Silvinho regressou ao “padherine”
Ontem, o Silvinho regressou às origens e fez finalmente as pazes. Na companhia do Abdul Naguibo, Silvinho esteve no “Padherine”, no arreal profundo de “Satháre”, o bairro mais iconográfico de Inhambane (só competindo nessas manias de quem mais deu de cultural à cidade, com o Chalambe), oferecendo livros às crianças da escola onde ele frequentou o ensino primário. E fez bem! Um bravo mas desinteressado assomo de filantropia. Na peça da TVM, vi a professora Maria Ofélia, já velhinha, exultando de alegria e comoção. Dois seus antigos alunos de primária regressavam à escola onde levaram nas mãos as incontornáveis reguadas associadas ao aprendizado da tabuada e da gramática.
A Maria Ofélia tinha a fama de professora ríspida, mas quem passou por aqueles critérios do ensino, desse outrora não muito distante, não guarda na memória as mágoas por um "bullyng" que, na verdade, nunca foi. Hoje seria violência com direito a severa sanção moral. Mas os métodos de antes tinham sucesso. A escola era uma verdadeira base de socialização primária. Silvinho e Naguibo formaram suas bases mentais nesse “padherine”, como era conhecida a escola. E hoje são o que são na vida pública moçambicana. Silvinho é o Roque Silva, o actual Secretário Geral da Frelimo, o mais prolífico desde Manuel Tomé. Abdul Naguibo é o atual PCA da RM, filho do velho Nhalenguana (ou, por outro dizer, o irmão do Carimo Nhalenguana). “Padherine” é uma corruptela bitongueira de “nos padres”. A escola, hoje denominada 1 de Maio, foi aberta pela igreja católica ainda no regime colonial. Com uma minúscula capela e 4 salas de aulas, juntava as missões de evangelizar e educar. Chamaram-lhe Escola Paroquial de Santo António de Santarém.
Silvinho e Naguibo são de uma geração que fez o ensino primário entre o final do regime colonial e os primeiros anos da independência. Do “padherine” devem guardar memórias de uns tempos onde naqueles arrabaldes se jogava à bolas de trapinhos e, nos intervalos, se subíamos cajueiros para sacudir os ramos grávidos da fruta mais fecunda. Ontem, o dois poisaram novamente nesse lugar de memórias indeléveis.
Hoje a escola tem outras crianças estudando. Quem sabe, na forja outros quadros deste país sairão daquele minúsculo lugar. A ideia de fazer as pazes, no caso do Silvinho, é que ele se abalou ainda nos anos 80 para Gaza. Foi lá onde começou como funcionário do “Apoio e Controlo”, onde se fez o político sagaz que ele é. O canino defensor da Frelimo. Afável mas temido. Um buldózer que mete o partido em tudo o que faz. Maquiavélico com medida.
Recordo-me quando ele ia de Xai Xai de férias à Inhambane. Para nós os mais novos, incluindo seus irmãos e vizinhos da minha idade, ele parecia um forasteiro. Desses que se descasam das origens. Nem punha momentaneamente o rabo naquelas esteiras alinhadas defronte da casa do Tio Maciel (o pai do Jaco Maria e do Dua), onde passávamos tardes jogando Monopólio e ouvindo os Supertramp (Free as a Bird) num “duplo deck” Sony. O Silvinho se tornara num estrangeiro. Tendo feito carreira em Gaza, calcorreando toda a província como administrador, ele encarnava o espírito machangana: um enorme “machão” no tratamento da oposição.
No regresso para Satháre (outra corruptela bitongueira, agora de Santarém, o nome colonial do bairro, que hoje se chama Liberdade), ele faz as pazes com as aragens poeirentas da zona. O sorriso da Maria Ofélia é como que uma aprovação desse regresso. Silvinho foi recebido como um filho que nunca partiu. Seu coração sempre esteve na terra. O Naguibo também. Desenganem-se os zambezianos se pensam que ele é um muanachaubo kankala buruto. Nada! É também bintogueiro de gema, da mais pura verve intelectual manhambana, que cresceu entre os coqueiros verdes da sura e os sabores do mihili frito com arroz de coco.
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