sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Shakira Lectícia e os seus amigos do Facebook: conspiração ou diversão?

Shakira Lectícia e os seus amigos do Facebook: conspiração ou diversão?


Shakira Júnior Lectícia, que durante 13 meses manteve uma conta no Facebook exaltando a insurgência em Cabo Delgado, publicava fotografias de jovens que aparentemente haviam aderido aos grupos que espalham o terror em aldeias remotas do norte de Moçambique. A foto do seu perfil era falsa. “Carta de Moçambique” investigou e localizou parte desses jovens, fotografados a exibir maços de dinheiro como se tivessem sido pagos por sua participação nas matanças.

A 9 de Dezembro deste ano, Shakira Lectícia Júnior exibiu mulher sentada na cama de um quarto que ele alegava ser de uma residencial de Macomia. A mulher vestia roupas interiores. “Prostituta de Macomia era bonita”, escreveu ele. “Carta” localizou a senhora. Chama-se Rufina e vive no bairro central de Macomia. É mãe de três filhos. Foi esposa de um mecânico da praça local. Mais tarde se juntou a um professor da Escola Secundária Padre Paulo de Macomia. Separou-se do professor e vive agora de pequenos negócios, entre os quais o fabrico e venda de Kabanga, uma bebida tradicional caseira na base de farelo de milho. Suas fotos foram alegadamente tiradas por um amigo. Não conseguimos falar com Rufina. Na sua casa em Macomia disseram que tinha ido à machamba, num lugar distante. Um amigo descreve-a como uma mulher meiga e “normal”, sem traços de estar alinhada com os insurgentes.

Nos dias 11 e 22 de Novembro passado, Shakira publicou fotos de um jovem exibindo dinheiro como provável recompensa por ter aderido à insurgência. A intensão ela era clara: passar a narrativa de que quem se alista nos grupos que queimam aldeias em Cabo Delgado tem gratificação instantânea. “Carta” identificou o jovem na foto. Trata-se de João Álvaro, de 23 anos, hoje trabalhando na Cidade da Beira, numa instituição ligada ao Ministério da Defesa. Natural do Niassa, diz que nunca esteve no norte de Cabo Delgado. Em 2006, passou apenas uns dias distrito no limítrofe de Balama. Em contacto com “Carta”, ele se manifestou surpreendido quando viu suas fotos circularem nas redes sociais. Amigos, primos e conhecidos perguntavam-lhe o que é que estava a acontecer.

Álvaro garante que não conhece Shakira, mas confirma que as fotos são suas. Ele as tinha partilhado num grupo de whatsapp denominado “Maior de 18 anos”, de pessoas naturais de Cabo Delgado, concretamente de Pemba e Macomia. Diz que foi adicionado ao grupo por um amigo. Os assuntos de partilha eram sobre “lifestyle”, uma plataforma de exibicionismo. Nas fotos que Shakira publicou, ele aparece com dinheiro nas mãos. Montes de notas de Mil Meticais. Em entrevista a “Carta”, Álvaro revelou que o dinheiro não era seu, mas dum amigo que pretendia levantar 20 000 Mts mas que, devido às limitações das ATM, decidiu transferir metade para a sua conta. Quando os dois conseguiram juntar os 20 000 Mts, deixaram-se fotografar com as notas em punho e um sorriso rasgado. Publicaram as imagens no “Maior de 18 anos”, para darem um ar de falsa abastança. Essas fotos foram publicadas por Shakira com um texto onde ele aludia à alegada recompensa pecuniária que a participação nos ataques da insurgência trazia. Mas como Shakira teve acesso às fotos nesse grupo de whatsapp? Era ele membro desse grupo? Alguém do grupo partilhou com ele? Quem? Eis alguns aspetos ainda nebulosos.

Certo, certo é que Shakira gostava de usar imagens alheias. Uma vez publicou uma fotografia de mulher, para atualização do seu perfil. Comentários de seus amigos virtuais não tardaram. “A tal Shakira, a procurada”, escreveu um. “A mesma e nunca será descoberto ou descoberta”, respondeu ele. “Carta” estabeleceu que a mulher na foto chama-se Amina Hassane. É natural de Pemba e vive em Vilankulo, onde trabalha há 5 anos, indo a Cabo Delgado apenas no período de férias. A foto terá sido publicada num grupo de whatsapp denominado “Melhores Amigos”, integrando 50 pessoas, na sua maioria naturais e amigos de Cabo Delgado. Em entrevista à “Carta”, Amina Hassane rejeitou qualquer ligação com Shakira. Ela diz que ficou afetada pela exposição da sua foto sem autorização. Sob aconselhamento de amigos e familiares, Amina disse-nos que denunciou a conta durante três dias consecutivos, incluindo no dia 10, quando a mesma deixou de estar online.

Outra jovem cuja foto foi publicada por Shakira chama-se Joka. Ela vive há anos na Vila de Macomia. Disse à “Carta” que suas fotos teriam sido captadas por telefone por uma cunhada. A intenção era enviar as fotos para o namorado Tony, com quem estava desavindo. As fotos foram tiradas no interior de um quarto. Joka diz que pediu a um amigo para enviá-las para Tony por whatsapp, o que foi feito. O que continua misterioso, no entanto, é como é que as fotos de Joka pararam no perfil do Facebook de Shakira. Tony era militar e esteve em Macomia recentemente numa missão, que visava travar a progressão dos insurgentes. Estava afecto no Posto Administrativo de Quiterajo. Nas suas viagens à sede do Distrito, ele conheceu Joka, com quem começou a namorar.
De acordo com nossas fontes em Macomia, Tony, porque estava entusiasmado com a relação, abandonou sua posição militar para estar com a namorada na vila. Quando em Quiterajo se dá conta da sua ausência, ele é procurado. Capturado, foi enviado ao quartel de Mueda e depois devolvido a Maputo. Cheio de saudades de Joka, ele pediu à namorada que lhe enviasse fotos. Isto foi na semana passada. Dias depois, as fotos de Joka inundaram as redes através da conta de Shakira Lecticia Júnior. Os contactos que “Carta” obteve para tentar chegar à fala com Tony não funcionam. Estão fora de área.

Em Macomia, “Carta” soube que a Policia já estava a investigar Shakira para descobrir sua real identidade. Uma equipa de peritos do Sernic, ida de Pemba para Macomia, começou a investigar estas relações. Joka e a cunhada “fotógrafa”, mais o jovem que enviou as fotos, já foram ouvidos. O jovem que enviou as fotos para Tony disse, durante o interrogatório, que fê-lo a pedido da pessoa indicada. A cunhada “fotógrafa” disse que apenas tirou as fotos conforme pedido e não pensou que as mesmas seriam depois vazadas para as redes sociais ou enviadas a um namorado. Por sua vez, Joka pediu às autoridades para investigarem até as últimas consequências. Uma das peças-chaves para se chegar a Shakira é Tony. As evidências circunstancias sugerem que eles os dois se conhecem. Mas chegar a Shakira pode ser instrumental para se descobrir quem anda alimentar o extremismo em Cabo Delgado? Talvez! Ou isto tudo não passa de militares descontentes que fizeram do Facebook um simples boneco de diversão, com incitamento à violência?
(Saíde Abibo, com Omardine Omar)
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