sábado, 4 de maio de 2013

Dossier “Adriano Bomba”

Dossier “Adriano Bomba”
Por: Paulo Oliveira
Sobre o mesmo caso do piloto Adriano Bomba, socorro-me de referências
diversas posteriores, que usei no livro ’Renamo - uma descida ao coração das
trevas’ e que recorto aqui nalguns excertos:
Quando ouço falar pela primeira vez de Adriano Bomba, como alguém já ligado à Resistência. Antes, lera apenas no ‘Século de Johannesburg’ que ele chefiaria uma tal JUMO
- Juventude Unida de Moçambique:
De 1976 a 1982, Orlando Cristina estivera em ascensão, primeiro junto dos rodesianos e mais tarde na África do Sul. O brilho da sua estrela principiava a atenuar-se, eclipsado pela impetuosidade de Evo
Fernandes. A passagem de Cristina por Lisboa, em Dezembro de 1982, deixa transparecer isso mesmo.
Fernandes luta para atingir o topo mas o mais maduro secretário-geral não cede facilmente.
Contra a vontade de Evo, fiz saber ao ‘número dois’, afinal o tal Dhlakama deve ser o ‘número um’, não é verdade?, o meu desejo de ir ao interior de Moçambique ou às bases da guerrilha na África do Sul, e trabalhar de perto com o movimento.
As coisas começam-se a mexer e a serem tratadas com os sul-africanos. A oportunidade surge por fim em Fevereiro de 1983. Orlando Cristina esteve no dia 10 deste mês de novo em Lisboa, de passagem para outros países europeus e para os Estados Unidos. Eu vou dentro de uma semana para Pretória, como responsável da ‘Voz da África Livre’, a emissora da R.N.M. A missão, será a de substituir um inoperante ou infiltrado Boaventura Bomba, o irmão do piloto moçambicano que fugira há pouco com um ‘MiG-17’ para a África do Sul. Adriano Bomba, o piloto, estivera até há algumas semanas em território sul-africano, à frente da ‘Voz’ e do ‘Departamento de Informação’ da Resistência. Fora
entretanto para a base central da Gorongosa, no centro de Moçambique, deixando Boaventura em seu lugar, na emissora.
A situação na Rádio rebelde, revela-me o Cristina, não é famosa. Falamos demoradamente. Sobre a ‘Voz da África Livre’ e sobre as declarações de Jorge Costa, um desertor da Segurança moçambicana, à revista sensacionalista sul-africana ‘Scope’.
Discutimos a eventualidade que se ventilava então de uma transferência a curto prazo para Moçambique de parte do contingente cubano em Angola. E Cristina na sua voz monocórdica
lamenta-se ainda de um desaire militar no sul, um pelotão de 34 homens do movimento com quem se perdera todo o contacto, junto ao Rio Limpopo, devido à acção do exército.
Acertamos últimos pormenores sobre a viagem. O chefe de escala da South Africa Airways no aeroporto de Lisboa é um amigo do movimento, facilitará em caso de qualquer dificuldade com a
bagagem. Ouvidos os últimos conselhos de Evo Fernandes e de Orlando Cristina, seja!, embarco na
noite de 16 de Fevereiro no ‘Jumbo’ da SAA(...)
Após a morte de Orlando Cristina [secretário-geral da Renamo], há uma nova referência a Adriano
Bomba [As últimas declarações arrancadas ao Boaventura Bomba confirmam ter John Macocola a seu
soldo e que ele próprio, Bomba, carregara a arma do crime, uma UZI. Mais, terá ele acrescentado (pura especulação?, é que isto, os ‘serviços’, às vezes também são piores que um ninho de putas) que
Dhlakama estaria a par da acção.
Tal, no entanto, afigura-se-me duvidoso, pois ao mesmo tempo surgem rumores de que um golpe estaria também previsto contra o Afonso Dhlakama, de modo a colocar em seu lugar o piloto Adriano Bomba (...)
GIANCARLO COCCIA: COMO UM ‘JORNALISTA’ E AGENTE ESPECIAL, DÁ COBERTURA À EXECUÇÃO MUITO SUI GENERIS DO PILOTO DE MIG-17 ADRIANO BOMBA
Giancarlo Coccia. Já o nome diz tudo. É italiano, este gajo. Italiano, jornalista, e com um senhor bigode à Salvador Dali, eternamente mergulhado em whisky, e que dorme com um enorme barrete enfiado pela cabeça e de Kalash nas mãos. É… este sujeito tão típico assim encontra-se igualmente na
‘embaixada’. É um dos ‘contactos especiais’ de Van Niekerk.
Coccia reside desde há muito em Waterkloof, nesses arredores de Pretória confinando com a base aérea. Prepara-se agora para ir ao interior de Moçambique acompanhando Dhlakama e os outros comandantes operacionais. E para a Gorongosa, tudo sincronizado, como se vê, partiria também, pouco tempo depois, um outro jornalista, americano, transportado até aí desde Pretória, igualmente em avião militar sulafricano: ele é o Alexandre Sloop, ‘Sandy’, o bem conhecido ‘Sandy’ de Lisboa, da penumbrosa agência UPI, United Press International, que se diz fundada pela CIA, e que usará como ‘antenas’ as suas várias delegações e stringers (correspondentes). Pois bem, convidado por Fernandes e vindo de Lisboa chegará esse tal Sandy que só conheço de nome e ainda estive escalado para ir buscá-lo ao aeroporto de Johannesburg. Só que agora estou aqui mais ao norte perdido nesta imensidão do Transvaal oriental e com um lote de gente também pitoresca à volta.
Bom, mas voltemos então a este original italiano: o Coccia tem duas missões. Primeiro, há que cobrir a história do movimento e chamar a atenção para o técnico italiano feito cativo pela RENAMO, pelo qual, anteriormente o movimento exigira um resgate. Com efeito, Mário Ortolan será libertado quase de seguida e Coccia efectua uma reportagem relatando a ‘boa vontade e sentido humanitário de
Dhlakama’.
Segundo, o jornalista italiano tem que entrevistar Adriano Bomba e isto com um propósito bem firme: há que mostrar ao mundo que o ex-piloto e irmão de Boaventura ainda está vivo, desmentindo assim alguns dos rumores que correm. Coccia irá fazer a entrevista. Adriano Bomba responde, calmo, confiante, risonho mesmo, pelo que me contam depois.
E após a tomada de som, a fotografia, no exterior, a pose. Ele espera por uma máquina fotográfica
mas… surge antes, lesta, uma ou mais Kalashnikovs. É liquidado de imediato. A Rádio RSA passará a
reportagem e entrevista de Coccia.
A voz do ex-piloto de MiGs ‘confirmando’ para toda a África Austral que Adriano Bomba vive!
Isto é Informação!!!
Antes de regressarmos a Pretória fica assente que a emissora reabre a 1 de Julho com o nome de ‘Voz da Resistência Nacional Moçambicana’.
A emissão, asseguram os sulafricanos, terá um sinal mais potente, de forma a alcançar agora a mais nortenha e longínqua das províncias, Cabo Delgado, o berço dos temíveis guerreiros macondes.
Novo pessoal virá do interior a 28 de Junho. O orçamento das Forças Armadas sul-africanas
disponibilizado para o movimento é, efectivamente, o maior de sempre, e foi lançado há duas semanas. Os reabastecimentos, suspensos com a morte de Orlando Cristina, recomeçam esta quinta-feira, 16 de Junho.
E é assim, com efeito, que neste dia 16, ao fim da tarde, vindos da Base de Comando Recuado,
seguimos directamente para a Base Aérea de Waterkloof com Dhlakama, Coccia (a caminho ainda dessa sua reportagem e derradeira entrevista prestada pelo Adriano Bomba), os três comandantes operacionais e mais seis outros elementos que integram o Estado-Maior. O sol está já a fazer caretas, a desaparecer no horizonte oeste à esquerda de Warmbaths, a última cidade que deixamos para trás. Pretória encontra-se a menos de 90 quilómetros. Uma cena quase cómica desenrola-se agora, ali todos parados em fila, alinhados à beira da estrada atrás das ‘combi’ Nissan e Toyota,
Dhlakama incluído, sem cerimónias, a urinarmos para o prado verde, açoitados por um vento lateral, forte, que se levanta com o crepúsculo.
Em Waterkloof estes eternos passageiros-mistério acabam por embarcar num avião ‘Transall-160’ do
28º esquadrão da Força Aérea sulafricana.
Vou a bordo despedir-me.
Além dos homens seguem dez toneladas de armamento em três contentores. Fico a assistir à descolagem desse C-160 e de três outros aviões idênticos carregados de material e que rumam também para Moçambique. A ajuda de Pretória volta a chegar à Gorongosa após meses de indecisão.
Sexta-feira. Visito de novo o Zanza. Por escassos minutos. A psicose das bombas e dos falsos alarmes instala-se em Pretória. Soa mais um dos alertas e todo o prédio é prontamente evacuado. De braços
cruzados, expectante, a tagarelar com a Lucinda Feijão sobre o relvado verdinho deste campo de jogos nas traseiras, entre uma pequena multidão. Afinal, o prédio não se desmorona? Nem um estalido de Carnaval? Já é a quinta ou sexta vez, diz a Lucinda exasperada… onze andares descidos a pé, a correr. E o alerta não passou, mais uma vez, disso mesmo.
Em Maputo, as autoridades anunciam o começo de uma grandiosa ‘Operação Produção’, destina-se a
correr com os ‘improdutivos’ das cidades, os desempregados, marginais, enfim, é uma enorme triagem aos indesejáveis, para a boa estética e segurança do regime.
Quanto aos nossos amigalhaços sulafricanos, bem, pretendem complicar ainda mais a situação no sul do país, ferrar mais uma rasteira em grande ao Machel, começando a repatriar dezenas de milhares de refugiados moçambicanos que enchem os campos fronteiriços.
Dia 20 o coronel Grayling da Psychological Warfare, a secção de Propaganda Militar, vem ter comigo.
Traz uma nota do Ministério do Interior pedindo que se faça um texto para ser lido aos desgraçados desses repatriados. A nota afirma em resumo que ‘o mal deles é a FRELIMO’. E o texto é escrito. Cinco dias mais tarde Pieter Botha, então primeiro ministro, afirma ‘não ser mais possível o entendimento com um Moçambique que continua a apoiar o comunismo internacional’. Nos serviços militares considera-se que isto não passará de mera retórica e pressão, que o tempo corre a favor de Maputo, e
que qualquer entendimento ou pacto, adiando a confrontação, será mais perigoso para a África do Sul.
Dia 23 de Junho conseguimos que a Rádio volte por fim a emitir. Esta é apenas uma gravação experimental de meia hora, anunciando para breve o recomeço regular dos programas.
Vou com o José Carlos Monteiro e um técnico militar sul-africano de comunicações efectuar a gravação piloto ao camião-estúdio. Este encontra-se ainda estacionado noutro campo do exército, perto de Petronella, um pouco ao norte da anterior farm, e à direita da estrada que de Pretória se dirige para Warmbaths. Algum do antigo pessoal da emissora também fora para aí transportado, mas está agora quase todo ele recambiado para a Gorongosa.
ESTA INICIÁTICA DESCIDA AO MATO. COMO É O DIA A DIA NA BASE DA GUERRILHA. QUEM
SÃO OS HOMENS DA RENAMO. O RESSURGIR DA ‘VOZ DA ÁFRICA LIVRE’ (...)
PÚNGUÈ – 10.08.2006
 

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