quarta-feira, 3 de abril de 2019

“O dia em que fui deportado do Irão por ser comediante”: Diogo Faro conta tudo

“O dia em que fui deportado do Irão por ser comediante”: Diogo Faro conta tudo

“- Are you famous in Portugal? How famous?”, perguntaram a Diogo Faro à entrada no Irão. “- I don't know... But what's the point, anyway? Is there any problem?”, respondeu. “- No, no. No problem”, disseram-lhe. Mas afinal havia mesmo um problema. Crónica de Diogo Faro

DIOGO FARO
Fui deportado, e desta parte vocês já estão todos a par, até porque eu sou um bocado histérico e fui logo para o Instagram fazer queixinhas. Mas se calhar conto-vos o que aconteceu com mais pormenor, para nos rirmos todos um bocadinho, que não é a chorar que me vão lá deixar entrar de certeza.
Estava cheio de tesão (muito entusiasmado, vá, se quiserem antes um eufemismo) com a viagem ao Irão. Três semanas de mochila às costas, sozinho, num país rico em História, gente boa e boa comida, e claro, laivos ditatoriais. Como não gostar?
Segunda de manhã voei para o Dubai, fiz uma escala de sete horas e voei para Teerão. Tendo eu passaporte português, sabia que não havia problema em fazer o visto à entrada. Cheguei, paguei o visto e o seguro, preenchi um pequeno formulário com o meu nome, nome do pai - nome da mãe não é preciso porque as mulheres são inferiores - e a minha profissão. Escrevi "comediante". Não foi mesmo entre aspas como o pessoal que quer tentar ofender os comediantes faz, foi só agora aqui no texto para destacar a palavra. "Ya, tipo o Faro foi barrado porque é...'comediante'. Lol. Menos".
Havia outros portugueses a fazer ali o visto. Foi-lhes concedido. Havia australianos, russos, chineses e mais umas quantas nacionalidades. A todos lhes foi concedido o visto. A mim tardava muito uma resposta, até que lá vieram falar comigo.
- What's this? Comedian?
- Yes, comedian...
- Hmm... Like what? Stand-up?
- Yes, stand-up, writing, stuff like that.
- Are you famous in Portugal? How famous?
- I don't know... But what's the point, anyway? Is there any problem?
- No, no. No problem.
Claro que não. 'Problem' nenhum, como já sabemos.
As horas iam passando sem me darem notícias e resolvi ir insistir. A resposta foi lacónica:
- You? Deport.
Perguntei várias vezes porquê. Deport, deport. Expliquei que ia só fazer turismo, dei o nome e número da senhora a quem tinha alugado um quarto para os primeiros dias e soube hoje por ela que lhe ligaram a fazer um belo interrogatório. Deport, deport. Amigos meus com bons contactos no Irão tentaram ajudar. Deport. Nada a fazer. Para quem não percebe muito bem inglês, deport significa "vais recambiadinho para onde vieste e já é uma sorte ires com a língua e os dedos intactos, tendo em conta as merdas que dizes enquanto 'comediante'".
Seria inocente da minha parte não achar que os Serviços de Informação do Irão não fizeram aquele "check up" maroto ao meu trabalho. Deve ter disparado o alerta vermelho quando o tradutor lhes mostrou coisas como "igualdade de género" e "direitos LGBTI".
Em todo este processo - que durou oito horas - não me foram dadas quaisquer explicações. Não me foi permitido comer porque tinham o meu passaporte retido e precisava dele para ir à zona de restauração. Não pude descansar, obviamente, e o meu cérebro já estava mais desfeito que o das pessoas que acham que "Quem Quer Casar Com o Meu Filho" era um bom programa.
Puseram-me num avião de volta para o Dubai, sempre escoltado por alguém da Emirates (só quando apareceu um representante da marca é que comecei a ser bem tratado e me deram comida). Fui novamente escoltado no aeroporto do Dubai até aos serviços de imigração e lá fui "libertado". Comecei a rir-me sozinho quando encontrei a minha mala na zona de recolha de bagagem mas completamente abandonada no meio do chão. Foi uma metáfora bonita ver-me com uma mochila sem valor no meio no nada. Ah, que dramático. Estou a exagerar. Claro que fiquei triste e muito irritado, mas nada de grave.
Eu sabia que para jornalistas e militares a entrada no Irão era difícil, para comediantes não fazia ideia. Foi uma maneira bastante dura de o ficar a saber.
Continuo com a mesma boa impressão do povo iraniano, que acredito ser realmente bom, continuo com o mesmo asco a regimes ditatoriais e opressores.
Enfim, a verdade é que a cerveja é proibida lá. Até foi um favor que me fizeram.

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