Centelha por Viriato Caetano Dias (viriatocaetanodias@gmail.com)
Quando alguém, em nome de um qualquer colectivismo, resolve limitar as liberdades individuais, incluindo as económicas, a pobreza faz as malas e vem ter connosco. Anónimo
O golpe de Estado já não é feito no modelo clássico em que o exército, utilizando as armas da opressão, tirava do poder o chefe de Estado até então em exercício e criava, consequentemente, uma espiral de conflitos sem fim à vista como aconteceu, por exemplo, na RDC, Somália, RCA, Nigéria, etc. Segundo o historiador António Telo, se a ascensão do novo governo não conseguia gerar uma base mínima de apoio social, degenerava num ciclo de golpes e contragolpes onde as espadas eram o triunfo.
Actualmente, o golpe do Estado é mais sofisticado e “racional”. Os militares, atrelando-se às multidões contestatárias que acampam nas ruas (na sua maioria estudantes), destituem a “velha ordem” e instauram uma “nova estrutura” do poder disfarçadamente democrática. Teoricamente é a multidão de desgraçados que desencadeou o golpe, mas, na prática, são os militares que comandam a vida do miserável ser humano. Desta forma, não há risco algum de o novo governo ser conotado como golpista nem sofrer sanções internacionais. Esta realidade aconteceu (tristemente) no Zimbabuè, na Argélia e muito recentemente no Sudão.
A multidão acaba sendo vítima do próprio golpe, porque elas passam a ser governadas pelos antigos “cães de caça”. Cai o ditador, mas sobe ao poder a ditadura. No fundo, os problemas estruturais mantém-se e a pobreza absoluta acentua-se. Ninguém estaria em condições de me provar que, com a saída compulsiva de Robert Mugabe, os zimbabweanos mudaram positivamente de vida. Pelo contrário, permanecem na miséria e sem dignidade, porque estão na iminência de perder suas terras conquistadas com muito sacrifício e grande derramamento de sangue.
O novo modelo de golpes de Estado não se circunscreve aos países acima elencados. Isto acontece porque a maioria dos países da África apresenta as mesmas características governativas (até parece que os líderes saem do mesmo ventre): cinismo das classes dirigentes, predominância da fome, a existência de universidades que se tornaram num problema social porque estão especializadas na impressão de certificados e diplomas, proliferação de alfabetizados disfuncionais, depender de caridade estrangeira para sobreviver (já dizia o mítico Eduardo Carimo que a oferta é um suplemento, nunca faz a vida), criação de fronteiras humanas (a ideia de que quem pensa diferente é alvo a abater, falta de escrúpulos quando obriga seus cidadãos a emigrar, aumento vertiginoso do desemprego, sobretudo nas camadas jovens).
Os golpes de Estado, em África, vão continuar e em catadupa devido à contaminação pelas políticas perversas. Nem a áurea dos recursos naturais impedirão a queda de governos eleitos, se os apetites pelo desenvolvimento hipotecarem os direitos humanos. Escrevi em minha tese de doutoramento que não basta que os Estados atinjam níveis de crescimento e desenvolvimento económico, o mais importante é que o façam no contexto das liberdades, harmonia social e direitos humanos. Caso contrário, “a pobreza fará as malas e virá ter connosco”.
Um poder legítimo, assentes nesses valores, dispensa violência e golpes de Estado. Tenho dito que os países africanos devem reencontrar-se para debater os problemas reais do continente e não promover sistematicamente cimeiras faustosas para o aprimoramento dos pedidos de esmola. Para terminar esta centelha, eu continuo a pensar que o reconhecimento dos direitos dos indivíduos, a supressão da pobreza através do empreendedorismo e da educação e o combate à corrupção, apostando na boa governação, são das mais poderosas ferramentas de transformação social. Zicomo (obrigado) e um abraço nhúngue aos irmãos da ADA (Assembleia de Deus Africana) que têm incansavelmente intercedido por mim nas suas orações.
NOTA: Não é nada pessoal. Faço apelo para que o deputado Ricardo Tomás, meu conterrâneo, pare de colocar fermento nas palavras e saiba perder. As regras não devem ser alteradas no meio do jogo. Os argumentos que tem apresentado, para continuar a gozar do Estatuto de Deputado, demonstra apego frenético ao poder. A “maldita” política, porque tem benesses, ameaça realizar o “funeral” do académico (engenheiro, arquitecto). Nós, os nhúngues, não somos apegados ao poder (sempre será efémero em relação ao carácter de um Homem), pois reconhecemos que “o poder não é um corpo que falece connosco: dão-nos”. A derrota, em qualquer que seja o processo da vida, é uma experiência amarga mas que dá frutos suculentos.
WAMPHULA FAX – 15.04.2019
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