quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A tragédia da nossa incapacidade colectiva

Por Salomão Moyana


Moçambique está a mergulhar a olhos vistos a um conflito armado que, dentro em breve, ameaça ser generalizado e de consequências inimagináveis. Um conflito armado que começou tipo brincadeira de duas crianças mimadas que não aceitam ceder em nenhum dos seus preciosos pontos de razão. Um conflito armado resultado de um desentendimento político aparentemente de fácil solução mas que, devido à intransigência e casmurrice política das duas partes envolvidas, tudo aponta que o País caminha para um verdadeiro abismo social, com populações dos distritos de Gorongosa, Maríngwè, e Chibabava (Sofala) e de Funhalouro e Homoíne (Inhambane) a ficarem em pânico e a abandonar as suas zonas habituais de residência para buscar refúgio nas vilas-sedes dos respectivos distritos.

Trata-se, claramente, da maior tragédia da nossa incapacidade de gerar consensos mesmo em questões de menor importância política ou social, como, por exemplo, a constituição em base igualitária de uma simples comissão de arbitragem eleitoral, uma matéria simples e completamente ao alcance dos dois lados negociar e encontrar entendimentos estabilizadores de todo um país.
Custa-nos bastante aceitar que por causa de meia dúzia de artigos de uma lei aprovada pela nossa Assembleia da República se gere um braço de ferro entre os dois maiores partidos nacionais ao ponto de os mesmos concluírem que é melhor mergulhar todo Moçambique em conflito armado do que ceder e alcançar um entendimento que salve as vidas de milhares de moçambicanos que tais partidos dizem representar na AR!
Custa-nos imenso aceitar que um “conflitozinho”, inicialmente localizado em lugar certo, na zona de Muxúngwè, possa, em menos de um ano, se generalizar, a olhos vistos, para ameaçar toda a paz de que desfrutava este País nos últimos 20 anos!
Torna-nos impossível aceitar que dois partidos responsáveis num Estado gerido com responsabilidade e seriedade possam se permitir, a seu bel prazer, mergulhar todo um país em banho de sangue por questões que apenas satisfazem o ego político desses partidos!
Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de ser gerido por dois partidos egoístas, casmurros, com uma visão reducionista centrada no tamanho e dimensão dos seus interesses umbilicais, dois partidos que se dizem representantes do povo mas que, quando estão em causa seus interesses umbilicais, não se importam de dizimar, sem pestanejar, esse mesmo povo à luz do dia.
Pior ainda, trata-se de dois partidos absolutistas feudais em que os militantes não têm a mínima possibilidade de influenciar a mudança de rumo que as respectivas lideranças absolutistas tenham decidido. Ou seja, não existe a hipótese de os militantes desses partidos se rebelarem contra a má gestão ou a ausência gritante de uma visão congregadora e visionária dos seus líderes absolutos. Apenas resta aos militantes em causa murmurar nos cafés, dizendo em voz baixa que os seus chefes estão a arrastar o País para a lama por causa da sua ganância desmedida, ou arregimentarem-se às lideranças absolutistas, bajulando-as impiedosamente, enaltecendo, até ficarem roucos, a “clarividência e a sabedoria divina” dos respectivos líderes.
Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de até académicos e cientistas sociais estarem condicionados, por variadíssimos factores, a pensar, falar e agir no tacanho limite do pensamento e orientação desses partidos, defraudando, desse modo, a genuína expectativa do povo moçambicano em ver seus filhos académicos a contribuírem para a iluminação da população, precisamente, com vista à sua libertação das garras ferozes e mortíferas desses dois partidos políticos.
Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de possuir um governo sem soluções para os prementes problemas que se colocam, um governo descoordenado em que enquanto o ministro da Defesa Nacional se diz preocupado pela noticiada presença e circulação de homens armados em distritos da província de Inhambane, o porta-voz do Comando Provincial desse território afirma, em conferência de imprensa, não haver naquela província nenhum homem armado a circular nos distritos referidos! Ou seja, aquelas populações de Homoíne que passaram o último fim-de-semana concentradas na vila sede, fugindo de suas zonas de residência habitual, foram vítimas de um boato sobre a presença e circulação de homens armados? Como é que elementos trabalhando para o mesmo governo e integrados na mesma esfera de Defesa e Segurança não sejam capazes de comunicar, em sintonia, as informações essenciais e reais sobre o que está acontecendo no terreno?
Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de ser impotente e incapaz de resolver directa e pessoalmente os problemas que o governo deixa agravar, a olhos vistos, em cada dia que passa. Trata-se de um governo que se esqueceu, completamente, da emblemática frase do saudoso Presidente Samora Machel, segundo a qual, “deve se matar o jacaré enquanto pequeno”, pois ainda circula nas margens do rio porque se o deixar crescer ele passa a navegar em águas profundas onde a sua força é maior.
Ou mata-se o jacaré enquanto pequeno ou o jacaré, mais tarde, vai matar muita gente.
O jacaré que está a desgraçar o povo moçambicano é a incapacidade arrogante dos dirigentes deste País em encontrar soluções rápidas e seguras para problemas que de fácil solução vão, de casmurrice em casmurrice, a serem incubados até se tornarem em jacaré grande que dizimará o povo moçambicano.
É urgente que os moçambicanos, de todos os partidos políticos e os sem partidos políticos, se levantem e dêem um valente murro na mesa e digam: Basta!
Basta desta desgraça colectiva de ficarmos calados a ver a nossa morte a aproximar-se, diariamente, sem nada fazermos contra os mentores desse suicídio colectivo!
Basta de paninhos quentes e bajulações abomináveis a atitudes belicistas dos líderes dos dois partidos apostados em desgraçar ainda mais o martirizado povo moçambicano!
É hora certa para exigirmos, colectivamente, que quem esteja cansado de dirigir ou liderar um organismo com responsabilidades públicas como as de um governo, seja liberto, com efeitos imediatos, para descansar ao invés de ser tolerado a arrastar todo um povo para uma agonia colectiva.
Basta desta tragédia da nossa incapacidade colectiva de dizer basta aos mentores da nossa desgraça colectiva!

Retirado do Diálogo sobre Mocambique - 07.01.2014

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