O Governo escrutinou currículos em vários ministérios e detetou
mais uma falsa licenciatura, que deu em exoneração nos Assuntos
Parlamentares. Ainda houve outra saída por causa de uma nota curricular.
O ministério tutelado por Tiago Brandão Rodrigues — que esteve sob pressão devido no caso das licenciaturas falsas de um antigo chefe de gabinete — admitiu ao Observador que, após o caso, “foi feito um levantamento relativo aos graus académicos referidos nas notas curriculares dos membros dos gabinetes do Ministério da Educação, não se tendo verificado qualquer desconformidade.”
Quando os casos das falsas licenciaturas foram conhecidos, fizemos um despiste para tentar encontrar qualquer situação do género que não estivesse identificada nos currículos. Pedimos entrega de certificados de habilitações, mas a Carla não entregou e disse que não tinha forma de entregar e pediu a exoneração. Não ignorámos a mentira, mas não foi preciso tomar a iniciativa porque ela pediu a exoneração”, diz ao Observador Pedro Nuno Santos.
Falsa licenciatura no tempo de Sócrates. Desta vez, sem habilitações
Carla Fernandes — que o Observador tentou sem êxito contactar —
apresentou-se durante três anos (em dois governos de José Sócrates) como
“licenciada“. Em dezembro de 2015, quando foi nomeada
pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos,
como técnica especialista do gabinete, já aparecia como “bacharel“.Ana Paula Vitorino foi a primeira governante a nomear Carla Fernandes, a 31 de julho de 2008, para assessora da Secretaria de Estado dos Transportes, onde aparecia como “licenciada“. Houve eleições legislativas, José Sócrates voltou a ganhar e Carla Fernandes voltou a integrar um lugar no mesmo ministério, sendo desta vez nomeada pelo ministro António Mendonça, a 4 de novembro de 2009. Mais uma vez, seria requisitada aos CTT para exercer as funções de assessora, surgindo de novo como “licenciada“.
Carla Fernandes teve ainda mais uma oportunidade para corrigir o grau académico, doze dias depois. Foi feito um despacho de retificação para que continuasse a receber a remuneração de origem (dos CTT — Correios de Portugal) e para lhe ser “devido igualmente o abono das despesas de representação previstas por lei para o cargo de adjunto de gabinete”, o que não estava previsto no despacho inicial.
Quando cessou funções no Governo, a 20 de junho de 2011 — tal como já tinha acontecido em 2009 — Carla Fernandes é apresentada como “Dr.ª Carla Maria da Silva Fernandes” no louvor atribuído por Ana Paula Vitorino.
Carla Fernandes apresentou assim este título académico durante anos. Entretanto, seria nomeada assessora do grupo parlamentar do PS, mas, nesses casos, sem referência ao grau académico. Só a 1 de dezembro de 2015, quando foi nomeada por Pedro Nuno Santos, é que a assessora de imprensa aparece como “bacharel“, explicando, na nota curricular, que tem um bacharelato em Business Studies, na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais do Trinity College, na Universidade de Dublin.
Quanto ao bacharelato de Carla Fernandes, o Observador questionou a Universidade de Dublin, que respondeu que só fornece dados sobre os processos curriculares de antigos alunos mediante a autorização destes. No mesmo dia, a 17 de novembro, o Observador tentou confirmar junto da mesma instituição se Carla Fernandes foi mesmo aluna. O departamento de comunicação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, respondeu a 27 de novembro a dizer que já pediu a informação aos serviços, mas que ainda aguarda uma resposta.
O certo é que Carla Fernandes não conseguiu provar a Pedro Nuno Santos que tinha as habilitações que apresentou para despacho em Diário da República. A exoneração, embora tenha sido publicada em Diário da República a 10 de novembro, tem efeitos retroativos a 2 de novembro. Ou seja: imediatamente na semana seguinte ao Observador ter noticiado dois casos de falsas licenciaturas: um adjunto do primeiro-ministro, Rui Roque, e o chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do desporto, Nuno Félix.
Pedro Nuno Santos esclarece ao Observador que convidou Carla Fernandes para o seu gabinete depois de “ter trabalhado com ela na comissão de inquérito ao BES”. O secretário de Estado diz que já a conheceu “enquanto parlamentar” e que, no momento da nomeação, foi-lhe pedido o mesmo que aos restantes membros do gabinete: “Que apresentassem o currículo para que fosse colocado no despacho e acreditou-se que as informações eram as corretas.”.
Carla Fernandes foi assim a primeira baixa deste levantamento, mas podem existir mais, uma vez que em alguns ministérios a radiografia a eventuais falhas curriculares ainda está a decorrer. O Observador apurou que o levantamento de eventuais irregularidades foi feito em vários outros ministérios de uma forma mais formal ou informal, como, por exemplo, nos Ministério da Agricultura ou da Justiça.
Fausto não mentiu, mas foi baixa do caso das licenciaturas
No Ministério do Mar, o levantamento das situações curriculares também resultou numa exoneração, mas o motivo não foi a mentira nas habilitações. Após a saída de Maria João Rocha como assessora de imprensa, a ministra Ana Paula Vitorino nomeou o antigo jornalista Fausto Coutinho. Entre abril de 2012 e abril de 2015, Fausto Coutinho foi diretor de informação Rádio do grupo RTP. Na campanha das legislativas, trabalhou como assessor de Passos Coelho, que aconselhou para o debate em direto nas rádios contra António Costa.O problema de Fausto Coutinho (que o Observador tentou, sem êxito, contactar) é que, no seu despacho de nomeação, escreveu o seguinte: “Em 2005, matriculou-se na Universidade Lusófona de Lisboa que, devido à sua intensa atividade profissional, não chegou a frequentar.” O caso — no rescaldo da polémica das licenciaturas falsas — tornou-se viral nas redes sociais, com o despacho a ser partilhado como exemplo da falta de rigor dos membros do gabinete de António Costa.
Ana Paula Vitorino não terá gostado desta referência e afastou Fausto Coutinho. Neste caso, tal como no de Carla Fernandes, a formulação é “a seu pedido”. Ou seja: oficialmente foi o próprio a pedir a exoneração. O despacho de exoneração foi publicado esta segunda-feira, 28 de novembro, mas foi assinado a 27 de novembro e remete precisamente para o mesmo dia da exoneração de Carla Fernandes: 2 de novembro.
Membros dão a sua palavra, à qual é “dada fé”
Embora este levantamento esteja a ser feito em nome do rigor, há vários casos de ministérios que optaram por não fazer este escrutínio curricular. No caso do ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, esse levantamento foi feito anteriormente. Fonte oficial do ministério informa que “foi feito um controlo das notas curriculares aquando da nomeação dos membros que compõem o gabinete, razão pela qual não houve necessidade de proceder a qualquer alteração“.Já no caso do Ministério da Saúde, tutelado por Adalberto Campos Fernandes, é explicado que “todos os elementos [dos gabinetes] apresentaram currículos que demonstraram estas características, de forma fundamentada” e que “foi solicitada, para publicação, a nota curricular a cada um, à qual foi dada fé.” O mesmo ministério esclarece que “[após o caso das licenciaturas] não foram solicitados documentos por não ser prática corrente, nem considerada necessária.”
Já no Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, garante fonte oficial, “não se fez qualquer levantamento/análise aos currículos dos membros dos gabinetes.” Na mesma linha, “o ministério da Administração Interna não procedeu a qualquer tipo de levantamento da situação curricular dos membros dos gabinetes”.
Os ministérios que ainda não fizeram este levantamento podem, apurou o Observador, ser ainda forçados a fazê-lo por indicação superior, em particular do primeiro-ministro.