domingo, 9 de dezembro de 2018

A vergonhosa fraude eleitoral de Marromeu

EDITORIAL
Por todos os relatos até aqui produzidos, cristaliza-se a imagem de que as eleições do dia 22 de Novembro, em Marromeu, não corresponderam aos padrões de um escrutínio livre, justo e transparente.
Em resumo, nunca se pode considerar que tenham sido credíveis.
Os seus resultados não podem, por isso, serem considerados legítimos.
Estas eleições eram uma repetição, depois do CC ter concluído que as primeiras, no dia 10 de Outubro, estavam repletas de irregularidades tais que não permitiam que elas fossem consideradas como sendo o reflexo integral da vontade dos eleitores. Tratava-se, por isso, de uma correção. Mas foi uma correção que foi dar mais do mesmo.
A avaliação feita por vários observadores nacionais, incluindo jornalistas, e ainda os outros partidos concorrentes, com a excepção da Frelimo, fala de ilícitos protagonizados à luz do dia, por gente cuja responsabilidade é proteger a integridade do desejo dos eleitores, e não subverte-lo. A todos os níveis, foi uma eleição catastrófica; com um nível de irregularidades que tornam a primeira eleição um piquenique no jardim. De facto, foi um gesto com o dedo do meio para o Conselho Constitucional, que decidira pela repetição do escrutínio.
Há factos irrefutáveis, que aconteceram nesta eleição em Marromeu, os quais, por si só, devem ser considerados indicação clara de que o processo foi viciado.
A interrupção da contagem de votos é grande motivo para que não se tenha fé na integridade dos passos subsequentes. A contagem deve ser contínua, contando a partir do momento em que é concluída a votação.
A retirada de qualquer urna contendo votos para outro local que não seja o oficialmente indicado para a contagem deve ser o suficiente para invalidar o escrutínio. Mesmo que se alegue que a mesma é posteriormente devolvida, quem é que terá fé quanto à impossibilidade de ela ter sido trocada ou mesmo violada?
Estes são factos ocorridos em Marromeu, e que devem levar qualquer entidade séria e responsável a não aceitar que os resultados daquela eleição sejam tidos como válidos.
Esta eleição deve ser nula, e os dirigentes dela resultantes declarados ilegítimos.
A gravidade da situação levou a hierarquia da Igreja Católica, geralmente reservada quanto a estas matérias, a referir-se ao caso na sua última Carta Pastoral. A repetição, diz aquela instituição religiosa, “não repôs a credibilidade do processo eleitoral, tendo resultado em piores arbitrariedades que incluíram a falta de produção de editais nas mesas de votação, forja de editais (...)”
Os Bispos consideram que esta acção “manifesta um claro desacato à decisão do Conselho
Constitucional de retomar as eleições em moldes claros e transparentes”.
A embaixada dos Estados Unidos, um dos principais parceiros para o desenvolvimento de Moçambique, não ficou alheia a este processo, e nem se deixou ficar por uma linguagem diplomática, perceptível apenas numa leitura entrelinhas.
“Estamos seriamente preocupados que as irregularidades reportadas a seguir ao processo de contagem em Marromeu irão ensombrar a corrida eleitoral no seu todo”, diz uma nota daquela representação diplomática, ao mesmo tempo que faz notar que “uma democracia sólida e estável depende de um processo eleitoral que é consistentemente transparente, justo e legítimo”.
Mas a maior indignação para a sociedade não deve ser somente pelo facto destas irregularidades
terem acontecido. Deve residir, isso sim, na constatação de se tratar de acções sistemáticas nos nossos processos eleitorais, deliberadas, e muitas vezes perpetradas por pessoas devidamente identificadas, mas a quem a lei não ousa incomodar.
A Frelimo, em nome de quem estes actos criminosos são cometidos, supostamente para a favorecer, nunca se insurgiu publicamente contra eles, o que sugere que não se sente incomodada por isso.
É sintomático que todos os partidos da oposição reclamem que tenha havido fraude, que missões de observação sejam unânimes quanto a isso, mas aparecer sempre o partido Frelimo a defender que as alegações de fraude existem apenas na fertilidade da imaginação dos outros, e reiterar a sua confiança plena nos órgãos de administração eleitoral onde possui maioria, e onde as decisões são sistematicamente tomadas pela via do voto, e não no estrito respeito pela lei.
Pelas responsabilidades que tem na administração do Estado, e dado o seu percurso histórico como partido que lutou contra a injustiça colonial, a Frelimo devia se sentir embaraçada com este tipo de situações. Ao acobertar estes actos e impor a sua autoridade sobre populações que querem uma governação alternativa nos seus territórios, ela não se diferencia do modelo colonial contra o qual os moçambicanos se revoltaram durante séculos.
Um país que quer ser levado a sério não pode ter uma classe política que funciona como uma máfia, uma máfia que pelos seus ignóbeis actos desafia as instituições do Estado, colocando, por isso, em causa a segurança, estabilidade e progresso desse mesmo Estado.
Dizer que estes actos são revoltosos é ser brando perante uma situação que já ultrapassa os limites do tolerável.
SAVANA – 07.12.2018

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