dom, 12/03/2017 - 11:15
Atualizado em 12/03/2017 - 11:18
O papel da inteligência americana e da mídia brasileira no desmonte de um projeto de nação no Brasil
Jornal GGN - Como foi possível, em tão pouco
tempo, o Brasil passar de o país do futuro, aclamado em todas as
análises internacionais, para se tornar mais um país sem relevância?
Janio de Freitas junta as pontas para responder essa questão em um
artigo, mais uma vez, magistral, começando pelo papel da CIA na invasão
de dados, não só de governos, como também de qualquer pessoa, a partir
dos novos aparelhos domésticos de TV, que hoje captam conversas no
ambiente domiciliar.
Em seguida, Janio avalia o papel da mídia brasileira em reproduzir
as notícias de interesse internacional, deixando de lado sua
responsabilidade em investigar fatos verdadeiramente relevantes para o
desenvolvimento independente do país. O jornalista resgata, ainda, a
discussão sobre o interesse crescente dos Estados Unidos sobre os países
africanos do Atlântico Sul, justamente entre as nações que o Brasil dos
governos Lula se aproximou para trocar tecnologia, possivelmente pelas
reservas de petróleo naquela região de geologia semelhante ao pré-sal
brasileiro.
A última novidade americana de que temos notícia já não é uma Casa
Branca manicomial, mas não foge à linhagem das contribuições
psicopáticas à cada dia mais desatinada "civilização ocidental". Além de
penetrar à vontade nas comunicações telefônicas mundo afora, como
aconteceu a conversas de Angela Merkel, Dilma Rousseff e outros
governantes, e de entrar nos computadores alheios, o serviço de
espionagem e sabotagem dos EUA – CIA – pode valer-se dos aparelhos
domésticos de TV para captar e transmitir-lhe as conversas no respectivo
ambiente. Sem palavras rastejantes, a CIA é uma Gestapo gigantesca,
planetária, levada às últimas possibilidades de invasão das mentes e da
vida humana.
Diante desse poder cibernético, o que pode o mundo, sua vítima, é
repetir a divisão motivada pelo poder nuclear. De uma parte, os países
que desviaram imensas fortunas para entrar no círculo atômico; de outra,
os que se sujeitam à subalternidade ou preservam uma posição digna no
mundo por meio de uma posição independente e estrategicamente
habilidosa.
Michel Temer falou há pouco da importância reconhecida ao Brasil.
Apenas três dias antes, o correspondente Henrique Gomes Batista
transmitira as palavras do brasilianista Peter Hakim, presidente do
Inter-American Dialogue: "Antes, toda vez que eu voltava do Brasil, as
pessoas queriam saber o que o país estava fazendo, se havia novidades.
Hoje o país perdeu a relevância". A palavra "hoje" define o que era o
"antes".
No "antes", talvez referente sobretudo ao plano interno, a
estratégia e a política internacionais do Brasil foram fundamentais para
as "novidades". Mas foi também nele que isso começou a esvaziar-se,
pelo plano secundário em que foi deixado por Dilma Rousseff. Sem
reclamações internas. Primeiro, porque a imprensa/TV no Brasil faz
jornalismo tipicamente periférico, repetidor de uns poucos (hoje em dia,
pouquíssimos) temas do jornalismo internacional dos centros mundiais de
decisão.
Além disso, porque interessar-se pela virada que a "política
exterior ativa e altiva" introduziu, em seguida a um período caudatário
dos ditames americanos até na política econômica, fortaleceria um
governo e várias políticas indesejados pelo poder econômico. Por mais
que estivesse beneficiado pela ação comercial incluída na nova política
externa.
A África representou muito nessa política. Os Estados Unidos têm
grande interesse na face africana voltada para o Atlântico Sul: ali está
o petróleo alternativo para previsíveis problemas com sua fonte
petrolífera na Arábia. Os americanos veem a África Ocidental como uma
espécie de reserva sua não declarada. Mas a costa atlântica da África
está voltada também para o Brasil. E em frente às jazidas e poços
brasileiros, inclusive do pré-sal. A busca de relações profundas com
essa África, importantes até para a soberania brasileira, levou a
iniciativas que a Lava Jato entende como picaretagem. Na cooperação
militar, a Marinha brasileira tem até presença expressiva na Namíbia.
Nessa política, as multinacionais brasileiras tinham um papel e uma
fonte de ganho, com igual relevância. Sua atividade em quatro dos
países africanos e em um sul-americano compõem os capítulos de um livro
que, afinal e quase inexplicavelmente, moveu o jornalismo brasileiro
para parte das iniciativas africanas do Brasil. É uma reportagem, rara
no tema e ótima na realização, que proporciona também uma visão social e
política, como um fundo que dá ao livro dimensão bem maior do que o
indicado no título, "Euforia e Fracasso do Brasil Grande". Jornalista de
primeiro time, Fábio Zanini deu uma leitura agradável e informativa a
um tema desprezado que vale a pena conhecer.
E quem quiser saber o que é diplomacia, e o que nela foi a ação que
por certo tempo incluiu o Brasil nas decisões mundiais, as respostas
estão dadas pelo ex-ministro Celso Amorim, em "Teerã, Ramalá e Doha —
memórias da política externa ativa e altiva". Livro ótimo, para hoje e
para o futuro. Mas que dá certa nostalgia, no Brasil que "perdeu a
relevância".
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