Da revisão curricular ao “grito” da Filosofia!
De acordo com as notícias postas a circular na semana passada, consta que a Assembleia da República (AR), sob moção do Governo de Moçambique (GM), aprovou quinta-feira última (01), na generalidade e por consenso, a proposta de revisão da Lei do Sistema Nacional de Educação (SNE).
Com a entrada em vigor da nova Lei do SNE, se aprovada, passamos, neste caso, a ter um novo figurino educacional, não só em termos de níveis ou classes de ensino obrigatórios, como também em termos de disciplinas a serem leccionadas em cada uma das classes ou níveis de ensino no país.
Sem sermos exaustivo, neste texto precisamos dois objectivos que, entretanto, o próprio título já sugere. Constituem, assim, nossos objectivos: (i) referir a nova proposta de revisão, sem prejuízo de uma subtil análise; e (ii) apontar as razões do grito da Filosofia, destacando, para tanto, o seu lugar no currículo de ensino, referindo-se a alguns aspectos históricos.
I. Da revisão curricular:
Nos termos da iminente Lei do SNE, de um lado, o Ensino Secundário Geral (ESG) passa a iniciar da 7ª classe para a 12ª classe, e, por outro, o ensino primário – que corresponde à escolaridade obrigatória – passa a ser da 1ª à 6ª classe e passa, também, a ter um único professor por cada classe.
O sistema optativo de secções, que desde 2009 passou a ser dado por agrupamento, no caso, Grupos A, B e C, passa a iniciar da 10ª classe, que junto com a 11ª e 12ª classes, passam a constituir o II Ciclo do ESG, quando, em contrapartida, 7ª, 8ª e a 9ª classes, juntas, correspondem ao I Ciclo. Estamos a dizer que, com 14 anos, o aluno terá que optar por um desses grupos.
Ora, a disciplina de Filosofia, reintroduzida no SNE há pouco menos de 20 anos, é expurgada das 11ª e 12ª classes dos Grupos A e B, passando unicamente para a 10ª, 11ª e 12ª classes do Grupo C, juntando-se a duas disciplinas novidade, neste caso, Técnicas de Expressão e História das Artes.
Uma vez mais, a breve trecho, à semelhança do currículo em vigor, o que se pretende aprovar é igualmente generalista. Não há, no currículo em proposta, alguma dosagem de ensino vocativo. Continuar-se-á a formar um aluno que, terminados os níveis do ensino geral, está cheio de teorias, num contexto em que sem psicopedagogia, o estudante opta pelo fácil que o vocacional, refira-se. Perde o país!
II. O grito da Filosofia
No novo figurino, a disciplina de Filosofia que, historicamente, regressa no SNE moçambicano entre 1998/1999, é-lhe denegado o lugar nos grupos A (letras) e B (ciências com Biologia) do II Ciclo, restando-a lugar apenas no “Grupo C” (ciências com Desenho), uma secção que pela nossa experiência é, amiúde, de pouca eleição pelos jovens estudantes. É, conforme a nossa experiência, optativa daqueles estudantes que, doravante, queiram seguir cursos de arquitectura.
Do “Grupo A”, secção onde figuram disciplinas das ciências sociais por excelência, em que há 20 anos foi a porta de entrada para o regresso da Filosofia no SNE com vista a resolver, entre outros, «os problemas de deficit moral, epistemológico e de abstracção que muito afectava os alunos do ensino médio como do ensino superior» retirado a Filosofia, os velhos dilemas podem ressurgir.
Se, em boa verdade, são os estudantes do Grupo A que, adiante, matriculam-se para os cursos superiores de Sociologia, Direito, Ciência Política, Relações Internacionais, Administração Pública, Jornalismo, etc., que exigem daqueles notável abstracção e reflexão, radicalidade, lógica, crítica, rigor e ousadia, atitudes que a Filosofia espevita e desenvolve, é esquisita a exclusão desta disciplina.
Aliás, tal como aponta o Professor António Cipriano Gonçalves (2009; pp. 63-69), a reintrodução da Filosofia visava facultar aos alunos o «() cultivo de hábitos de debate sobre a sociedade em que vivem, como produto de reflexão sobre os diversos problemas da vida, de modo a poderem agir sobre a sociedade de uma forma autónoma», ideia reforçada pelo Professor Ernesto D. Chambisse (2006; pp. 38-40).
A Ética, a Política, a Lógica, o Africanismo, a Epistemologia, o Livre Pensar, a Estética, a Metafísica, a dialética/retórica, temáticas centrais da Filosofia leccionada no nosso SNE até ao momento, são e devem ser incontornáveis na/e para a formação dos nossos estudantes dos três grupos curriculares, indiscriminadamente, a não ser que o propósito seja mesmo esse: o de massificar os acobardados.
Se o fundamento é de reactualizar o nosso SNE devido às exigências e dinâmicas da sociedade de hoje 26 anos depois, tal actualização deve ser mesmo actualizada e progressiva, sem prejudicar a vida de algumas disciplinares cujos conteúdos são humana e cientificamente basilares. E, por fim, é altura de desencorajar um ensino cada vez mais generalista. Há que, de algum modo, «vocacionar».
Att., Ivan Maússe.
1 comentário:
Por mais que as hipoteses estivessem certas sobre as funcoes da filosofia, por mais que a nossa sociedade atingisse o mais alto nivel de eticidade nada justificaria o banimento da filosofia, visto que sempre seria necessario a manutencao dessa etica a partir da reflexao. Se a sociedede actual ja é supostamente filosofa, quem garante que a futura sera? Na minha opiniao seria necessario que a filosofia abrangisse mais classes e nao a sua restricao pois nada é compreendido sem que se use as actitudes filosoficas.
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