Sobre uma possível Terceira via para Moçambique
É com certa presunção que faço estas notas pois ainda não tive acesso ao manifesto pela terceira via proposta pelos filósofos José Castiano e Severino Nguenha. Não vejo a hora de ler o texto. Mas com base apenas no que ouvi dos dois eminentes académicos no programa da STV, arrisco me dizer que está aqui uma oportunidade ímpar de repensarmos o país e quiçá reinventá-lo. A proposta apresentada por dois dos melhores cérebros do nosso país tem toda a potencialidade de orientar a nossa caminhada daqui em diante com algum sentido de direção. Até aqui estamos à deriva em mar alto e sem navegador, muito menos capitão.
Resumidamente, o manifesto filosófico chama por uma combinação do que houve (ou há) de melhor nas duas vias de desenvolvimento e de construção de estado que tivemos desde a independência. Ou seja, propõem recuperarmos o bebé que foi jogado junto com a água do banho. Da primeira via – o socialismo e o centralismo político-económico (1975-1990/4) – os autores propõem que resgatemos o projeto colectivo e a sua dimensão social (o estado de providência). Para lá devem ficar os elementos amordaçadores das liberdades individuais e civis e o pendor autoritário do estado. Da segunda via – do neoliberalismo multipartidário a partir de 1994 – devemos manter e reforçar as liberdades civis e descartar o egoísmo parasitário dos que mais beneficiaram da transição da primeira para a segunda via. Há ainda que reforçar as estruturas políticas e de estado, e com elas melhorar o compromisso com o jogo democrático e a participação de todas as forças vivas da sociedade. O mais importante ingrediente para esta nova via, defendem os filósofos, é a elaboração de uma agenda nacional que seja de natureza comum e que aglutine consensos nos seus mais basilares alicerces. Ou seja, que haja uma visão clara e coerente sobre o tipo de país que gostaríamos que Moçambique fosse e metas objectivas sobre como tornar essa visão uma realidade. Não se trata de uma utopia, asseveram os autores. Mas de uma bússola que guie a nossa vida em comunidade para que possamos sair do covil em que nos encontramos.
De facto, o covil é enorme. Trata-se de um país de permanentes conflitos armados (agora temos dois, um no centro e outro e no norte); um país de catástrofes naturais (ora são cheias ora são secas); um país de corruptos e caloteiros e sem credibilidade nos mercados financeiros internacionais. E porque os dados não enganam, um país que partilha as últimas posições no relatório do PUNUD de 2019 entre os mais pobres do mundo – estamos na 180 posição entre 189 países (a Guiné-Bissau – esse país que um certo patrão já disse para lá irem aqueles que não estavam contentes com a pérola do índico – ainda consegue estar acima de nós). Engane-se quem pensa que os recursos naturais de Cabo Delgado irão por si sós tirar-nos da vergonhosa posição. Partilham connosco a infâmia da pobreza países riquíssimos em recursos naturais (a RD Congo, o Sudão do Sul, a Serra Leoa). O PNUD não avalia o desenvolvimento económico dos países, mas sim o desenvolvimento humano. Ou seja, a qualidade de vida que os cidadãos usufruem nos seus países. E nós estamos na lista dos que estão a baixo da linha de pobreza, com um baixo índice de desenvolvimento humano. Muitos ficarão chocados ao saber que o Zimbabwe – esse nosso muito perturbado vizinho cujos cidadãos atravessam a fronteira para comprar em nossos mercados aquilo que lhes falta em casa – está na 150 posição, entre os países com o índice de desenvolvimento humano mediano.
Se a autoestima e o patriotismo servem para alguma coisa deviam ser mobilizados não para identificar inimigos internos e externos e apóstolos da desgraça. Mas sim para provocar em nós a vergonha de estarmos em tal posição e decidirmos fazer algo para de lá sair. É por isso que a proposta da terceira via que os nossos filósofos nos apresentam é fundamental e urgente. Uma visão comum de país não pressupõe ausência de divergências políticas e ou identitárias entre nós. Somos um país de cerca de 30 milhões de habitantes com mais de 16 línguas distintas e culturas locais diversas. É normal e saudável que haja entre nós diferenças e divergências. Mas que elas se encontrem e se manifestarem nessa visão comum de país, de tal forma que, mesmo na nossa diversidade e divergência, quando houver uma ameaça a essa visão, seja ela de onde vier, de dentro ou de fora, nos possamos mobilizar para defendê-la. É aqui que entra uma das forças sociais mais potentes de qualquer país. As elites politicas e económicas.
Se a autoestima e o patriotismo servem para alguma coisa deviam ser mobilizados não para identificar inimigos internos e externos e apóstolos da desgraça. Mas sim para provocar em nós a vergonha de estarmos em tal posição e decidirmos fazer algo para de lá sair. É por isso que a proposta da terceira via que os nossos filósofos nos apresentam é fundamental e urgente. Uma visão comum de país não pressupõe ausência de divergências políticas e ou identitárias entre nós. Somos um país de cerca de 30 milhões de habitantes com mais de 16 línguas distintas e culturas locais diversas. É normal e saudável que haja entre nós diferenças e divergências. Mas que elas se encontrem e se manifestarem nessa visão comum de país, de tal forma que, mesmo na nossa diversidade e divergência, quando houver uma ameaça a essa visão, seja ela de onde vier, de dentro ou de fora, nos possamos mobilizar para defendê-la. É aqui que entra uma das forças sociais mais potentes de qualquer país. As elites politicas e económicas.
Dizem os autores que todas as nações são dirigidas por elites económicas e políticas. Subscrevo. Porque chegamos tarde ao jogo democrático, fomos impingidos esta ideia de que não deve haver promiscuidade entre política e economia. Mas essa é uma ética política que só os países com economias avançadas podem desfrutar. Mas antes desses países chegarem a tal posição, as elites politicas e económicas se confundiam. Em muitos país ainda se confundem. Por muito tempo a propriedade era a condição para a função pública ao mais alto nível, incluindo o exercício do direito cívico de eleger os dirigentes. Mas este afastamento da economia da política apenas se processou de forma orgânica. Em quase todos os países é das camadas mais economicamente favorecidas que emergem os funcionários públicos ao mais alto nível. Em países pobres como o nosso, nem mesmo a pretensão da separação destas duas esferas é possível. No nosso país o Estado continua sendo a maior fonte de produção e reprodução da elite económica. Quem controla o estado controla os mecanismos de distribuição e assim alarga a sua base clientelista, que é por sua vez o seu garante para a manutenção do poder político. As duas esferas são interdependentes. Até que o sector privado cresça a tal ponto de criar uma burguesia independente do estado, as nossas elites políticas e económicas continuaram sendo as mesmas. Mas isso não constitui em si um problema. É estrutural e inevitável dado o estágio primitivo da nossa economia.
O problema maior é quando esta elite não tem o que os filósofos chamam consciência de pertença. O burguês, não sua asserção literal, refere ao residente de uma cidade (um burgo). É pelo engenho dos residentes das cidades-estado do fim da Idade Média na Europa que se operou o milagre que resultou no capitalismo (o mais revolucionário dos sistemas produtivos que a história da humanidade já produziu – assim o reconheceu o seu mais astuto estudioso, Karl Marx). Mas o que mais caracterizava os burgueses que impulsionaram o capitalismo era a sua lealdade às suas cidades-estado (o caso dos Medici de Florença na Itália é exemplar). Não há muito que celebrar do resultado desta história – no final das contas, o nacionalismo europeu conduziu o mundo a duas guerras mundiais. Mas isso não deve diluir a lição que se deve tirar do sentido de pertença por parte das elites económicas quando posto ao serviço de uma causa maior.
Dizem os filósofos que as elites económicas devem ser a maior e melhor defesa para os mais fracos numa sociedade. Isto é fundamental. O patriotismo das massas só é válido quando a nação está em crise e precisa ser defendida. Mas o que o sustenta é o papel que as elites jogam alimentando o com obras que servem não apenas a causas individuais de acumulação, mas que engradecem a pátria. Eu vivo num país, os EUA, que por mais defeitos que tenha, produziu uma elite económica com um agudo sentido de pertença. Depois de acumular riquezas como se acumulam troféus de um desporto – foi assim que Max Weber descreveu o espírito capitalista nos EUA – eles investiram os seus ganhos no engrandecimento da nação. Construíram universidades de topo (Yale, Stanford, Venderbilt); centros de financiamento de pesquisa e de cultura de renome (Ford, Rockefeller, Carnegie, Mellon, etc). Embora muitas destas famílias não tenham participação direta na direção do país, o seu papel em construir a nação, a bem ou a mal, é inegável. Mas não precisamos ir longe para ter exemplos de como as elites servem como almofada para os choques da vida das massas. Olhemos para a forma como as elites nas sociedades africanas pré-coloniais funcionavam (ou se esperava que funcionassem). Em épocas de crise é para as elites que toda a comunidade ia buscar alento. O rei ou induna tinha sempre o seu celeiro abastado, não pela sua labuta ou dos seus, mas pela dos seus súbditos (tributos e outras façanhas). Mas esta riqueza não servia apenas para demarcar o induna dos seus subtidos, mas sim para servir de alento quando a crise bater à porta da comunidade. O prestígio do induna diante dos seus não vinha apenas da forma como usava a sua azagaia, mas também de como administrava o seu abastado celeiro e seus faustosos rebanhos.
Às nossas elites económicas/políticas falta este sentido de pertença, o patriotismo. Ao depositarem as riquezas muitas vezes ilegalmente conseguidas no estrangeiro (Suíça ou Dubai), ou mesmo ao gastarem-nas todas lá fora em luxúrias e bugigangas, as elites Africanas revelam esta falta de sentido de pertença. É isto que é mais decepcionante no caso das dívidas ocultas no nosso país. Que as nossas elites foram buscar dinheiro ilegal não para gastarem em Moçambique e dinamizar a nossa economia, mas para comprar bugigangas na África do Sul e no Dubai e gastar em futilidades. Isto é decepcionante porque é por sobre esta elite que recai a responsabilidade de dirigir o país. Muitos poderão dizer que é o problema do partido no poder. Mas vistas bem as coisas, e tendo em conta o comportamento que vemos dos partidos da oposição, nada nos garante que seria diferente com uma outra formação política no poder. O problema é mais profundo e tem a ver com a falta de uma visão clara de país, um compromisso com essa visão, e acima de tudo um sentido de pertença.
Espero que a proposta pela terceira via receba a devida atenção das nossas elites dirigentes. Os autores dizem que não está aqui a palavra definitiva. Há muito mais opiniões por considerar. Esta é apenas uma chamada para um debate sério sobre o que queremos do nosso país. No covil onde nos encontramos não podemos permanecer. Temos, de facto, muito mais gente capaz do que quando nos juntamos ao concerto das nações em 1975. Nada justificará que, em 10, 20 ou mesmo 50 anos, continuemos entre os mais pobres do mundo.
1 comentário:
Recurso ao Conselho da Segurança das Nações Unidas pode ser solução.
Pede-se a Renamo para fazer uma queixa no Concelho da Segurança das Nações Unidas contra eleições falsas em Moçambique que vem provocar anulação absoluta da Democracia que esteve na sua infância. Não houve eleições, sofremos agreções generalizadas de polícias e militares em quase todas as mesas de votos, em todo o País, como de uma guerra se tratasse e inclusive houve mortes motivadas pela Frelimo durante a campanha.
Venho muirespeitosamente propor à Direcção Sénior da Renamo a incumbir membros Académicos formados e experientes em direito e com domínio da língua inglesa a solicitarem um País membro permanente no Concelho da Segurança das Nações Unidas para elaborar texto e coordenar negociações com vista a elaborar proposta de Resolução a submeter ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para votação e aplicação. Como solução deste mau procedimento belicista da Frelimo que empurrou mais uma vez o País para a guerra.
Vislumbramos duas guerras uma no norte e a outra no centro. Todas tal como a guerra dos 16 anos que matou perto de dois milhões de Moçambicanos, ocorrem por causa da irresponsabilidade e arrogância da Frelimo. Os Moçambicanos estão de mãos atadas, vivendo na extrema pobreza. Não se deve aceitar que a Renamo continue de braços cruzados a assistir tudo isto e muito menos o mundo inteiro.
Os roubos que estão a acontecer por governantes de Moçambique são devido a falta de transparência e o próximo governo da Frelimo será governo hermeticamente fechado, e toda gente estará encurralada. Da mesma forma que o CC rejeitou todas as acusações da oposição, doravante ninguém será ouvido. O País já está capturado por uma minoria dirigida pela Frelimo.
Quando Nyuse diz que a respeito da guerra no centro, já iniciou negociações com a Renamo, isto não passa de uma cobardia e imoralidade. Destruiu as eleições para entreter-nos com negociações?
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