terça-feira, 9 de abril de 2019

As incongruências do Governador Zandamela e os terrenos da Polana-Caniço

As incongruências do Governador Zandamela e os terrenos da Polana-Caniço
Na semana passada, alguém recuperou uma intervenção do Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, e pô-la a circular como se fosse uma espécie de “Ted Talk” seminal sobre os efeitos nefastos da corrupção burocrática no investimento estrangeiro. Mas era uma ladainha corriqueira sobre o assunto. Funcionários obrigam os investidores a olearem a máquina para que seus processos andem. Os investidores são uns santos sempre com boas intenções, merecedores de todo o tipo de hossanas, incluindo tapetes vermelhos fiscais. Zandamela olha para a corrupção burocrática sem dissecar suas causas sistémicas. Não diz nada de novo. Seu discurso foi, no entanto, partilhado de todos os lados, como algo genial. Na verdade, a corrupção burocrática aumentou tremendamente em Moçambique. E esta é uma percepção isolada com base nas minhas observações: a crise do calote da dívida fez aumentar a corrupção; os esquemas e as boladas tornaram-se para muitos a principal fonte de rendimento, mecanismo funcional para a paz social.
Mas, do alto do seu pedestal, com um salário de 35 mil USD por mês, Zandamela não se cansou de atirar farpas às classes baixas da sociedade, esquecendo-se do papel do Banco de Moçambique na aprovação do calote (no consulado de Ernesto Gouveia Gove), que nos mergulhou na crise, e das suas medidas brutais (já no seu consulado), as quais agravaram o custo de de vida para os moçambicanos. Com a descoberta do calote, o custo de vida subiu drasticamente e os moçambicanos das classes média e baixa foram obrigados a apertar os cintos. O senhor Governador Zandamela recorda-se? Recorda-se que, nos últimos anos, o Ministério da Economia e Finanças cortou subsídios aos preços do pão, combustíveis e outros, e actualizou os salários da função pública a uma taxa muito inferior à taxa de inflação, cortando dramaticamente o poder de compra dos funcionários do Estado? E suspendeu muitos projetos de investimento público, decisões que em outros países dariam origem a revoltas populares. O Ministro da Economia e Finanças, diga-se, foi de uma coragem extrema.
E o Banco de Moçambique o que é que fez? Limitou-se a agravar as taxas de juros e as de reservas obrigatórias, controlando a taxa de inflação e a desvalorização do Metical. Mas o preço social destas medidas foi catastrófico: centenas de PMEs foram à falência, lançando para o desemprego milhares e milhares de trabalhadores. E este batalhão de cidadãos se entrincheirou nas oportunidades de corrupção como mecanismo de sobrevivência e redistribuição de riqueza.
Na semana passada, ao ouvir-lhe falar naquela conversa, ficou para mim claro que o Governador do Banco de Moçambique não tem nenhum peso de consciência pelos danos causados por sua intervenção correctiva, que só agravou o estado das coisas. Hoje, Moçambique tem as taxas de juros reais (taxa de juro nominal - inflacção) das mais altas de mundo. Nenhum jovem pode suportar as taxas de juros de crédito para habitação e o Banco Moçambique não sente que exagerou nas medidas que tomou; fez as subidas à bruta, não se preocupando com os seus efeitos – alguns dos quais são novos factores causais da corrupção agravada com a crise.
Nunca ninguém explicou (e nem o Banco de Moçambique quer fazê-lo, fechando-se hoje em copas, em contramão do acesso à informação) por que é que a instituição se preocupa apenas com a estabilidade monetária (inflação e estabilidade do Metical), ignorando outras preocupações macroeconómicas, como, por exemplo, a de crescimento económico e criação de emprego! Em quase todos os países, em momentos de recessão económica, as taxas de juros tendem a ser baixíssimas: a nossa economia está em crise mas as taxas de juros, como consequência da política monetária, são as mais altas do mundo.
Eu gostava de perguntar (ao Governador Zandamela) sobre estas e outras coisas, mas o Banco de Moçambique iniciou agora um novo estilo, opaco, na sua relação com a imprensa, o qual vai contra o acesso à informação e é completamente anti-debate. Ao invés de uma conferência de imprensa em que um administrador (no passado podia ser o Dr Waldemar ou a Dra Joana Matsombe) discute com jornalistas, agora temos de enviar nossas listas de questões com antecedência de duas semanas e cabe a uma Directora de Comunicação interagir com os jornalistas no dia marcado para a suposta resposta. Suposta porque não é garantido que haverá resposta. Na sexta-feira passada, por exemplo, levamos uma grande tampa. Uma lista de questões (que vamos publicar brevemente) não foi respondida. E percebemos que, daqui em diante, não vale a pena enviar questões previamente: o Banco nunca vai responder.
Então, talvez colocá-las em público: será mesmo necessário o Banco de Moçambique gastar milhões e milhões de USD, com o país em crise, para construir duas casas protocolares para o Governador e para o Vice Governador na Polana Caniço? Quanto custa o projecto? Quantas famílias estão a serem indemnizadas? Quanto é o valor de compensação às famílias? E para quem é a terceira casa projetada no local?
Aquela intervenção do Governador do Banco de Moçambique sobre os bloqueios da corrupção burocrática foi interessante também porque ele falou de coisas que não pratica. Queixou-se da falta de “sintonia institucional”, em Moçambique. Mas, há cerca de dez dias, ele mostrou que navega na desarmonia. No seminário sobre fundos soberanos, Rogério Zandamela causou uma risada de pouca graça na sala. Coube-lhe chamar o PCA da ENH, Omar Mithá, para este fazer a sua intervenção. Mas Zandamela mostrou que não sabia quem era Omar Mithá. Não conhecer Omar Mithá é mesmo de quem anda nas nuvens. Como reclamar da falta de sintonia institucional se o Governador do Banco de Moçambique não conhece o PCA da ENH? Aquela conversa sobre corrupção era mesmo de quem não anda em sintonia com a realidade local. Era uma conversa nebulosa!
Comentários
  • Nito Ivo Para fazer parte da alcateia deve ser lobo. Para ocupar aqueles lugares deve ser sujo ou disposto a sujar-se.

    Só não percebo o porquê de tanta admiração vossa.
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  • Antonio Julio Xlhate Marcelo Mosse sempre atento. Bem ha Marcelo Mosse!!!
  • Raposo Andrade Sempre que ouço esse senhor fica-me a impressão que só se ri da gente. Cinismo é o que melhor lhe caracteriza, autêntica cobra.
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    Escreve uma resposta...

  • Ricardo Santos O Xerife de Washington tem uma dívida oculta para com Marcelo Mosse. O montante dessa dívida é igual ao valor das perguntas por escrito às quais o Governador ainda não respondeu. O Marcelo Mosse está a cobrar a dívida.
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  • Rui Costa Com lupa no chão , inventariam-se as pulgas....enquanto os elefantes voam por cima turbinados ... (distritos, municipios) , francamente. Ehehehehe...
  • Herculano Cumbi É assim,o civismo virou insustentável apartir do momento em que a pontualidade do sentido de sobrevivência supera a moral!
  • Francis Manuel "Preso por ter cão, e preso por não ter cão".
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  • Antonio Sandramo Não concordo com o que esta escrito neste texto. Primeiro devo dizer que concordo com muita coisa que escreve, então agora estamos a trabalhar com uma Excepção a regra.
    Paragrafo 1. Não acho que devemos acomodar a corrupção dando lhe espaço na nossa so
    ciedade porque entendemos que esta seja efeito da crise. A ideia de que a crise material causa a crise moral já foi a muito disputada e existe alguma literatura que fala disso mas mesmo sem precisarmos de ir a bibliotecas podemos apenas nos recordar da Primeira crise que o Moçambique independente teve que enfrentar e de lá podemos disputar essa teoria de que a crise material causa a crise moral.
    Paragrafo 2-3…
    Não acho que o papel do Banco de Moçambique no caso das dívidas ocultas por si só sequestre a liberdade do Governador do Banco de nomear o problema e tentar mobilizar os ouvintes para caminharmos todos numa direcção que ele julga certa. 
    Com relação aos instrumentos monetários usados, eu acho que a politica monetária vista de longe e sem atenção pode ser mal compreendida por algumas razoes. 1.A relação entre varias variáveis económicas são inversas, e muita das vezes para estimularmos um mecanismo de transmissão apropriado precisamos de andar em contramão. 2.Algumas das intervenções monetárias não reúnem consenso académico, no final das contas a economia é uma ciência social que tenta prever e manipular comportamentos que por si só sao sujeitas a várias interpretações. Mas ai já estaríamos a entrar em um campo técnico que sai do escopo desta conversa.
    Sobre a estratégia de comunicação do Banco de Moçambique, eu acho que este é um outro assunto que pode sim ser debatido mas não afecta o debate do conteúdo do tal áudio posto a circular, falo da estratégia de comunicação e qualquer outro assunto levantado que não esteja directamente relacionado com o áudio em questão. A não ser que queiramos fazer uma caldeirada do áudio do Governador do Banco de Moçambique, onde embora tenha o áudio, tudo pode entrar.
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    • Ricardo Santos Estou totalmente de acordo com as suas observações, Antonio Sandramo!
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    • Gilberto De Jesus Nguenha Aprovado, desta vez o 2M derrapou no ataque ao Xerife
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    • Abel Manuel Manhaussane Tudo o que dizes enquanto não traduzir-se em desenvolvimento social para a população é conversa para boi durmir. A população quer apanes ter o poder de compra, ter acesso ãos serviços básicos. Sobe deiçe taxa de juro a gente quer lá saber disso. Questionaste todo texto excepto a parte que se fala das casas da Polana Caniço (do governador e do vice), muito conveniente.
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    • Antonio Sandramo Abel Manuel Manhaussane acesso aos serviços básicos é um assunto muito importante e merece a consideração necessária mas está fora da alçada do Banco de Moçambique, se quisermos dar a devida importância, como bem sugere, teríamos que debruçar sobre esse assunto em fóruns relevantes questionando intervenientes relacionados com o assunto em causa
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