TOK de HISTÓRIA – ROSTAND MEDEIROS
Em meados do século XVI, a costa do Japão começou a ser frequentada por navios espanhóis e portugueses, que na época já navegaram pelo Oceano Pacífico. Além das sedas e especiarias, esses comerciantes levavam como parte da tripulação missionários católicos, principalmente jesuítas, ansiosos para reunir almas frescas ao Senhor por aquelas terras pagãs.
Havia poucos nobres japoneses que via com curiosidade, até mesmo com bons olhos, esta nova religião e os estrangeiros barbudos. Um desses entusiastas era Oda Nobunaga, o primeiro dos três grandes unificadores do império insular, que em 1580 tinha conseguido colocar metade do país sob o seu controle e mantinha a outra metade em uma rédea curta. Sem exagero ele podia ser considerado o rei do Japão.
Homem de inteligência inquieta e visão avançada, Nobunaga recebeu de forma digna os jesuítas e, embora se converter ao cristianismo não estava nos seus planos, gostava de receber os religiosos em audiência para saber como era o mundo quinhentista além dos limites do arquipélago japonês.
Mas as crônicas contam que um dia a paz que Nobunaga tanto se esforçou trazer para a capital japonesa foi subitamente interrompido pela chegada de um pitoresco convidado.
Em 23 de março de 1581 desembarcou o italiano Alessando Valignano, padre visitador (inspetor) dos jesuítas. Este trazia em sua comitiva um mauro vassalo, tão negro como os etíopes da Guiné. Alguém cujo nome verdadeiro é até hoje desconhecido, mas a quem os japoneses logo batizaram como Yasuke (弥 助). De acordo com a Histoire ecclésiastique Et Des Isles Du Japon royaumes, escrita pelo jesuíta François Solier em 1627, Yasuke era nativo de Moçambique, mas outros relatos afirmam que ele veio do Congo.
As origens desta jovem impressionante ainda estão não totalmente conhecidas. Historiadores japoneses contemporâneos acreditavam que ele tinha sido vendido a Valignano em algum lugar no Congo;
no entanto, estudos recentes mostram que ele pode ter sido um membro da etnia Makua de Moçambique, e que seu nome original era Yasufe. Moçambicano ou Congolês não se sabe, bem como se Yasufe , ou Yasuke, foi a primeira pessoa negra a pisar no Japão, uma vez que não era raro encontrar escravos africanos em galeões e caravelas da época. Mas, ao que parece, ele deve ter sido o primeiro negro visto na capital japonesa, Quioto, a então capital do Japão Imperial, sendo substituída por Tóquio em 1868.
Querido pelo rei
Consta em um dos relatos que Yakuse teria cerca de um metro e noventa de altura e, se assim foi, a sua alta estatura teria sido muito imponente para os japoneses da época.
Uma multidão febril lotava dia e noite às portas da residência dos jesuítas. Havia brigas a pedradas para pegar um bom lugar para começar a vislumbrar aquela pessoa tão diferente para os japoneses. Todo mundo queria ver esse misterioso homem de pele morena como o carvão. As autoridades tiveram de intervir para pôr ordem neste caos.
Nobunaga, a maior autoridade em Quioto, quando soube de todo aquele barulho convocou os jesuítas ao tribunal para conhecer a pessoa que causa de tanto alvoroço. Em 27 de março de 1581 Yasuke foi levado perante Nobunaga e este não podia acreditar que a aquela pele negra era real. Na verdade, suspeitando que os jesuítas estivessem tentando pregar-lhe uma peça, pensou que o grande homem da pele de cor de ébano na verdade estivesse coberto de betume. Nobunaga ordenou que seus vassalos lavassem o pobre escravo. Só depois de ver que lavagem após lavagem nada se alterava na pele do africano, Nobunaga se convenceu de que ali não havia nenhuma broma. Ele tinha diante dos seus olhos um homem negro como a noite sem lua.
Nobunaga ficou encantado com a descoberta e conseguiu dos jesuítas que Yasuke se colocasse ao seu serviço. Mas Yasuke, um homem que dominava várias línguas, seria mais do que apenas uma nova adição à coleção de raridades de Nobunaga. As crônicas da época o descrevem assim: Parecia ter entre 26 e 27 anos, grande, escuro, com a força de dez homens e possuindo bom senso.
Abundavam rumores de que o escravo ia ser feito um Daimyo (um senhor fundiária japonês), mas de concreto os registros dos jesuítas apontam que Nobunaga deu a Yasuke uma casa para ele morar e uma espada katana. Nobunaga também lhe atribuiu o dever de levar a sua lança pessoal e vestir uma armadura, privilégio normalmente reservado apenas para os nascidos em famílias de samurais. O africano se tornou um proeminente membro da comitiva real, a ponto de despertar ciúmes e intrigas no palácio.
Informam que Nobunaga ficou tão satisfeito com os serviços de Yasuke que existe a suspeita que ele, embora não haja nenhum registro, acabaria por ser nomeado samurai. Este último fato é extremamente improvável, mas sabendo que o poderoso Oda Nobunaga tinha um gosto pela excentricidade essa história pode não ser totalmente descartada.
Como um samurai
Nobunaga morreu em 1582 em uma noite fatídica, através de um ataque traiçoeiro de um de seus próprios generais, Akechi Mitsuhide. Este é um dos episódios mais famosos da história do Japão e passados mais de 400 anos ainda não são claras as razões dos acontecimentos.
Consta que Mitsuhide decidiu se rebelar contra seu mestre e atacou de surpresa o templo Honnõ-ji em Quioto, onde Nobunaga passou a noite pacificamente protegido por uma pequena guarnição antes da reunião com o grosso de suas tropas da batalha. Ao amanhecer, as chamas tinham consumido Honnõ-ji até o chão e o corpo de Nobunaga desapareceu para sempre nas cinzas.
Relatos apontam que Yasuke fazia parte da pequena guarnição leal e teria, após a morte de Nobunaga, acompanhado Oda Nobutada, o filho do seu senhor, na retirada para o Castelo Azuchi. Com uma pequena força de 300 homens o castelo foi cercado pelas forças vastamente superiores de Mitsuhide e a maioria das tropas leais ao Nobutada foi morta. Yasuke lutou ao lado das forças de Nobutada por um longo tempo, enfrentado os inimigos do filho do seu senhor como um verdadeiro samurai e tentando evitar o inevitável.
Yasuke sobreviveu à batalha, mas, ao invés de cometer suicídio (a tradição samurai quando enfrenta derrota) ele entregou sua espada para os homens de Akechi (a tradição ocidental) e esperou o seu destino. Sem saber como proceder, os soldados foram busca orientação com seu senhor.
Akechi revelou-se intolerante, afirmou que o africano era apenas uma besta e não um verdadeiro samurai e, portanto, não se podia conceder a honra do seppuku (suicídio ritual). Akechi entregou Yasuke para o “templo bárbaro” (isto é, a igreja dos jesuítas em Quioto) e os religiosos tomaram conta dele.
Não se sabe exatamente o que aconteceu com Yasuke. Alguns afirmam que ele voltou à sua terra natal e introduziu o kimono para o seu povo, outros que ele se juntou a uma das comunidades crescentes de estrangeiros que foram prosperando em grandes cidades portuárias do Japão. Mas as chances maiores são que ele, sob a tutela dos jesuítas, teria sido envia a Goa, na Índia, ou em outra parte de suas missões na Ásia. O africano é mencionado em algumas das 1.581 cartas dos jesuítas Luís Fróis e Lorenço Mexia e no Relatório Anual de 1582 da Missão Jesuíta no Japão.
É interessante que no espaço de um ano esse escravo da distante África foi elevado a mais alta classe guerreira japonesa, uma ocorrência quase única na história e tinha sido envolvido em um evento que mudou o curso da história japonesa. Samurai ou não, Yasuke pode se orgulhar de ter servido na corte do senhor mais poderoso do Japão. Nada mal para alguém que provavelmente começou a sua jornada nas correntes de um navio negreiro.
Apesar disso não sabemos quase nada sobre ele, embora Yasuke não passou totalmente despercebido no Japão moderno e se tornou assunto de uma ficção histórica infantil chamada Kuro-suke, lançada na década de 1960.
Fontes: JAVIER SANZ – – http://historiasdelahistoria.com/2015/07/21/un-samurai-negro-en-la-corte-del-senor-mas-poderoso-de-japon
– https://en.wikipedia.org/wiki/Yasuke
– http://enterjapan.me/yasuke/
The Chronicle of Lord Nobunaga – Ota Gyuichi;
Histoire et des Isles ecclésiastique royaumes du Japon – François Solier
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