segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Amnistia Internacional retira prémio a Aung San Suu Kyi


NGUYEN HUY KHAM/REUTERS

Desde que foi eleita em março de 2016, Aung San Suu Kyi mostrou-se incapaz de travar as atrocidades cometidas pelos militares no país. Amnistia lamenta que a líder de Myanmar não tenha usado a sua autoridade moral e política para travar o massacre de rohingyas e “salvaguardar os direitos humanos, justiça e igualdade” no país

Há muito sob o escrutínio da comunidade internacional, Aung San Suu Kyi – que venceu o Prémio Nobel da Paz em 1991 –, continua a perder títulos honoríficos. A Amnistia Internacional (AI) anunciou esta segunda-feira a retirada do prémio Embaixadora de Consciência, a mais importante distinção atribuída em 2009 pela organização de Direitos Humanos, à líder do governo civil de Myanmar (antiga Birmânia).
A aparente indiferença de Aung San Suu Kyi face à repressão do Exército birmanês, o conflito rohingya, assim como o desrespeito pela liberdade de expressão e a violação dos Direitos Humanos têm gerado uma onda de indignação e críticas por parte da comunidade internacional.
Numa carta enviada no domingo a Aung San Suu Kyi, ao ministro dos Negócios Estrangeiros e ao Presidente de Myanmar, o secretário-geral da Amnistia Internacional, Kumi Naidoo, explica que esta decisão manifesta um sentimento de desilusão por parte da organização, uma vez que a líder de Myanmar não tem defendido a comunidade rohingya, nem os direitos e liberdades de todos os cidadãos do país.
“Como uma Embaixadora de Consciência da Amnistia Internacional, a nossa expectativa era de que iria continuar a usar a sua autoridade moral para falar contra a injustiça onde quer que a encontrasse, e não menos importante em Myanmar. Em vez disso, estamos profundamente preocupados e desapontados pela sua clara e consistente traição a muitos valores que promoveu durante décadas”, afirma Kumi Naidoo na carta.
Na missiva, o secretário-geral da AI recorda que a organização protagonizou há oito anos uma “campanha incansável” a favor da libertação de Aung San Suu Kyi, que se encontrava em prisão domiciliária, sublinhando que a líder birmanesa representava nessa altura um “símbolo de esperança, coragem e defesa dos Direitos Humanos”.
Atualmente, a Amnistia mostra-se “consternada porque o governo de Aung San Suu Kyi não apenas não revogou ou emendou as leis repressivas, mas também as usou ativamente para refrear a liberdade de expressão e prender defensores dos Direitos Humanos, jornalistas e outros ativistas pacíficos”, acrescenta.
Desde que foi eleita em março de 2016, Aung San Suu Kyi mostrou-se incapaz de travar as atrocidades cometidas pelos militares no país. Pelo menos 720 mil membros da comunidade Rohingya (minoria étnica) fugiram para o Bangladesh, devido à repressão do Exército.

ONU FALA EM “LIMPEZA ÉTICA”

As Nações Unidas (ONU) e várias organizações de Direitos Humanos denunciaram aquilo que consideram ser uma “limpeza étnica”, cujos membros da minoria são vítimas de tiroteios, incêndios, violações e outros tipos de agressões. Suu Kyi e o Exército birmanês negam, contudo, tais abusos, continuando a ser alvo de fortes críticas da comunidade internacional.
Depois de longos meses de silêncio, a líder do governo civil de Myanmar acusou em novembro de 2017 várias ONG de ajudarem “terroristas” daquela minoria no estado de Rakhine. Durante o discurso proferido há um ano na abertura do Fórum de Cooperação Ásia-Europa (ASEM), Aung San Suu Kyi alertou para a necessidade de a comunidade internacional se unir para conter a ameaça da imigração ilegal, sugerindo a ideia de que a comunidade muçulmana rohingya é vista como um grupo de imigrantes ilegais extremistas.
Jornalistas, funcionários de organizações de Direitos Humanos e peritos da ONU foram mesmo impedidos de visitar o estado de Rakhine, no norte do país, o que corresponde a uma violação a liberdade de expressão e informação. A líder de Myanmar chegou inclusivamente a defender a prisão de dois jornalistas da Reuters que investigavam o massacre de rohingyas, sustentando que “não foram presos por ser jornalistas”, mas porque “violaram a lei”.

NOVE DISTINÇÕES JÁ PERDIDAS

Pelo menos nove distinções já foram retiradas a Aung San Suu Kyi: no dia 28 de novembro de 2017, a cidade de Oxford anunciou a retirada do título de liberdade de 1997, a maior distinção atribuída pela cidade britânica, alegando que a líder birmanesa “tem fechado os olhos perante a violência e a opressão” a que está sujeita a comunidade rohingya. As cidades de Glasgow e Newcastle seguiram-lhe o exemplo.
Também a União dos Estudantes da London School of Economics and Political Science retiraram o título de presidente honorária e o sindicato britânico UNISON revogou a associação honorária a Aung San Suu Kyi .
Já este ano, o Museu do Holocausto, em Washington, e a cidade de Edimburgo declararam que iriam anular, respetivamente, o Prémio de Direitos Humanos e o Prémio de Liberdade a Aung San Suu Kyi pelo mesmo motivo.
Em setembro, os deputados canadianos aprovaram uma moção que revogava a nacionalidade canadiana honorífica à lider de Myanmar. Mais recentemente, em outubro, foi a vez da Universidade de Carleton, em Ottawa, anular o doutoramento honorífico de Aung San Suu Kyi também devido ao genocídio da minoria Rohingya.
Entretanto, a Comissão do Prémio Nobel da Paz esclareceu que não pode retirar o galardão atribuído em 1991 à lider de Myanmar, porque o regulamento do prémio não permite isso.

CRIMES EM INVESTIGAÇÃO

No passado dia 27 de setembro, o Conselho de Direitos Humanos da ONU anunciou a criação de uma equipa especial para reunir provas sobre os crimes cometidos contra a comunidade royinga, depois de ser divulgado um relatório que defendia que os principais generais do país deviam ser julgados a nível internacional face a acusações de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
A popularidade da líder de Myanmar parece estar também em queda a nível interno. A Liga Nacional para a Democracia (LND), o partido de Aung San Suu Kyi, perdeu no início do mês quatro lugares nas eleições intercalares do país, conquistando apenas sete dos 13 assentos.

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