Há duas semanas, o PR Filipe Nyusi foi visitar o Papa Francisco no Vaticano. Cortez e afável, o sumo pontífice se conteve num registo diplomático sem aquelas suas tiradas que viram rapidamente manchete. Embasbacado com a circunstância, Nyusi exultou de alegria. E em nome dos católicos de Moçambique convidou o Papa para uma visita apostólica no próximo ano. O Papa acenou positivamente. Se tiver saúde, disse ele, não se importava de cá pôr os pés. Se vier, Francisco será o segundo Papa a visitar o nosso país, depois de João Paulo II, em 1988, cuja vinda mobilizou toda uma sociedade para uma receção cheia de cor e calor.
Quando terminou sua visita ao Vaticano, Nyusi frisou que esse convite ao Papa Francisco era para ser honrado. Se o Papa vier, o Presidente Nyusi estará somando uma grande vitória e igualará o registo de Joaquim Chissano nesta coisa de relações com o papado. Samora Machel, Joaquim Chissano e Armando Guebuza foram todos eles também recebidos no Vaticano mas só Chissano teve o privilégio de ser anfitrião de um Papa cá na terra. É certo que Nyusi não procura necessariamente ficar empatado com Chissano.
O Papa vir cá seria uma bênção para um povo que viveu muitos anos amaldiçoado pela guerra (Karol Józef Wojtyła, esteve cá quando a carnificina atingira o auge, cruelmente simbolizada pelo massacre de Homoíne em 1987, e o esforço de guerra dos dois lados era insustentável) e agora espreita uma nova maldição por causa do gás do Rovuma. E em ano de eleições, a vinda do Papa representaria um trunfo na cartada eleitoral de 2019. Seria uma aprovação papal do actual estado da governação de Moçambique. Aliás, em Roma o Papa sugeria nas entrelinhas das suas palavras essa aprovação. Uma aprovação papal abriria caminho a uma certa arregimentação dos votos dos cristãos para um certo sentido. Em Roma, até parecia que a Igreja Católica carimbava essa aprovação. Mas não é bem assim.
Uma semana depois de Nyusi regressar de Roma convicto de que trazia a anuência do Papa na bagagem, os bispos católicos de Moçambique fizeram questão de tomar posição clara sobre a governação. Como? Ressuscitando o seu mais incisivo instrumento de comunicação política, a Carta Pastoral, que não era publicada há vários meses. O documento tem data de 17 de Setembro. Ele faz uma avaliação negativa da situação política e económica do país. Moçambique, escrevem os bispos, está envolto numa “nebulosidade” com o espectro de uma nova guerra pairando a norte (“não parece haver uma posição clara e determinante daqueles a quem foi confiada a garantia da segurança colectiva”) e o espectro das dívidas ocultas adiando a prosperidade aos moçambicanos (“dívidas contraídas por alguns representantes do Estado à margem das normas nacionais e internacionais de contratação de dívida pública”). A gestão do actual processo eleitoral foi também severamente criticada.
Se os bispos escrevem que este ciclo de governação “será recordado como um dos menos gloriosos da nossa democracia” é porque eles quiseram deixar claro que a cordialidade papal em Roma não coincide com a avaliação de quem está no terreno...e essa avaliação conta muito para o Vaticano aceitar um convite ao Papa. Nada grave, ainda! Apesar de tudo, Filipe Nyusi tem feito muito para apaziguar a nação e o Papa já visitou lugares mais inóspitos em termos de concórdia entre irmãos, como em 2015 quando esteve na República Centro Africana. Mas a Carta Pastoral mostra que a Igreja Católica está muito bem atenta ao estado actual da Nação (que não aprova) e que o regime no poder pode fazer mais para melhorar.
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