sábado, 18 de agosto de 2018

Ashwaq reencontrou na Alemanha o militante do daesh que a comprou por €90

Ashwaq reencontrou na Alemanha o militante do daesh que a comprou por €90

Chegou a Estugarda ao abrigo de um programa de proteção de refugiados com a mãe e o irmão. Ashwaq faz parte da minoria yazidi e, anos antes de chegar à Europa, foi raptada e violada por militantes do daesh. Um desses homens era Abu Humam. Os dois reencontraram-se junto a um supermercado na cidade alemã: “és a Ashwaq, não és?”

Quando Ashwaq conheceu Abu Humam tinha 15 anos. Ela era Yazidi e refém. Ele era um militar do daesh e o seu raptor. Ela foi forçada a converter-se ao Islão, a rezar cinco vezes ao dia e a decorar o Alcorão em árabe. Ashwaq fez tudo isso. “Prometeu-me que, se fizesse tudo, não me magoava”, conta. Mas magoou e durante dez meses seguidos foi violada todos os dias. Até que conseguiu fugir. Quatro anos depois, e já integrada na Alemanha, onde chegou ao abrigo do programa de proteção de refugiados, Ashwaq voltou a reencontrar Abu Humam.
“Alguém me parou na rua a 21 de fevereiro deste ano. Congelei quando olhei para a cara do homem: era o Abu Humam, com a mesma barba assustadora e o rosto horrível”, contou Ashwaq, hoje com 19 anos, à agência de notícias curda Bas News. Foi então que Abu lhe perguntou num alemão quase perfeito: “és a Ashwaq, não és?” E ela não reagiu. “Não”, disse apenas. “És sim. E conheces-me muito bem, sou o Abu Humam e estiveste comigo durante uns tempos em Mossul [Iraque]. Sei onde vives, com quem vives e o que fazes”, insistiu ele.
Ashwaq correu o mais que pode pelas ruas de Estugarda. Entrou num supermercado e só saiu quando se sentiu segura, com a certeza de que Abu já não estava por perto. Correu para casa e contou ao irmão o que acabara de acontecer. Cinco dias depois, apresentaram queixa na polícia, que através das imagens das câmaras de segurança do supermercado conseguiram identificar o homem.
“Disseram-me que, tal como eu, era um refugiado e que não podiam fazer nada. Deram-me um número de telefone para usar, caso o Abu me voltasse a abordar na rua”, explicou. Esperou um mês e nada. Ninguém conseguiu apanhar o suspeito. Decidiu regressar à região do Curdistão porque tinha medo de reencontrar Abu. Nunca mais quer voltar à Alemanha.
“Se não passaram pela situção, nunca vão saber como é… vão direitinho ao coração. Quando uma rapariga é violada pelo daesh, é inimaginável explicar o que se sente quando se volta a ver o raptor e violador”, disse Ashwaq à BBC. “Mesmo que o mundo todo fosse destruído, não voltaria à Alemanha.”
Ashwaq garantiu que o caso dela não é único, que outras jovens yazidis já encontraram militantes do daesh em território europeu. A história é corroborada por Düzen Tekkal, fundadora da Hawar.Help, uma organização alemã de defesa dos direitos yazidis. À BBC, disse também ter conhecimento de vários casos em que as refugiadas reconheceram os jiadistas.

DA SÍRIA À ALEMANHA

O daesh chegou a Khanasore, perto da província de Sinjar, no território iraquiano do Curdistão. Era lá que Ashwaq vivia com a família. Eram mais de 77 tios, tias, primos, primas, irmãos e irmãs. “Pediram-nos para nos convertermos ao Islão imediatamente, mas disse-lhes que não podia fazê-lo sem falar com o nosso líder religioso”, contou o pai da jovem. 66 pessoas da família foram levadas por “soldados do califado”, ficaram para trás apenas aqueles que tinham algum tipo de limitação física.
Ashwaq foi uma das meninas levadas para um barracão em Al-Shaddadah , no nordeste da Síria. Tiraram-lhes tudo o que tinham: joias, bijutarias, dinheiro, telemóveis, documentos. “Apenas nos deram comida estragada e água suja”, recordou. Ao segundo dia, foram todos forçados à conversão. E assim o fizeram. Chegaram três autocarros para levarem os yazidis para outros lugares: os homens foram no primeiro, mulheres e crianças no segundo, as jovens meninas no terceiro.
O último autocarro, aquele em que Ashwaq viajava, só parou depois de 250 quilómetros. Foram deixadas num hotel em Mossul. Iam ser vendidas. Foi então que Abu Humam comprou Ashwaq por 100 dólares, cerca de 90 euros. Forçou-a a rezar cinco vezes ao dia e a decorar o Alcorão em árabe. “Prometeu-me que se fizesse tudo, não me magoavamas abusou de mim diariamente ao longo de dez meses.”
Um dia, Ashwaq conseguiu telefonar ao irmão e pedir ajuda. Então, o plano de fuga começou a ser desenhado. Arranhou o corpo e fingiu que se tratava de uma reação alérgica, precisava de ir ao hospital e Abu Humam levou-a. Lá, deram-lhe comprimidos para dormir. Em casa, colocou uma quantidade excessiva do soporífero na comida de Abu Humam, que adormeceu. Nessa noite, ela e outras quatro jovens yazidi fugiram. Andaram 14 horas a pé até chegarem ao Monte Sinjar, local onde muitos membros desta minoria muçulmana procuraram refúgio.
Até hoje, cinco irmãos de Ashwaq continuam desaparecidos e a irmã permanece sob cativeiro do daesh.

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