Há que relembrar que governar é prever, inundações e secas fazem parte do ciclo da vida do país.
Construir-se
pontes que caem, bairros que se inundam, valas entupidas resulta do
desleixo e incúria dos que fiscalizam e devem velar pela eficiência.
Gritar SOS depois do mal acontecer, muito bonito, mas prevenir o mal,
muito melhor
Muitos ficámos bem impressionados com as cerimónias da investidura do Presidente Nyusi.
No
nosso continente há dirigentes que se apegam ao poder, mudam
constituições para continuarem a fazer prevalecer os seus interesses
mesquinhos, mergulham na ganância e narcisismo, discriminam e perseguem a
crítica. Moçambique marca pela diferença, depois de Chissano, agora
Guebuza sai e nos prazos previstos, pesem as maledicências que previam o
contrário. A seu tempo, tal como Chissano o fez com elegância, Guebuza
saberá entregar a presidência do partido, prevenindo os bicefalíssimos
perniciosos.
Embora o tempo hesitando entre chuviscos e um sol bem quente, a Praça da Independência encheu-se de muitos milhares de pessoas, entre curiosos e apoiantes, todos na expectativa.
Nyusi
fez um discurso cobrindo imperativos nacionais, num tom tão firme como
prudente no distanciar-se do que acontecera antes de si. Demonstrou Cultura de Estado.
Finalmente, ele pertence ao mesmo partido que os seus antecessores que
soube enaltecer rápida e devidamente. De um modo curto reafirmou os
laços internacionais de relacionamento, começando pela região em que
estamos inseridos.
Numerosos
Estados da SADC estiveram presentes ao mais alto nível, assim como
antigos estadistas do Botswana, Zâmbia e Tanzânia. De salientar a
presença de Kenneth Kaunda, a quem a idade já pesa. Da Europa, da Ásia,
da América Latina vieram ministros, salientando o Presidente de Portugal
e o Vice-Primeiro-Ministro português (despromovido para Vice-Ministro por um comentador ignaro que atropelava a gramática e as ideias).
Na
recepção que se seguiu, o Presidente confessou que hesitara em
mantê-la, atendendo ao luto que o país sofrera em Tete e com as
inundações. Decidiu fazer, atendendo às normas moçambicanas de
hospitalidade ao receber visitantes. Acrescentarei também que na nossa
tradição após os funerais recebemos a comer nas nossas casas os que
vieram confortar-nos.
No discurso algo repisando o programa o Presidente Nyusi salientou o seu desejo de:
Fazer o seu governo com gente competente e íntegra;
Combater o despesismo;
Diminuir as pastas;
Lutar contra a corrupção, fazer do povo patrão;
Fazer o país e os moçambicanos beneficiarem da exploração dos recursos naturais e da industrialização;
Apoiar a agricultura, especialmente a familiar;
Liquidar a fome;
Enfatizou o diálogo, o ouvir aqueles que discordam e a oposição;
Afirmou que as boas ideias não pertencem a um partido, mas a todos;
Reafirmou e com muita insistência a vontade de Paz.
Poder-se-á
dizer nada de novo. Não creio que desejamos reinventar a pólvora, mas
sim lutarmos para que se cumpra o prometido e se execute o programa
aprovado.
Com
a tomada de posse de Nyusi, de algum modo retira-se a Geração do 25 de
Setembro e acede ao poder a Geração do 8 de Março. Vem governar-nos um
engenheiro, o nosso primeiro Chefe de Estado sem um passado militar, com
formação superior e experiência de trabalho em oficinas e máquinas. Sem
dúvida algo de excelente, Nyusi não cresceu nos corredores do poder,
nos gabinetes, apenas uma breve estada num ministério. Não se trata pois
de um homem do aparelho.
Na intervenção do Presidente Nyusi, lembrei-me de duas ideias de Samora:
Para governar e trabalhar as estruturas queriam-se pequenas, flexíveis e operacionais;
Aprender de todos, sobretudo daqueles que num assunto concreto sabem mais do que nós.
Cedo
certamente para julgar, muito para apoiar. Não basta concordarmos,
esperarmos e desejarmos, importa dar força para se fazer. Há que lembrar
o ditado: quem está de fora racha lenha. A chuva está a cair sobre as
sementes, saibamos encaminhar a água e sachar a tempo e horas.
Há
que relembrar que governar é prever, inundações e secas fazem parte do
ciclo da vida do país. Construir-se pontes que caem, bairros que se
inundam, valas entupidas resulta do desleixo e incúria dos que
fiscalizam e devem velar pela eficiência. Gritar SOS depois do mal
acontecer, muito bonito, mas prevenir o mal, muito melhor. Houve um
tempo em que se garantia que não se fabricassem bebidas tradicionais de
qualquer modo. Tambores para o fabrico de bebidas, comidas e bebidas ao
ar livre, ausência de qualquer controlo sanitário aumentam a clientela
dos hospitais e das funerárias.
Deixemos
de demagógica e cobardemente declarar que respeitamos as tradições e
sejamos firmes na defesa dos interesses do país e das pessoas.
Continua
a haver muitas reacções sobre os atentados criminosos que ocorreram em
Paris. Certamente que numerosos estadistas, incluindo e sobretudo
islâmicos e árabes, deslocaram-se a Paris para as cerimónias, de
passagem relembro o Presidente da OLP Abbas, o Rei e a Rainha da
Jordânia. Isso demonstrou algo.
Pouco
se salientou o facto que tal e qual um dos suspeitos criminosos mortos,
um muçulmano e maliano Lansanna Batilly, no Hyper Cacher de Vincennes,
salvou 15 reféns judeus. Quando interrogado sopre o feito, afirmou que
salvara seres humanos. Algo afirmado no passado pelo próprio
Profeta quando orara ao passar um funeral de um judeu no local em que se
encontrava. O Presidente Hollande decidiu agraciá-lo com a Legião de Honra e dar-lhe a nacionalidade francesa que já solicitara faz um bom tempo. Bravo!
De
cerca de 50.000 exemplares Charlie Hebdo saltou para mais de três
milhões e em várias línguas. De novo uma imagem do Profeta. Muitos
protestaram contra o que consideram e quiçá legitimamente uma provocação
gratuita num momento de dor e em que deveria prevalecer o
apaziguamento, a reafirmação da tolerância e do respeito mútuo.
Sua Santidade Francisco I condenou os que provocam e insultam a fé dos outros.
Quero
crer e insisto que a liberdade de cada um encontra como limite a
liberdade dos terceiros. Embora agnóstico e ateu, devo respeitar e
tolerar os que professam outras opções filosóficas e religiosas, desde
que elas não ponham em causa a vida, a integridade física e a dignidade
da pessoa.
A
calúnia, a difamação, o insulto à fé de terceiros não se podem aceitar
em nome do direito à opinião ou da liberdade de imprensa.
Um abraço à valorização da fraternidade humana.
P.S.
Todos aplaudiram e entusiasmaram-se com o desfile das FADM e das
polícias. Façam mais vezes, no 3 de Fevereiro, no 25 de Junho e 25 de
Setembro. Relembrem o orgulho da farda, a alegria da moçambicanidade, o
atractivo da farda.
Peco desculpas por haver trocado Alexandre Dumas por Victor Hugo num texto anterior. Dumas mestiço sim, Hugo não.
SV
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