Era um momento único nas nossas vidas, e, invadidos pelo exército de Mobutu e pela África do Sul do apartheid, tornava-se fundamental alicerçar um espírito de patriotismo, de entusiasmo e de tenacidade, por forma a fazer frente ao que se viria a transformar, em pouco tempo, numa viragem histórica de todo o Continente Africano.
A República Popular de Angola e a República de Cuba, nunca o esqueçamos, fiéis aos seus princípios, ficarão para sempre ligadas à independência da Namíbia e à libertação do Zimbabwe e da África do Sul.
É evidente que só os que viveram e participaram naqueles anos e momentos terão a noção exacta de tudo quanto se passou, porém sem as preocupações de investigação, estudo e análise, que importam normalmente aos académicos e estudiosos, que à medida que o tempo vai passando, vão surgindo de todos os quadrantes, já que a distância é desde sempre amiga da objectividade e do rigor histórico.
Vem tudo isto a propósito de, em função deste percurso histórico - que não difere assim tanto do historial de países que alcançaram a independência tendo em mira uma verdadeira soberania, sob todos os pontos de vista, mesmo concordando que há sempre inter-depedências - nos termos habituado a fulanizar, muitas vezes em demasia, questões que devem ter como pano de fundo pontos de vista e visões colectivas que acabam depois por ser assumidas por um grupo relativamente pequeno de cidadãos. Muitas vezes em função do seu próprio percurso individual, do seu carácter, da sua coragem, da sua disponibilidade total, outras por estarem desde há muito ligados a todo um processo histórico envolto em contradições, com avanços e recuos, vitórias e derrotas.
Esta realidade concreta seria anos mais tarde aproveitada, não por acaso, em simultâneo com uma cada vez menor participação cívica dos principais actores da História, e com o afastamento estratégico dos que se mantinham como referências morais e intelectuais fruto de um caminho percorrido com coerência, constância, teimosia e seriedade, valores inseparáveis que resguardam o prestígio e o respeito que se granjeia ou não ao longo de uma vida política activa - para uma alteração profunda do modo de actuação do poder político que foi tentando e conseguindo transformar actores activos da transformação da nossa realidade em figuras apagadas, ostracizadas, encostadas a um canto.
Passámos, lentamente, da euforia e de uma crença desmedida no futuro para um tempo em que o poder político se foi distanciando cada vez mais das populações, criando um manto muito próximo do "divinal", para justificar os silêncios, os distanciamentos, o legítimo exercício da crítica e a discussão colectiva dos problemas. Ao sacralizarem o poder, mostraram bem quais eram as reais intenções. A sua instrumentalização para servir os seus interesses. O desmedido exercício do poder pelo poder. Um tempo difícil, complicadíssimo, que resultou em claro prejuízo dos que estiverem sempre do mesmo lado da barricada, defendendo os mesmos princípios que acalentavam gerações de angolanos.
É preciso pois que tenhamos perfeita noção das transformações que sofremos, em pouco mais de um ano de exercício de um poder que recusa alimentar egos doentios; que estende a mão a quem queira juntar-se à difícil empreitada que nos espera a todos; que não aceita viver nos limites estreitos, fechados e pouco saudáveis de um gabinete luxuoso, esperando que o beija-mão, acompanhado de verdades sempre distorcidas ou de mentiras descaradas, substitua o indispensável contacto com a realidade viva e concreta das populações; que sente como nós, a necessidade de medir o pulso aos vários fenómenos do quotidiano e aos dramas reais e concretos dos cidadãos. Ao virar esta página, o Presidente João Lourenço encerrou em definitivo uma história feita de fausto, inércia e esquizofrenia, que se tornavam perigosos para a nossa sobrevivência enquanto nação, e é hoje uma mais-valia incontornável para a consolidação da democracia e do humanismo.