quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Renovação na continuidade após retirada de José Eduardo dos Santos


Renovação na continuidade após retirada de José Eduardo dos Santos


Renovação na continuidade após retirada de José Eduardo dos Santos


É um homem com sentido de oportunidade capaz de o adaptar a circunstâncias novas, quando conclui que as que está a viver se estão a esgotar, o que revela a decisão de José Eduardo dos Santos (JES) de se retirar da vida política, não voltando a apresentar-se a novas eleições como candidato a Presidente da República. Corre que se manterá, pelo menos até 2018, como presidente do seu partido, o MPLA, mas isso não reduz a importância de que se reveste o fim da sua longa carreira de estadista. O poder do Estado é o poder do Estado, mesmo para um “parti-état” como o MPLA ainda não deixou inteiramente de ser.
Seria isto o que JES tinha em mente há pouco mais de dois anos quando Angola nadava em dinheiro do petróleo e, por via disso, se permitia promover políticas de ostentação e sedução das quais interna e externamente vinham grandes proveitos para o seu regime e para si próprio? Provavelmente não. Só que os tempos muito adversos (as novas circunstâncias), trazidos no bojo da crise dos preços do petróleo declarada em meados de 2014, e até hoje sem remédio de verdade, o foram aconselhando a seguir outro caminho.
As enormes fragilidades que a crise pôs a nu não apenas no plano da economia como do próprio Estado, pesado, caro e ineficiente, mas também das suas políticas, foram causa de muitas ruindades. Para quem olhava para Angola com olhos de ver, eram fragilidades que estiveram sempre lá. O ruir da aparência de grande potência regional até então colada ao país, por obra e graça de uma propaganda maciça, a que não faltaram interesseiras cumplicidades externas, foi um dos danos – com muitos efeitos na reputação e na manobra regional e internacional do país. Mas o dano mais oneroso para JES e para o regime foi o clima de descontentamento interno que por efeito da crise agravou as já de si precárias condições de vida da maioria da população.
A menos de um ano de umas eleições, que no delicado clima actual nunca se atreveria a adiar, mesmo que visse nisso, como se calhar não vê, um artifício destinado a dar tempo a uma melhoria das circunstâncias (para isso era vital a existência de uma economia, difícil de pôr de pé por falta de recursos e de capacidade organizativa), JES converteu-se num fardo político e eleitoral. O feitiço da concentração de poderes que marcou a sua acção, em especial nos últimos anos, virou-se contra o feiticeiro. O próprio e o regime têm consciência disso. A saída de cena de JES (há-de arranjar-se maneira de a remeter para o estado de fadiga que revela, mas não é tanto assim), era o que havia a fazer.
As vantagens quase imbatíveis com que o regime se tem apresentado a eleições, como o são o controlo absoluto do Estado (instituições e dinheiro) mais a falta de transparência dos próprios processos eleitorais, em ambos os casos remetendo as oposições genuínas (há os “partidos primos”), precisavam, para poder ser exercidas, de uma descompressão do ambiente tornado possível com a saída de cena de JES e a entrada de uma figura nova, fresca e com melhores “performances”.
O sentido de oportunidade de JES (também chamado realismo ou pragmatismo) que a sua decisão denota, é inseparável de uma outra característica da sua acção política. O seu aguçado instinto de sobrevivência. O simples acto de se retirar, fazendo-o por sua iniciativa (pelo seu próprio pé), há-de ser de grande préstimo para a criação de uma atmosfera política e socialmente nova, capaz de melhorar a sua aura externa, mas, acima de tudo, de fazer com que a sua nítida impopularidade (os cultos da personalidade não fazem milagres) vá cedendo o passo a sentimentos de boa vontade ou mesmo de compaixão. O ambiente novo, que também poderá ajudar a criar melhores condições para uma autêntica diversificação da economia, serão também uma espécie de tábua salvação para o regime e para as elites que JES ajudou a prosperar em troca de apoios e lealdades.
A argúcia, talvez também o acerto com que JES enfrenta estes tempos presentes, estão também patentes na escolha de João Lourenço como seu substituto. É, na perspectiva dos interesses de recuperação do regime e por acréscimos dos próprios interesses de JES, a melhor escolha. João Lourenço mistura particularidades políticas e pessoais ajustadas às novas circunstâncias. A sua lealdade a JES, diversa das tendências bajuladores de outros, mas também a visão crítica que consabidamente tem de muitas das suas políticas; a sua mais ampla abertura política, mas também o culto da autoridade e dos valores que lhe é reconhecido. Com ele começará de certeza uma época de “renovação na continuidade” do interesse de todos.

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