Numa velha república das bananas, este seria o momento para José Eduardo dos Santos (JES) fazer sair uns tanques e uns canhões das casernas e afastar João Lourenço com um pronunciamento militar, enquanto o general se encontrasse preso na barriga do avião que o transporta para Portugal.
JES não tem tropa ou não tem fôlego para a fazer sair dos quartéis, por isso optou por fazer uma aparentemente amena conferência de imprensa em que se defendeu, atacando publicamente, pela primeira vez, João Lourenço.
A verdade é que a conferência de imprensa de JES deixa duas marcas fundamentais: trata-se da primeira invectiva amplamente publicitada do antigo presidente contra o novo; ataca o ponto fraco de Lourenço, onde se estão a sentir presentemente as maiores dificuldades e onde a equipa de Lourenço revela extrema incompetência e falta de visão: a economia.
JES começou por explicar que, quando abandonou o poder, não havia falta de dinheiro no tesouro angolano, e deu várias explicações para isso.
Em primeiro lugar, o défice público era financiado por títulos do tesouro comprados pelos bancos comerciais. Quer isto dizer que o governo emitia papel através do qual os bancos lhe emprestavam dinheiro a juros. E que, naturalmente, bastaria prosseguir esta prática para se continuar a ter dinheiro. Se isto era assim, temos um problema bem grave na relação entre as finanças públicas e a solvabilidade da banca angolana, o qual merece estudo aprofundado.
Em segundo lugar, afirmou JES, existiam as reservas do Banco Nacional de Angola (BNA), que montariam a 15 mil milhões de dólares norte-americanos. Resta saber quantos destes milhões foram “acomodados” em bolsos privados imediatamente antes da saída de cena do antigo presidente.
Finalmente, Dos Santos explicou que as receitas do Orçamento Geral do Estado (OGE) permitem sempre encher os cofres, e que Lourenço só não fez isso porque atrasou a aprovação do Orçamento. Aqui sempre se comentará que as receitas só enchem os cofres do Estado se as despesas não forem maiores.
Depois, JES dedicou-se a ilustrar como estava a economia no final do seu mandato para, obviamente, vincar o contraste com os problemas que ela vive nos tempos de Lourenço.
JES referiu que, apesar da redução do preço do petróleo bruto até aos 38 dólares, manteve sempre a economia debaixo de controlo, não desvalorizando a moeda (piada à desvalorização acentuada e, possivelmente, desastrada levada a cabo por Massano, governador do BNA), pagando a tempo e horas à função pública, incluindo o 13.º mês, mantendo o poder de compra através da indexação gradual dos salários à inflação, garantindo a cesta básica, e baixando a inflação em seis meses.
E concluiu sublinhando que no seu tempo havia uma relativa estabilidade na economia nacional.
Este não é o tempo de desmontar as afirmações de JES. É o tempo de dizer o que elas significam. E significam duas coisas:
Dos Santos chama mentiroso e incompetente a João Lourenço. Mentiroso por ter afirmado que encontrou os cofres vazios, quando eles estavam suficientemente abonados. Incompetente porque herdou uma economia estabilizada e controlada e deixou que esta se descontrolasse e desestabilizasse.
Neste momento, é no fracasso económico de João Lourenço que JES aposta. Os problemas económicos levarão ao descontentamento popular que afastará João Lourenço. Segundo os anti-lourencistas, já não são precisos tanques para o afastar: basta a revolta das zungueiras, dos comerciantes, dos funcionários públicos, de todos os que foram afectados pela crise económica.
Começou o duelo entre o novo e o antigo presidentes, e no seu centro estão a economia e as finanças.
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