Eneas Comiche já foi Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, por 5 anos. A sua candidatura para um novo mandato foi barrada por “interesses internos” do partido Frelimo, tendo sido substituído na gestão dos destinos municipais por uma administração infame de David Simango, também do mesmo partido, durante quase 10 anos. Hoje em dia, já com 79 anos de idade, Eneas Comiche é, estranha e surpreendentemente, a aposta desesperada do partido Frelimo para ser, novamente e sob proposta de “interesses internos”, Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. A única aposta, num universo inqualificável de quadros do referido partido… Um cidadão com a vida já a navegar nas algozes e irreversíveis águas da senilidade!
A “escolha” (uns falam de “imposição” e outros tantos de “nomeação”) de Eneas Comiche tem estado a ser motivo, tanto dentro como fora da Frelimo, não só de chacota pública como também de massiva indignação, descontentamento, contestação e até de rebeldia (com a candidatura “independente” de Samora Machel Júnior, destacado membro do mesmo partido). A opinião pública moçambicana, sobretudo a urbana, mais jovem e informada, questiona, legitimamente, a pertinência da “escolha” de um ancião, já na terceira idade, para eventualmente dirigir os destinos futuros de um Município com uma larga maioria da sua população abaixo dos 35 anos (com idade quase 3 vezes menos do que os 79 anos de Eneas Comiche).
Dentro dessas vozes, muitas se levantam contra a eterna captura e concentração de poder (executivo, legislativo e judicial) nas mãos de uma geração específica de pessoas (associadas ao partido Frelimo) e por quase toda a história de Moçambique independente, que já dura 43 anos. Essas vozes denunciam a injustiça crónica de serem as mesmas pessoas a ocupar um conjunto concreto de cargos públicos (deputados, edis, ministros, juízes, procuradores, governadores, PCA´s) alternando ciclicamente apenas entre eles. Eneas Comiche é um deles e um exemplo paradigmático. Essa corrente crescente de vozes críticas hoje se insurge, perguntando: dos cerca de 28 milhões de habitantes que Moçambique possui, por que é que apenas algumas centenas é que podem ser governantes ao mais alto nível? E, se mais de metade dessa população tem menos de 35 anos, por que é que apenas anciãos da geração a que pertence Eneas Comiche é que são naturalmente elegíveis e quase nenhum jovem o pode ser?
Na história da humanidade, foram sempre os jovens que estiveram na vanguarda dos processos evolutivos das sociedades em que se encontravam inseridos. Aliás, essa mesma tradição ocorreu em Moçambique, aquando da luta de libertação colonial. Foram os jovens daquele tempo que libertaram o país. Então, por que raios de água não podem (ou não devem, para ser mais preciso) os jovens de hoje também dirigir e ajudar a desenvolver uma cidade como a de Maputo? Uma cidade que precisa de sangue, suor e ideias novas para os seus enormes desafios também do presente… O que terá um velhote como o Eneas Comiche de tão especial que mereça ser insubstituível?
Eneas Comiche é, sem sombra de dúvidas, a personificação de um estilo de liderança que tem estado a atrasar África. Eneas Comiche é o exemplo infeliz que caracteriza historicamente as lideranças africanas: um conjunto de velhotes que acham que “foram escolhidos por Deus para governar eternamente”, custe o que custar. Ele faz parte de um paradigma de liderança onde as gerações mais novas são sempre subalternizadas, combatidas e exterminadas. Eneas Comiche é de uma escola de tiranos que cultiva e promove a eterna e inquestionável submissão das suas bases, que sufoca toda a oposição construtiva dentro do seu próprio partido e que governa apenas em função do que o selecto grupo de que faz parte deseja que o país seja.
Hoje não espanta a ninguém, com o exemplo da indicação obrigatória do velho Comiche para ser o cabeça-de-lista da Frelimo para as eleições autárquicas em Maputo, que o espaço dentro desse partido que aparentemente era de esperança, de liberdade e de cultura democrática, demonstra-se ser hoje um espaço de opressão, de terror e de medo… O que espanta mesmo é testemunhar todo um viveiro de jovens vibrantes, brilhantes e com potencial que ali militam a serem esterilizados, silenciados e ridicularizados por uma associação de velhos senis com prazo de validade há muito expirado para as dinâmicas políticas actuais do país. Pior ainda, ver outros tantos jovens a defender estas lógicas incongruentes e a combater os jovens que decidem ser eles mesmos os senhores dos seus próprios destinos, longe da instrumentalização facínora dos “jovens de 79 anos” que Eneas Comiche é triste representante.
Sem comentários:
Enviar um comentário