As incongruências do Governador Zandamela e os terrenos da Polana-Caniço
Na semana passada, alguém recuperou uma intervenção do Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, e pô-la a circular como se fosse uma espécie de “Ted Talk” seminal sobre os efeitos nefastos da corrupção burocrática no investimento estrangeiro. Mas era uma ladainha corriqueira sobre o assunto. Funcionários obrigam os investidores a olearem a máquina para que seus processos andem. Os investidores são uns santos sempre com boas intenções, merecedores de todo o tipo de hossanas, incluindo tapetes vermelhos fiscais. Zandamela olha para a corrupção burocrática sem dissecar suas causas sistémicas. Não diz nada de novo. Seu discurso foi, no entanto, partilhado de todos os lados, como algo genial. Na verdade, a corrupção burocrática aumentou tremendamente em Moçambique. E esta é uma percepção isolada com base nas minhas observações: a crise do calote da dívida fez aumentar a corrupção; os esquemas e as boladas tornaram-se para muitos a principal fonte de rendimento, mecanismo funcional para a paz social.
Mas, do alto do seu pedestal, com um salário de 35 mil USD por mês, Zandamela não se cansou de atirar farpas às classes baixas da sociedade, esquecendo-se do papel do Banco de Moçambique na aprovação do calote (no consulado de Ernesto Gouveia Gove), que nos mergulhou na crise, e das suas medidas brutais (já no seu consulado), as quais agravaram o custo de de vida para os moçambicanos. Com a descoberta do calote, o custo de vida subiu drasticamente e os moçambicanos das classes média e baixa foram obrigados a apertar os cintos. O senhor Governador Zandamela recorda-se? Recorda-se que, nos últimos anos, o Ministério da Economia e Finanças cortou subsídios aos preços do pão, combustíveis e outros, e actualizou os salários da função pública a uma taxa muito inferior à taxa de inflação, cortando dramaticamente o poder de compra dos funcionários do Estado? E suspendeu muitos projetos de investimento público, decisões que em outros países dariam origem a revoltas populares. O Ministro da Economia e Finanças, diga-se, foi de uma coragem extrema.
E o Banco de Moçambique o que é que fez? Limitou-se a agravar as taxas de juros e as de reservas obrigatórias, controlando a taxa de inflação e a desvalorização do Metical. Mas o preço social destas medidas foi catastrófico: centenas de PMEs foram à falência, lançando para o desemprego milhares e milhares de trabalhadores. E este batalhão de cidadãos se entrincheirou nas oportunidades de corrupção como mecanismo de sobrevivência e redistribuição de riqueza.
Na semana passada, ao ouvir-lhe falar naquela conversa, ficou para mim claro que o Governador do Banco de Moçambique não tem nenhum peso de consciência pelos danos causados por sua intervenção correctiva, que só agravou o estado das coisas. Hoje, Moçambique tem as taxas de juros reais (taxa de juro nominal - inflacção) das mais altas de mundo. Nenhum jovem pode suportar as taxas de juros de crédito para habitação e o Banco Moçambique não sente que exagerou nas medidas que tomou; fez as subidas à bruta, não se preocupando com os seus efeitos – alguns dos quais são novos factores causais da corrupção agravada com a crise.
Nunca ninguém explicou (e nem o Banco de Moçambique quer fazê-lo, fechando-se hoje em copas, em contramão do acesso à informação) por que é que a instituição se preocupa apenas com a estabilidade monetária (inflação e estabilidade do Metical), ignorando outras preocupações macroeconómicas, como, por exemplo, a de crescimento económico e criação de emprego! Em quase todos os países, em momentos de recessão económica, as taxas de juros tendem a ser baixíssimas: a nossa economia está em crise mas as taxas de juros, como consequência da política monetária, são as mais altas do mundo.
Eu gostava de perguntar (ao Governador Zandamela) sobre estas e outras coisas, mas o Banco de Moçambique iniciou agora um novo estilo, opaco, na sua relação com a imprensa, o qual vai contra o acesso à informação e é completamente anti-debate. Ao invés de uma conferência de imprensa em que um administrador (no passado podia ser o Dr Waldemar ou a Dra Joana Matsombe) discute com jornalistas, agora temos de enviar nossas listas de questões com antecedência de duas semanas e cabe a uma Directora de Comunicação interagir com os jornalistas no dia marcado para a suposta resposta. Suposta porque não é garantido que haverá resposta. Na sexta-feira passada, por exemplo, levamos uma grande tampa. Uma lista de questões (que vamos publicar brevemente) não foi respondida. E percebemos que, daqui em diante, não vale a pena enviar questões previamente: o Banco nunca vai responder.
Então, talvez colocá-las em público: será mesmo necessário o Banco de Moçambique gastar milhões e milhões de USD, com o país em crise, para construir duas casas protocolares para o Governador e para o Vice Governador na Polana Caniço? Quanto custa o projecto? Quantas famílias estão a serem indemnizadas? Quanto é o valor de compensação às famílias? E para quem é a terceira casa projetada no local?
Aquela intervenção do Governador do Banco de Moçambique sobre os bloqueios da corrupção burocrática foi interessante também porque ele falou de coisas que não pratica. Queixou-se da falta de “sintonia institucional”, em Moçambique. Mas, há cerca de dez dias, ele mostrou que navega na desarmonia. No seminário sobre fundos soberanos, Rogério Zandamela causou uma risada de pouca graça na sala. Coube-lhe chamar o PCA da ENH, Omar Mithá, para este fazer a sua intervenção. Mas Zandamela mostrou que não sabia quem era Omar Mithá. Não conhecer Omar Mithá é mesmo de quem anda nas nuvens. Como reclamar da falta de sintonia institucional se o Governador do Banco de Moçambique não conhece o PCA da ENH? Aquela conversa sobre corrupção era mesmo de quem não anda em sintonia com a realidade local. Era uma conversa nebulosa!
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