María Dolores de Cospedal, ex-secretária-geral do PP e antiga ministra da Defesa de Rajoy, pagou por informação sobre um rival interno. As reuniões foram gravadas pelo comissário da polícia subornado.
María Dolores de Cospedal, antiga secretária-geral do Partido Popular (PP) e até junho ministra da Defesa espanhola, pediu a um ex-comissário da polícia que lhe revelasse informações confidenciais sobre o envolvimento de um rival interno em casos de corrupção. Em conjunto com o marido, Cospedal contactou José Manuel Villarejo em 2009 com o objetivo de perceber até onde Javier Arenas, líder do partido na Andaluzia, estava envolvido no Caso Gürtel, um escândalo de corrupção ligado ao PP que já estava a ser investigado pelas autoridades.
De acordo com vários ficheiros de áudio publicados esta sexta-feira pelo site moncloa.com, Ignacio López de Hierro, o marido de María Dolores de Cospedal, encontrou-se com Villarejo – de quem é amigo próximo há mais de 30 anos – em setembro de 2009 e pediu-lhe que “sacasse tudo o que pudesse” sobre o envolvimento de três elementos do PP na Fundação de Estudos Europeus: Javier Arenas, Luis Bárcenas, ex-tesoureiro do partido, e Gerardo Galeote, ex-eurodeputado. O pedido, disse Hierro, vinha expressamente “de María Dolores”. Conforme o Ministério Público espanhol confirmou mais tarde, essa mesma fundação foi utilizada para Luis Bárcenas para passar para o PP os gastos associados às suas viagens pessoais durante anos.
Além disso, o marido de Cospedal também pediu ao comissário que o informasse – e aqui a troco de uma compensação monetária – sobre todos os desenvolvimentos do Caso Gürtel. Quando o polícia levantou questões sobre como iria ser pago – “quando é um empresário ou outra coisa, dá-me igual, mas como é que vou cobrar a um partido” -, Ignacio López de Hierro garantiu que o acordo era “a sério” e pediu-lhe que cobrasse “baratinho, porque estamos tesos”. José Manuel Villarejo, o autor das gravações, está em prisão preventiva há quase um ano devido ao seu envolvimento num caso de organização criminosa. ”
O site moncloa.com revela ainda um outro ficheiro de áudio referente a uma outra reunião: desta vez, com a presença de María Dolores de Cospedal. No encontro, em julho de 2009, a então secretária-geral do PP fez várias perguntas a José Manuel Villarejo sobre a investigação policial que visava o partido e questionou insistentemente o comissário sobre o envolvimento de Javier Arenas.
Os áudios que vêm agora a público desvendam uma situação grave de revelação de segredos de caráter policial e judicial por parte de José Manuel Villarejo e de espionagem por parte de María Dolores de Cospedal, então secretária-geral do PP, cargo que assumiu até julho deste ano. O acesso a este tipo de informação, diz o El Español, pode ter permitido ao PP a destruição de provas, impedindo o natural curso da investigação policial – algo que, enquanto ministra da Defesa do Governo de Mariano Rajoy, Cospedal tantas vezes defendeu.
Entretanto, María de Dolores de Cospedal já reagiu às gravações reveladas. Em declarações à rádio Cadena Cope, a ex-secretária-geral do PP argumentou que era sua “obrigação” perceber o envolvimento de Javier Arenas nos casos de corrupção e explica que decidiu investigá-lo porque Villarejo “mencionou que poderia existir alguma informação que o afetava” e era necessário “saber tudo o que existia em casa”, ou seja, no partido.”Não conhecia os métodos de trabalho deste polícia, não sabia que me estava a gravar e ninguém pagou por informação”, acrescentou Cospedal.
Villarejo, o ex-polícia que gravou a amante de Juan Carlos
José Manuel Villarejo, ex-comissário do Corpo Nacional da Polícia, de 67 anos, fez fortuna no setor privado e está envolvido em vários casos investigados pelas autoridades espanholas. Em 2015, terá feito uma entrevista a Corinna zu Sayn-Wittgenstein, ex-amante do rei emérito Juan Carlos, após ter apresentado um mandado policial falso, e gravou toda a conversa.
As gravações terão sido feitas sem o conhecimento de Corinna. Nestas, há um excerto onde a empresária alemã conta que, já depois de ter terminado a sua relação com Juan Carlos, agentes do Centro Nacional de Inteligência (CNI) terão estado na sua casa no Mónaco para obterem informações alojadas no seu computador. Além disso, acusou Félix Sanz Roldán, general e diretor do CNI, de ameaçar a sua vida e também a dos seus filhos — acusações que este nega.
Naquelas gravações, divulgadas pelo El Español e pelo OK Diario e que ficaram conhecidas como “As Fitas de Corinna”, a empresária alemã faz várias e graves acusações ao rei emérito de Espanha. Além de referir que este terá contas na Suíça em nome de um primo, contou como o rei terá recebido uma comissão ilegal de 100 milhões de euros por ter servido de intermediário para que uma empresa espanhola conseguisse a concessão de construção de uma linha ferroviária de alta velocidade entre Riade e Meca, na Arábia Saudita. Corinna refere ainda que Juan Carlos comprou terrenos em Marrocos com recurso a testas-de-ferro.
A própria Corinna contou a José Manuel Villarejo que estava, à altura da entrevista, a ser vítima de “pressão” para que passasse ao rei Juan Carlos dinheiro que tinha sido transferido para contas em seu nome. “Isso é branqueamento de capitais”, terá dito, recusando aceder a esse pedido. “O rei não distingue entre o que é legal e o que é ilegal”,acrescentou.
Villarejo foi ainda identificado como autor de uma agressão que remonta a abril de 2014 e está detido no Centro Penitenciário Madrid VII desde novembro de 2017 pelos crimes de corrupção, organização criminosa e suborno.