sábado, 6 de abril de 2019

Dois gémeos idênticos recusam dizer qual deles é o pai de uma criança. Juiz decide que ambos vão pagar alimentos


DEA/ G. SOSIO/GETTY

Uma solução criativa para um caso singular, com o objetivo de fazer com que a pessoa mais inocente na história não saia prejudicada

Já que nenhum queria ser pai, vão ser os dois. Assim entendeu o tribunal de Goiás, no Brasil. Dois irmãos gémeos identificados como Fernando e Fabrício - nomes fictícios - recusam esclarecer qual deles é o pai de uma menina cuja mãe teve um breve affair com um deles; ou, se calhar, com os dois.
Como os testes de ADN foram inconclusivos (sendo gémeos univitelinos, isto é, nascidos do mesmo óvulo fertilizado pelo mesmo espermatozóide, em ambos o teste deu 99,9 por cento de probabilidade positiva de serem pais da menina) o juiz decidiu que cada um deles vai pagar a pensão de alimentos obrigatória, que corresponde a um terço do salário mínimo brasileiro. Assim, optou por beneficiar duplamente a menina em vez de a privar do seu direito.
Parece que os gémeos sempre se aproveitaram de terem aparência idêntica para pregar partidas. Na infância seriam partidas inocentes, mais tarde passaram a envolver relações que iam mantendo com mulheres, as quais nem sempre se apercebiam de que tinham mais do que um namorado.
Com a mulher que agora foi a tribunal exigir os alimentos (que disse que o namorado se apresentava como Fernando mas andava com a motocicleta de Fabrício), terão achado que bastava criar uma dúvida insolúvel para a obrigação desaparecer. Mas o juiz não aceitou.
“Um dos irmãos, de má-fé, busca ocultar a paternidade", escreve ele. "Referido comportamento, por certo, não deve receber guarida do Poder Judiciário que, ao revés, deve reprimir comportamentos torpes, mormente no caso em que os requeridos buscam se beneficiar da própria torpeza, prejudicando o direito ao reconhecimento da paternidade biológica da autora, direito este de abrigo constitucional, inalienável e indisponível, intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso 3, da Constituição da República)”.
Para desenvolver o seu argumento, o juiz invoca o conceito de multiparentalidade biológica. “A multiparentalidade, normalmente, ocorre entre uma filiação biológica e uma afetiva, dando ensejo, pois, a dupla paternidade genética ou biológica. E o caso sub judice, nesse aspecto, goza de certa particularidade, pois não é com frequência que se encontra um processo de reconhecimento de paternidade a existência de duas pessoas, possíveis pais, com o mesmo DNA".
"Assim, diante das peculiaridades do caso concreto, reputo que a decisão que mais açambarca o conceito de justiça, é aquela que prestigia os interesses e direitos da criança, em detrimento da torpeza dos requeridos”, conclui o juiz, numa sentença que lembra as que têm vindo a ser tomadas noutros tipos de casos, nomeadamente criminais, em vários países do mundo.

Sem comentários: