adicional da
receita para o Estado. Permite apenas ao Governo trazer agora parte da
receita futura. Mas também gera deduções adicionais contra o rendimento
tributável da empresa. Garantir uma receita antecipada antes da produção
retarda o início da aplicação do IRPC e faz recuar a data em que as
receitas do Estado poderão tornar-se significativas.
Os riscos de grandes pagamentos únicos ou “one-off”
A
cobrança bem-sucedida de um imposto de mais-valias apresenta riscos
assim como benefícios. O historial de países em desenvolvimento ricos em
recurso que gerem efectivamente grandes pagamentos únicos de
mais-valias não é bom. O Governo tem pouca influência sobre a
calendarização ou a escala da venda de direitos dos recursos do sector
extractivo. Por essa razão, os pagamentos do imposto de mais-valias não
podem ser normalmente antecipados ou integrados em processos regulares
dos planos e orçamentos do Estado. O risco de má-utilização destas
receitas excepcionais deve ser considerado elevado.
Grandes
pagamentos únicos — muitas vezes em forma de bónus de assinatura —
também foram responsáveis por alguns dos actos de corrupção mais
chocantes conhecidos no sector extractivo. Países com vastas reservas
comprovadas de petróleo muitas vezes exigem um grande pagamento único
quando a empresa adquire direitos de exploração. À semelhança dos
principais termos fiscais aplicáveis às operações do sector extractivo, o
volume destes pagamentos tem sido tradicionalmente confidencial.
Não
é incomum que alguns dos rendimentos do bónus de assinatura sejam
desviados do tesouro público. Em Angola, foi reportado que apenas metade
do bónus de assinatura no valor de $870 milhões pagos pela BP-Amoco,
Elf e Exxon, em finais dos anos 90 para os Blocos 31-33 chegou a constar
nas contas do Governo de Angola. Grande parte deste dinheiro parece ter
sido desviado, através da Presidência, para a compra de armas. Em 2001,
quando a BP revelou publicamente o pagamento do bónus de assinatura,
estimado em 111 milhões de dólares, o Governo Angolano repreendeu a
empresa por ter revelado informação de “carácter estritamente
confidencial” e que eles se reservam ao direito de adoptar a “acção
apropriada”, incluindo o “término do contrato”. O paralelismo entre o
bónus de assinatura e os pagamentos do imposto de mais-valias sugerem
que ambos apresentam oportunidades significativas para o desvio de
fundos do Estado.
Desafios administrativos da Avaliação/Cálculo do Imposto
Os
prós e contras da aplicação de um imposto de mais-valias são algumas
vezes secundários para os desafios práticos que os países em
desenvolvimento enfrentam quando procuram impor o imposto sobre empresas
multinacionais. As empresas empregam várias tácticas para evitar o
pagamento. Algumas vezes elas argumentam que, porque a transacção
ocorreu num centro financeiro estrangeiro, as leis fiscais do país
anfitrião não se aplicam. Noutros casos, eles argumentam que o que é
vendido não são os direitos de uma licença ou uma concessão, mas sim uma
empresa subsidiária. A ENI usou este argumento quando informou que
estava a vender uma parte de uma empresa subsidiária, a ENI-East Africa.
A Autoridade Tributária de Moçambique rejeitou de imediato este
estratagema, na medida em que os direitos relativos ao gás na Bacia do
Rovuma eram o único activo da ENI-East Africa.
Nas
jurisdições onde se impõe um imposto de mais-valias, este imposto é
comumente determinado sobre o vendedor. A lógica é clara, considerando
que o aumento no valor do activo, quando vendido, representa uma forma
de rendimento. Nos casos onde a empresa continua a operar no país,
depois de uma venda, a aplicação do pagamento não constitui um problema.
As recentes vendas da ENI e Anadarko enquadram-se nesta categoria. Mas o
que acontece quando a empresa vende todas as suas participações e já
não tem presença financeira no país? Este foi o caso da Riversdale após a
sua venda à empresa Rio Tinto em 2010. Moçambique procurou impor um
cálculo do imposto sobre a Riversdale, mas não tinha qualquer influência
sobre a empresa australiana. Se o Governo de Moçambique tivesse estado
ao corrente da venda, com antecedência, teria sido possível intervir
antes da conclusão do processo de venda. Mas não é pouco comum para a
Autoridade Tributária ouvir sobre a venda de direitos sobre recursos
naturais através dos media, depois da venda já ter sido concluída. Em
algumas jurisdições, como no Uganda, onde o vendedor está para além do
alcance, foram feitas tentativas para impor o imposto sobre o comprador.
Moçambique procurou fazer o mesmo, embora de forma menos agressiva, com
a Rio Tinto.
Renegociação?
Dado
o tamanho dos potenciais pagamentos de impostos e a distância entre as
receitas e a produção real, não é incomum os governos reverem os termos
para a aplicação do imposto de mais-valias logo que a venda de grandes
valores inicia. As empresas, muitas vezes, argumentam que isto
corresponde a ‘renegociação’ dos termos sob os quais eles decidiram
investir. Muitos contractos do Sector Extractivo, incluindo aqueles
assinados até à data em Moçambique, incluem o que são conhecidos como
“cláusulas de estabilização”. Estas disposições proporcionam uma
garantia para a empresa de que os termos sobre os quais eles decidiram
investir permanecerão válidos no período de duração do contracto,
normalmente incluindo cerca de 25 anos de produção.
Em
alguns casos, estas disposições ‘congelam’ os termos disponíveis
aquando da assinatura do contracto. Noutros casos, uma cláusula de
‘equilíbrio económico’ é usada para estabilizar o retorno económico do
investidor ao contrário de estabilizar os termos fiscais. No âmbito
desta última formulação, as leis fiscais podem ser alteradas, mas se
elas têm um efeito adverso sobre o investidor, o Estado compromete-se a
fazer outras mudanças para assegurar que a posição económica da empresa
seja mantida. Os contratos em Moçambique contêm cláusulas sobre o
‘equilíbrio económico’.
A linguagem
no modelo mais recente do Contrato de Concessão de Exploração e Produção
(EPCC, sigla inglesa) é indicativo das disposições noutros contratos do
sector extractivo. O artigo 11 parágrafo 9 do contrato estipula que se
forem introduzidas outras taxas que tenham: “Um efeito adverso de
natureza material sobre o valor económico derivado das Operações de
Petróleo pela Concessionária, as partes irão, logo que possível,
reunir-se para concordarem com as mudanças a este EPCC que irão
assegurar que a Concessionária obtenha das Operações de Petróleo, depois
destas mudanças, os mesmos benefícios económicos que seriam obtidos se a
mudança na lei não tivesse sido efectuada”.
É
possível argumentar que os complexos passos legais necessários para
impor um imposto de mais-valias sobre as empresas do sector extractivo
com base nas leis do IRPC e IRPS de 2007 correspondem a renegociação.
Mas esta é uma questão de debate. O que não é uma questão de debate é
que a imposição de um imposto de mais-valias estimado em 32% incluído
nas revisões de 2013, ao IRPC e IRPS, corresponde de facto a
renegociação: isto evidentemente tem “um efeito adverso sobre a natureza
material do valor económico derivado das Operações do Petróleo pela
Concessionária”.
Contrariamente aos
argumentos das empresas e doadores internacionais, a renegociação dos
contractos do sector extractivo não gera normalmente uma crise de
confiança nos investidores estrangeiros. De facto, onde a economia de um
projecto muda fundamentalmente, como foi o caso dos massivos aumentos
dos preços de petróleo entre 2003 e 2008, a renegociação é uma prática
comum. De facto, em muitos casos, o processo não é adverso, na medida em
que todas as partes compreendem que um negócio fundamentalmente injusto
é insustentável e deverá ser alterado.
A
oposição das empresas à ‘renegociação’ dos contratos’ não é, portanto,
uma barreira legítima para efectuar mudanças a meio-caminho para os
termos aplicáveis à tributação de mais-valias. A questão é se o imposto
de ‘mais-valias’ é o aspecto certo sobre o qual renegociar.
Ao
efectuar mudanças sobre o imposto de mais-valias, o Governo de
Moçambique está a gerar algum rendimento antecipado a partir da Bacia do
Rovuma, muitos anos antes do início da produção. Estas injecções
antecipadas de capital são um acréscimo bem-vindo para um orçamento sob
pressão e parecem apropriadas dadas as vastas somas de capital permutado
entre as empresas em troca de direitos de exploração dos recursos de
Moçambique. Mas o volume real destes pagamentos feitos duma única vez é
pequeno em comparação à outras mudanças que poderiam ser efectuadas aos
contratos.
Além disso, a forma como a
imposição do imposto de mais-valias foi gerida prejudicou a percepção
que os investidores tinham sobre Moçambique muito mais do que uma
renegociação ordinária dos principais termos dos contratos teria feito.
ESTUDOS DE CASO: APLICAÇÃO INCOSISTENTE DO IMPOSTO DE MAIS-VALIAS
Sector de Mineração: Riversdale / Rio Tinto
Em
2006, a empresa australiana, a Riversdale Mining Limited (uma empresa
listada na Bolsa de Valores da Austrália) assegurou os direitos para uma
série de licenças de carvão, incluindo os projectos de Benga e Zambeze
de duas empresas privadas moçambicanas. Não existe nenhuma informação
pública sobre o valor da venda, os nomes das empresas moçambicanas, ou
sobre a cobrança de qualquer imposto de mais-valias.
Durante
o período em que a Riversdale detinha os direitos sobre estas
concessões de carvão, houve mudanças significativas em termos da posse
dos direitos em Moçambique e da própria empresa. Em 2007, a Tata Steel
adquiriu 35% dos direitos sobre os activos de carvão da Riversdale em
Moçambique a um preço de mais de $88 milhões. A Riversdale também
possuía activos modestos de carvão na África do Sul. Duas empresas
detinham importantes participações na própria Riversdale, no processo
que conduziu à venda para a Rio Tinto. A Tata Steel detinha 25% de
participações e a empresa produtora de aço do Brasil, a Companhia
Siderúrgica Nacional detinha exactamente um pouco menos de 20%. Não
existe nenhuma informação pública sobre a cobrança do imposto de
mais-valias sobre quaisquer destas transacções.
A Rio Tinto Começa a adquirir a Riversdale
A
Riversdale não tinha intenção e nem capacidade para desenvolver as
concessões de carvão em Tete. A estratégia da empresa era de reproduzir o
valor do activo e vendê-lo para uma grande empresa de mineração. Em
Dezembro de 2010, a empresa gigante global na área de mineração, a Rio
Tinto fez a sua primeira oferta pública para adquirir a Riversdale. Ja
nesta primeira fase a Rio Tinto tenha informado ao Primeiro-Ministro e
ao Ministro do Sector Mineiro de Moçambique sobre o seu interesse em
adquirir os direitos de carvão em Moçambique.
Em
Outubro de 2011, próximo de um ano depois da oferta inicial ter sido
feita, a Rio Tinto Jersey Holdings 2010 Ltd, uma subsidiária totalmente
detida pela Rio Tinto plc, com registo no Reino Unido, começou a
adquirir cerca de 244 milhões de acções da Riversdale Mining Limited.
Até Junho de 2011, a Rio Tinto detinha 99.76 da empresa e a Riversdale
foi retirada da Bolsa de Valores da Austrália. O valor total das acções
adquiridas pela Rio Tinto (é importante notar que eles não pagaram
qualquer valor monetário à própria Riversdale) foi de $4.1 biliões. De
acordo com a Rio Tinto, o valor real dos activos moçambicanos era de 3.6
biliões de dólares.
Durante este
processo, a Rio Tinto manteve contacto regular com o Governo de
Moçambique. De facto, em Outubro de 2011, a Rio Tinto informou ao
Ministério das Finanças, ao Director Geral de Impostos e ao MIREM de que
detinha 41% da Riversdale.
Embora as
autoridades moçambicanas tivessem sido informadas da iminente
transacção ao longo deste processo, a Autoridade Tributária parece não
ter estado ao corrente disto até que a transacção foi concluída.
Documentos internos da Autoridade Tributária revelam que eles ficaram
informados sobre a transacção não através das comunicações com o
Ministério das Finanças ou com o MIREM, mas através de
notícias/reportagens veiculadas pelos órgãos de informação.
Parece
que a soma monetária extraordinária envolvida na transacção induziu o
Governo a explorar as opções legais para a tributação das mais-valias
sobre as transferências de direitos no sector extractivo.
Conforme
acima ilustrado, a base legal para a imposição e cálculo do imposto de
mais-valias sobre as empresas não-residentes é relativamente complexa.
Um aspecto é absolutamente claro: o imposto é tributado como uma matéria
colectável para o vendedor. O problema neste caso, contudo, era de que o
vendedor já não possuía activos ou presença em Moçambique.
A
Autoridade Tributária procurou contactar a Riversdale para calcular o
imposto, mas eles não tinham poder sobre uma empresa não residente.
Incapaz de tributar a Riversdale, a Autoridade Tributária procurou impor
o imposto sobre o comprador: a Rio Tinto. O litígio está a decorrer há
mais de dois anos. A Rio Tinto argumentou repetidas vezes que qualquer
responsabilidade tributária recai sobre a Riversdale e não sobre ela.
Ainda assim, parece que a Autoridade Tributária, não tendo conseguido
monitorar a prolongada operação e tributar as devidas mais-valias ao
vendedor do activo, não quer admitir que a oportunidade terá passado.
O
presidente da Autoridade Tributária numa entrevista recente é citado
como tendo dito que “A operação entre a Riversdale e a Rio Tinto é um
litígio fiscal e esperamos ter resultados. A tributação é um imperativo
legal. Assim, a operação está sobre a mesa e iremos segui-la até ao
fim”. As notícias nos média sugerem que a Autoridade Tributária procura
obter aproximadamente 200 milhões de dólares em imposto de mais-valias.
Mineração: Talbot Group
Ken
Talbot, líder do Talbot Group, havia sido um investidor na Riversdale,
tendo vendido as suas participações no projecto por $190 milhões em
Novembro de 2009. Com esse valor investiu na criação da empresa
moçambicana de exploração de carvão, a Minas de Revuboè, criada em 2010.
A propriedade era partilhada entre a empresa Talbot Group (58.9%), a
Nippon Steel do Japão (33%) e a Posco da Coreia do Sul (8%).
Depois
de um acidente aéreo envolvendo Talbot em 2011, no Congo Brazzaville, o
Grupo decidiu alienar todos os seus activos. As notícias nos media
sugeriam que a grande empresa de mineração, a Anglo American, teria
comprado as participações da Talbot Group por $500 milhões e que a venda
iria gerar um imposto de mais-valias de cerca de 70 milhões de dólares
(32% dos 40% do valor de venda). Oito meses depois do acordo provisório,
todavia, a Anglo American retirou a sua oferta. Todas as indicações
sugerem que a Talbot Group continua a deter 58.9% do projecto e que não
foi pago o imposto sobre as mais-valias.
Petróleo: Área 1 do Rovuma – Concessão da Anadarko
Participações
minoritárias na Área 1 da Bacia do Rovuma ocupada pela Anadarko mudaram
de mãos várias vezes. Quando a concessão foi adjudicada, a Anadarko
detinha 85% das participações com direitos sobre os restantes 15%
detidos empresa nacional do petróleo (ENH).
Vendas da Anadarko
Em
2007, a Anadarko vendeu 8.5% de participações na Área 1 do Rovuma para a
Artumas (uma subsidiária moçambicana de uma empresa do Canadá) e 20% de
participações para a Mitsui (uma subsidiária moçambicana de uma empresa
registada na Inglaterra). Parecem não existir detalhes públicos sobre o
valor destas transacções ou qualquer imposto de mais-valias que tenha
sido cobrado.
Em 2008, a Anadarko
vendeu participações equivalentes a 10% à empresa indiana Videocom (uma
subsidiária da empresa Videocom Group baseada nas Maurícias) e para a
empresa indiana BPRL Ventures Moçambique (uma subsidiária moçambicana da
Bharat Oil Corporation). As notícias nos media indicam que os termos
para as duas participações foram idênticos. O valor de venda para a
Videocom foi reportado em 75 milhões de dólares. Não há informação sobre
a cobrança do imposto de mais-valias sobre estas transacções.
Em
2013, a Anadarko vendeu mais 10% das suas participações remanescentes
na Área 1da Bacia do Rovuma para a ONGC, o braço ultramarino da empresa
estatal indiana, Oil & Natural Gas Corp. O valor da transacção foi
de $2.64 bilhões. O imposto de mais-valias foi calculado em $520 milhões
(32% das mais-valias tributáveis no valor de $1.625b).
Vendas Secundárias
Em
2009, a Artumus vendeu os 8.5% da sua participação à Cove Energy, uma
empresa registada no Reino Unido. A venda não foi baseada numa
transacção monetária. Ao contrário, a Cove concordou em pagar a Artumas
uma taxa de royalty de 6.4% sobre qualquer ‘petróleo lucro’ ganho em
relação aos 8.5% das participações. Não existe nenhuma indicação do
cálculo de mais-valias sobre esta transacção.
Em
2012, a Cove Energy vendeu as suas participações na ordem de 8.5% para a
empresa de energia da Tailândia, PTT (antiga Autoridade do Petróleo da
Tailândia) por $1.56 bilião. Esta parece ser a primeira transacção do
sector extractivo sobre a qual foi cobrado um imposto de mais-valias,
com um pagamento fiscal de $175.8 milhões.
Em
inícios de 2014, a Videocom concluiu a venda do total de 10% das suas
participações em benefício da OVL (o braço ultramarino da empresa
nacional da Índia a Oil & Natural Gas Corp), e a OIL (Oil India
Limited) por $2.15 biliões. O cálculo do imposto de mais-valias esteve
estimado em 227 milhões de dólares.
Petróleo: Área 4 do Rovuma – ENI East Africa
A
ENI East Africa assegurou os direitos sobre a Área 4 da Bacia do Rovuma
na ronda de licenciamento de 2006. A ENH possuía direitos na ordem de
10%. Desde o início, a ENI trouxe dois parceiros: a GALP Energia com 10%
e a KOGAS (Korean Gas Company) também com 10%. Não existe nenhuma
informação pública sobre o preço de venda de 10% das participações
adquiridas pela GALP e nem pela KOGAS, e não há indicação do cálculo de
qualquer imposto de mais-valias.
Em
2013, a ENI vendeu acções correspondentes a 20% do projecto à Chinese
National Petroleum Corporation (CNPC) por $4.16 biliões. A ENI primeiro
procurou evitar pagar qualquer imposto argumentando que estava a vender
uma porção da ENI East Africa, uma subsidiária registada na Itália.
Considerando que a concessão na Bacia do Rovuma era a única propriedade
da ENI East Africa, o Governo de Moçambique rejeitou esta abordagem. A
13 de Agosto, depois de um encontro com o Presidente Guebuza, o Director
Executivo da ENI, Paolo Scaroni, anunciou que a ENI tinha concordado em
pagar $400 milhões do imposto de mais-valias. Ele também indicou que a
ENI se tinha comprometido a construir uma estação de gás de 75 Mega watt
em Cabo Delgado, com valor estimado em $130 milhões, que deverá estar
operacional quando as infra-estruturas de gás liquefeito (LNG) tiverem
sido concluídas, provavelmente em 2020.
As
notícias nos Media sugerem que a ENI East Africa está interessada em
vender mais 15% da sua participação no projecto. Aparentemente, a
ExxonMobil, a Total, Shell e Chevron estão todas interessadas, mas a
empresa na dianteira é a Chinese National Offshore Oil Company (CNOOC).
As
notícias nos Media também sugerem que tanto a GALP como a KOGAS poderão
estar interessadas em vender as suas participações em virtude de elas
ter dificuldades em angariar o financiamento necessário para a sua
participação na construção da planta de liquefacção de gás (LNG, sigla
inglesa).
Petróleo: Bacia do Rovuma- Statoil e Petronas
Em
2012, a Statoil (a empresa estatal de petróleo da Noruega) e a Petronas
(a empresa de petróleo da Malásia), ambas fizeram a transferência das
suas participações na Bacia do Rovuma. Isto significa que elas
transferiram uma percentagem das suas acções na sua concessão em troca
do pagamento dos custos de exploração pela nova empresa. Não existe
nenhuma informação pública sobre o valor das transacções ou se um
imposto de mais-valias foi tributado.
A
Statoil detinha os direitos das Áreas 2 e 5 do Rovuma com base no
acordo bilateral com o Governo de Moçambique concluído antes da Ronda de
Licenças de 2006 (o titular original da concessão era a NorskHydro). A
Statoil detinha inicialmente os direitos de toda a concessão enquanto a
ENH tinha direito a 10%. Em 2013, a Statoil transferiu uma porção de 50%
no projecto - 25% para a Tullow Moçambique (subsidiária de uma empresa
baseada no Reino Unido) e 25% para a INPEX Moçambique (subsidiária de
uma empresa japonesa).
Dois jazigos
foram perfurados em meados de 2013, mas ambos não tiveram sucesso (o
primeiro continha quantidades não comerciais de gás, o segundo estava
seco) e a Statoil oficialmente abandonou Moçambique. Não existe nenhuma
informação pública sobre o cálculo do imposto de mais-valias na
transferência de 2013 envolvendo 50% das participações da Statoil.
A
Petronas assegurou os direitos às Áreas 3 e 6 do Rovuma através da
Ronda de Licenciamento de 2006, embora o EPCC só tenha sido assinado em
2008. A ENH detém 10% na concessão. Em finais de 2012, a Petronas
anunciou ter transferidos os direitos na ordem de 40% na Bacia do Rovuma
para uma empresa francesa, a Total. Uma vez mais, os detalhes da
transacção não são públicos, mas assume-se que a Total seria responsável
pelos custos de exploração.
O défice
de informação pública verifica-se igualmente sobre os resultados de
exploração da Petronas, mas os relatórios sugerem que esta não teve
sucesso e porções significativas das Áreas 3 e 6 foram ‘renunciadas’.
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