Organizações de defesa dos direitos humanos e jornalistas apelaram hoje à libertação imediata e incondicional do jornalista moçambicano Amade Abubacar, da rádio comunitária Nacedje e colaborador do portal Zitamar News, preso preventivamente desde 5 de Janeiro.
Em comunicado conjunto, as 38 organizações – entre as quais Amnistia Internacional, Organização Mundial contra a Tortura, Instituto de Liberdade de Expressão e Comité de Protecção de Jornalistas – consideraram que a detenção de Amade “faz parte de um padrão de repressão de jornalistas na província de Cabo Delgado”, no norte de Moçambique.
“A detenção e continuação da detenção violam a Constituição de Moçambique, bem como as obrigações do país no âmbito do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de respeitar e proteger os direitos à liberdade de expressão e ao devido processo legal, que inclui o direito de ser presumido inocente até prova”, sustentam as organizações.
O jornalista Amade Abubacar, de 31 anos, foi detido na vila de Macomia, quando fotografava famílias que abandonavam o local devido ao medo da violência armada protagonizada por grupos desconhecidos naquele ponto de país.
A sociedade civil instou “as autoridades moçambicanas a que ponham fim às detenções arbitrárias de jornalistas e libertem imediata e incondicionalmente Amade Abubacar, que é um prisioneiro de consciência detido exclusivamente pelo seu trabalho como jornalista”.
Por outro lado, as organizações não-governamentais exigem que Moçambique investigue “os alegados maus-tratos a Amade” e que “responsabilize todos os responsáveis”
“Com estas acções, Moçambique marcaria um passo importante para garantir a liberdade de imprensa e garantir o direito à liberdade de expressão no país”, apontaram.
Segundo as autoridades moçambicanas, Amade Abubacar é suspeito de violação de segredo de Estado e instigação pública com recurso a meios informáticos.
As últimas informações disponíveis indicam que Amade Abubacar encontra-se no estabelecimento penitenciário de Mieze, que alberga parte considerável de indivíduos suspeitos de estarem ligados aos grupos armados que têm protagonizado ataques em Cabo Delegado.
Além de Amade Abubacar, o jornalista Germano Daniel Adriano, também da Rádio e Televisão Comunitária de Macomia, foi detido em 18 Fevereiro, acusado também de violação do segredo de Estado e instigação pública a um crime.
Em Junho do ano passado, Pindai Dube, jornalista, foi detido pela polícia em Pemba e acusado de espionagem, acabando por ser libertado três dias depois.
Seis meses volvidos, Estacio Valoi, um jornalista de investigação, e David Matsinhe, da Amnistia Internacional, foram detidos no distrito de Mocímboa da Praia por militares e colocados sem contacto durante dois dias, acusados de espionagem e de apoiarem um grupo extremista.
A onda de violência em Cabo Delgado eclodiu após um ataque armado a postos de polícia da vila de Mocímboa da Praia por um grupo com origem numa mesquita local que pregava a insurgência contra o Estado e cujos hábitos motivavam atritos com os residentes desde há dois anos.
Desde Outubro de 2017, já terão morrido mais de 150 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança e um trabalhador na construção de um dos empreendimentos dos projectos de exploração de gás natural na região.
Em memória de Carlos Cardoso
O jornalista moçambicano Carlos Cardoso foi assassinado, em Moçambique, no dia 22 de Novembro de 2000, porque como Jornalista fazia uma séria investigação à corrupção que rodeava o programa de privatizações apoiado pelo Fundo Monetário Internacional.
Para Mia Couto, «não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um Jornalista moçambicano. Foi assassinado um homem bom, que amava a sua família e o seu país e que lutava pelos outros, os mais simples. Mas mais do que uma pessoa: morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós».
Embora sejam uma espécie em vias de extinção, os Jornalistas continuam (em todo o mundo) a ser uma espinha na garganta dos ditadores, mesmo quando eleitos e escudados em regimes democráticos. Viva Carlos Cardoso.
Porque morreu Carlos Cardoso? Morreu por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem. Morreu, ainda segundo Mia Couto, porque «a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar».
Morreu, «por ser puro e ter as mãos limpas». Morreu «por ter recusado sempre as vantagens do Poder». Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.
«Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras», afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo.
Nas outras, onde funcionam linhas de enchimento de conteúdos, não deve figurar. E não deve porque Carlos Cardoso não pode ser confundido com a escumalha que vegeta em muitas delas à espera de um prato de lentilhas.
É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitos assassinatos. O crime contra os Jornalistas é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliza-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaça-se.
«O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pelo selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie», disse Mia Couto numa cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.
É isso mesmo. Continua a ser isso mesmo, seja em Moçambique ou na Guiné-Bissau, em Angola ou em Portugal.
Folha 8 com Lusa
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