Sexagenário que terá planeado ataque em solo francês começou a ser julgado nesta segunda-feira em Lisboa. “Não é crime ser praticante da religião islâmica”, alega, garantindo estar inocente.
O marroquino de 65 anos que começou nesta segunda-feira a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa, por suspeitas de terrorismo assumiu-se como um activista dos direitos humanos. “Sou uma pessoa normal, tranquila. Contra a violência e pela tolerância. Não é crime ser praticante da religião islâmica”, disse Abdesselam Tazi aos juízes.
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Não é, porém, isso que pensam as autoridades, que vêem no sexagenário um soldado do autoproclamado Estado Islâmico. Terá mesmo ajudado a planear, a partir de Portugal, um atentado em solo francês que a polícia terá conseguido abortar.
Quando entrou em Portugal, em 2013, Abdesselam Tazi já estava habituado a viajar mundo fora. Casara com uma sueca, primeiro, e com uma canadiana, a seguir, recordou em tribunal. Se fosse extremista, como o acusam de ser, nunca se poderia ter unido a duas mulheres católicas, alegou.
O problema é o material ligado a autores extremistas encontrado no quarto alugado em que passou a morar em Aveiro quando lhe foi concedido o estatuto de refugiado, e cuja proveniência não sabe explicar.
Partilhava o alojamento com um compatriota, entretanto preso em França, também por terrorismo, Hicham El Hanafi, e incriminado pela própria família. Um irmão seu garante que Hanafi chegou a receber treino militar na Síria, tendo regressado a Portugal para recrutar adeptos. Essa seria também, segundo o mesmo denunciante, uma das principais missões de Tazi, que terá radicalizado vários marroquinos que conheceu no Centro Português de Refugiados, na Bobadela.
O arguido desmente tudo: diz que o irmão do colega de quarto queria à força que participasse com ele num negócio de tráfico de haxixe. E que quando recusou a sua vingança foi denunciá-lo às autoridades como terrorista. “Desde aí que a polícia me segue por todo o lado”, queixa-se.
Mas por que razão um refugiado que recebia do Estado português um subsídio que nem sempre chegava aos 200 euros mensais viajava pelo Brasil, pela Guatemala e por tantas outras paragens? – quiseram saber os juízes.
"Não sou um pregador"
Tazi respondeu que tudo fazia parte de um esquema de utilização fraudulenta de cartões de crédito a que recorreu ao longo de vários anos para se sustentar. Com identidades falsas que chegava a comprar nestes países abria contas bancárias em países em que isso desse facilidade de acesso a cartões de crédito, como a Alemanha, descreveu, para depois comprar telemóveis ou sapatos que revendia em Marrocos. Objectivo: abrir uma boutique em Portugal. Também tentou lançar um negócio de exportação de tâmaras para o Brasil, acrescentou.
Embora tenha prestado a maior parte das suas declarações em francês e tenha recorrido a uma tradutora para se fazer entender, o sexagenário está familiarizado com alguns termos portugueses. Como “super-juiz": foi Carlos Alexandre quem o ouviu nos primeiros interrogatórios. “O super-juiz Carlos Alexandre está mal informado sobre o Islão. Para ele, os muçulmanos praticantes são automaticamente terroristas”, criticou.
Tazi diz que chegou a integrar a Polícia Judiciária marroquina nos anos 80 mas que teve de abandonar o seu país natal por estar prestes a ser torturado pelas autoridades. Pertencia a um partido político que contestava o regime ditatorial e assume-se como um activista dos direitos humanos. “Sou um simples muçulmano, não sou um pregador”, insiste. “A religião é uma coisa muito pessoal.”
“O irmão passava o dia a ver filmes de guerra”
O relato foi feito esta segunda-feira à tarde em tribunal por uma funcionária do Centro Português de Refugiados, e diz respeito aos dois cidadãos marroquinos que moravam em Aveiro até há poucos anos e são agora suspeitos de pertencerem ao Estado Islâmico.
Tanto Abdesselam Tazi como Hicham El Hanafi entraram em Portugal em 2013, tendo ficado em território nacional ao abrigo do estatuto de refugiados. Em 2015 o segundo mandou vir de Marrocos um irmão e uma prima. E foi este irmão que confessou à funcionária do Centro Português de Refugiados, Bárbara Oliveira, aquilo que se passou num certo dia de Março de 2015, depois de visitar a dupla de compatriotas em Aveiro: “Disse-me que estava muito preocupado com o estado de Hicham, porque Tazi não lhe permitia sair de casa. Ficava lá o dia inteiro a ver filmes de guerra, a ler livros e dentro de algum tempo iria para a Turquia, para atravessar a fronteira para a Síria”. Mohamed Amine El Hanafi queria falar com as autoridades para pedir ajuda, mas o irmão, segundo havia de contar mais tarde à polícia, havia mesmo de ir para aquele país receber treino militar durante dois meses, após os quais regressaria para recrutar mais operacionais.
Naquela altura, porém, ainda a sua curta carreira ao serviço do autoproclamado Estado Islâmico estaria a começar e era Abdesselam Tazi quem mandava nele. Outra funcionária do Centro Português de Refugiados também se recorda da preocupação manifestada pelo irmão do marroquino: “Disse que o encontrou numa casa em Aveiro a ver vídeos ligados a práticas terroristas”.
Abdesselam Tazi voltou a sublinhar que tudo não passa de uma história inventada por Mohamed, por se recusar a alinhar com ele no tráfico de haxixe. Diz que nunca teve nada a ver com extremismo islâmico, e que prova disso é ter-se casado por duas vezes com duas mulheres que nem sequer eram muçulmanas, uma canadiana e outra sueca.
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